Os trabalhadores não deixaram de lutar (…) Graças a essas heróicas lutas, a classe operária dos países avançados alcançou conquistas democráticas colossais, e mínimas (por exemplo, a jornada de oito horas e o direito de voto), e o surgimento de poderosas organizações sindicais e políticas. É verdade, também, que essas conquistas foram arrancadas ao imperialismo quando este estava se enriquecendo graças á exploração dos países atrasados, o que lhe permitia concedê-las sem colocar em perigo sua própria existência. É por isso que essa primeira etapa da luta do proletariado mundial contra o imperialismo adquire, salvo exceções, um caráter reformista, não-revolucionário, de acumulação quantitativa de vitórias e conquistas no interior do próprio capitalismo, a quem não questiona e de quem não se propõe arrebatar o poder. Nada disso significa que a burguesia fizesse concessões por conta própria. Pelo contrário, cada avanço do proletariado foi produto de uma encarniçada luta contra ela. (…) Quando já não havia países atrasados para repartir, os bandidos imperialistas se enfrentaram na Primeira Guerra Mundial, para decidir quem iria dominar o mundo colonial e capitalista. Esse tremendo confronto foi a nova expressão da crise capitalista, que até então havia se manifestado somente na forma de crises cíclicas (…) A crise da ordem capitalista mundial foi paga pelo proletariado com seu próprio holocausto. Os 50 anos de vitórias, de acumulação de conquistas, transformaram-se, da noite para o dia, na primeira grave derrota histórica da classe operária. Porque a Primeira Guerra Mundial foi isso: uma terrível derrota histórica da classe operária mundial. – Hugo Bressano, aliás, Nahuel Moreno
A importância teórica do tema das derrotas históricas que impõem enormes obstáculos nos tempos da luta revolucionária permanece um desafio teórico para o marxismo. A derrota da revolução alemã, no início dos anos vinte do século passado, foi qualitativa para o isolamento da URSS. Acontece que ela é impossível de ser, plenamente, compreendida, se não for considerado que os trabalhadores franceses, o proletariado de maior tradição militante, não se levantou ao final da Primeira Guerra Mundial.
Não é possível, portanto, no mundo em que vivemos, a defesa de uma política revolucionária sem a defesa do internacionalismo. Mas não é possível, tampouco, a defesa de uma política internacionalista, se não for revolucionária. São indivisíveis.
A situação atual na Venezuela é um exemplo deste dilema. Ser internacionalista significa nos posicionarmos no campo militar do governo Maduro contra o imperialismo. Mas só é internacionalista, consequentemente, quem defende romper com o capitalismo. Qualquer projeto na Venezuela que não seja anticapitalista, depois de vinte anos de tentativas exasperadas de evitar uma ruptura, está condenado ao fracasso. A degradação das condições de vida das amplas massas é irrefutável e insustentável. Não há futuro para uma utopia nacional-desenvolvimentista no século XXI, mesmo com as maiores reservas mundiais de petróleo.
Devemos nos perguntar, todavia, por que estas ideias permanecem minoritárias. Que é o mesmo que nos perguntarmos por que permanece necessária a luta sem quartel contra os reformismos no interior da classe trabalhadora e da juventude. Outra maneira de colocar o problema é nos perguntarmos por que é necessário um partido internacionalista.
O ponto de partida é não nos enganarmos a nós mesmos. Por exemplo, admitir que estamos em condições tão adversas que são até piores que aquelas que viveram os internacionalistas da II Internacional, em minoria, antes da vitória da revolução de outubro. A maioria da classe trabalhadora, mesmo nos países em que a industrialização já permitiu a configuração de uma classe operária importante, não abraça sequer a esperança do socialismo. E o internacionalismo revolucionário é uma corrente sobrevivente, porém, muito minoritária, marginal. O esfacelamento do movimento trotskista foi terrível, nos últimos vinte e cinco anos. A IV Internacional, um movimento dividido, grosso modo, em quatro correntes internacionais entre 1968 e 1991, se pulverizou. Toda esta dinâmica desagregadora é uma das consequências da derrota histórica que foi a restauração do capitalismo e o fim da URSS.
Reconhecer esta situação subjetiva não nos diminui, nem nos enfraquece. Ao contrário, nos fortalece. A angústia é um privilégio da lucidez. Nossa aposta é que as próximas crises do capitalismo serão maiores do que as ficaram para trás. Confiamos na classe trabalhadora. O proletariado do século XXI é mais poderoso do que o do século XX. Ele não sabe, mas é maior, mais concentrado, mais educado, mais influente, e seu destino é atrair para o campo anticapitalista a maioria dos oprimidos.
Ele resistirá, e veremos combates maiores do que os do passado. E na luta de classes, forças minoritárias podem se transformar em maioria, até rapidamente, quando estão à altura das circunstâncias. As ideias contam. Ideias poderosas são, extraordinariamente, atrativas. Nossas ideias abrirão o caminho, se estiverem à altura dos acontecimentos.
