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OPRESSÕES

Sobre o Dia das Mães

Ana Luísa Martins, do Rio de Janeiro, RJ

“Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo ! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.
Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo”
(José Saramago)

 

José Saramago tinha razão. Ter filhos é, cada vez mais, um ato de coragem.
Mas também é um ato de confiança no futuro e de esperança na humanidade.

Sou mãe há 8 anos. Nunca escrevi muitas linhas sobre isso, porém não teve um só dia desde então que não tenha pensado sobre esta condição.

Sou marxista, nunca me iludi que poderia exercer uma maternidade alheia às condições objetivas da vida e da sociedade que vivemos.

Mas isso não é frio, não é viver sem as contradições pulsando a todo instante. Ao contrário, é uma experiência a quente entre o que somos no capitalismo e o que poderíamos ser em outra sociedade. Ser marxista também é buscar o sentido mais profundo da nossa existência, como espécie. Acho que posso dizer que com a maternidade fui me tornando mais marxista, mais comunista.

Nunca me esqueço quando percebi olhando Antonio, meu primeiro filho, crescer, que tirando aquilo que são os traços individuais de personalidade e que se expressam logo cedo, ele era uma pessoa fresca, sem valores e costumes pré-estabelecidos, sem preconceitos de qualquer natureza. Vi também a força e a velocidade com que se estabelece aquilo que é socialmente construído.

É uma luta diária. Não deixar morrer aquela sementinha fresca, que não o protege da moral do capitalismo, mas ao menos de sucumbir à ela. Sem dúvida, este é o maior leão que matamos por dia.

Vivemos em um país hostil às mulheres. Por um lado 75% das crianças até 4 anos não estão em creches, e por outro lado 4 mulheres morrem todos os dias em hospitais por decorrências de abortos mal feitos.

A verdade é que a decisão da mulher sobre seu próprio corpo é negada na mesma medida que a maternidade também é.

Faço parte de uma parcela que fez uma opção pela maternidade. Escolhi ter meus dois filhos. Poderia ter feito outra escolha.

Mas não é menos difícil por isso. A ausência completa do Estado na vida das mães e das crianças. A dupla, tripla jornada, o fim do tempo livre, a associação concreta entre a criação dos filhos e o trabalho (não pago), os julgamentos de todos os lados, a culpa, o machismo, o cansaço que beira a exaustão, as noites mal dormidas. Essa é a maternidade real, ao menos das mulheres trabalhadoras.

Com tudo o que disputa para que a maternidade seja algo solitário, de cotidiano massacrante e mortificante, coexiste um elemento nobre.

Penso que a experiência da maternagem é o que mais me aproximou de uma relação humana desalienada. É uma pequena prova da relação sem estranhamento, não objetificada, de experiência sensorial, de me ver menos como indivíduo e mais como espécie. É, portanto, o que mais me move na militância socialista.

Prefiro quem me tornei após esses 8 anos, dois partos e alguns anos amamentando. Tenho mais confiança no futuro. Que nossos filhos sejam do mundo e que o mundo seja deles e para eles.

Meu profundo respeito e admiração às mulheres maravilhosas que estão comigo nessa jornada, tão feminista. A começar pela minha mãe.

Feliz dia das mães!

Marcado como:
maternidade / mulheres