Primeiro, então, o tema incontornável da necessidade do partido revolucionário. Que é o mesmo que tentar compreender por que a esquerda está dividida, sempre esteve dividida e por que a divisão dos partidos de esquerda não diminuirá. O problema é explicar por que, quase cem anos depois da vitória da revolução de outubro, o reformismo, em suas diferentes variantes nacionais, tem tanta influência.
Nós temos que atualizar a teoria marxista para explicar a longevidade dos reformismos. A explicação marxista foi, historicamente, a divisão da classe trabalhadora pela ação da social democracia e do estalinismo. Recordemos quais foram os fundamentos da influência destes aparelhos. A teoria leninista da aristocracia operária apresentada quando da deflagração da 1ª Guerra Mundial, no ensaio “A falência da 2ª Internacional” é uma referência incontornável. Esta teoria tem como objetivo explicar porque as organizações construídas no período histórico anterior, a social democracia europeia, tinham, na sua grande maioria, se demonstrado obstáculos.
O que nós temos que nos perguntar é se ela ainda é satisfatória. Ela mantém vigência? O que diz a teoria da aristocracia operária? Diz que na época imperialista uma fração minoritária da classe trabalhadora nos países centrais, uma aristocracia, recebe uma parte do “bombom” que cai da mesa do banquete da repartição do mundo realizado pelo capital.
A hipótese de Lenin é como se a aristocracia operária fosse uma crosta, como as placas tectônicas do planeta, mas embaixo dela existiria um enorme magma de lava revolucionária. Bastaria que a crise do capitalismo, de um lado, e a intervenção decidida dos revolucionários do outro, quebre a crosta, e abre-se o caminho para a erupção vulcânica. O magma estaria ali. A época do imperialismo não teria como ser estável. Seria uma época de guerras e revoluções. A social democracia teria seus dias de influência majoritária contados, porque a possibilidade de reformas ou regulação do capitalismo seria efêmera.
A mobilidade social seria cada vez menor. A possibilidade de reformas progressivas, cada vez mais estreita. O tema da longevidade do estalinismo nos obriga a recordar o desenlace da II guerra mundial e seu fortalecimento na luta contra o nazifascismo, e à permanência de sua influência durante a etapa da guerra fria ou coexistência pacífica.
Bom, passaram-se mais de cem anos desde 1914, trinta anos desde a queda do muro de Berlim, e os reformismos permanecem muito influentes, ainda que com novas roupagens. A primeira questão é, portanto, saber se as nossas explicações histórico-sociais permanecem ou não válidas. Segundo, devemos nos perguntar se elas são adequadas para analisar os proletariados dos países periféricos, constituídos em sua maioria depois da II guerra mundial, alguns somente nos últimos trinta anos.
Não é precipitado concluir que estes prognósticos estavam, pelo menos, parcialmente, errados. Subestimamos a capacidade do capitalismo de contornar suas crises. Subestimamos a possibilidade da concessão de reformas nos países centrais. Subestimamos a possibilidade de estabilização de regimes democráticos nos países periféricos, em especial na América Latina.
Sabemos que partidos são organizações em luta pelo poder, e representam interesses de classe. Isto remete aos fundamentos da existência do movimento operário e do próprio surgimento da corrente marxista. A explicação para as dificuldades e divisões da representação dos que vivem do trabalho se alicerça na tripla condição específica do proletariado. Frequentemente, não damos o devido valor à tripla condição que define a existência da classe trabalhadora. A classe trabalhadora é economicamente explorada, é socialmente oprimida e é politicamente dominada. Nunca na história da humanidade, nenhuma classe que tenha vivido circunstâncias de inserção social semelhante se colocou um projeto de dirigir a sociedade. Não seria razoável ter expectativas facilistas, ingênuas, portanto, ligeiras para este projeto. Devemos ser realistas.
Uma classe que vive esta tripla condição tem, necessariamente, heterogeneidade política no seu interior. Isto é assim porque, só muito excepcionalmente, em condições extraordinárias, ou seja, em circunstâncias nas quais se abre a possibilidade da luta pelo poder é que é possível unir a maioria do proletariado em torno a um projeto anticapitalista.
Em condições normais de existência da classe trabalhadora, inevitavelmente, considerando as diferenciações internas no seu interior, prevalece o projeto reformista de lutar para diminuir as condições de exploração. Ideias revolucionárias sempre forma minoritárias entre os trabalhadores, enquanto não se abre uma situação revolucionária. É porque o nosso projeto tem pressa que, tão repetidas vezes, somos vítimas de autoengano, e nos equivocamos na percepção de qual é a relação social de forças. As grandes massas só lutam com disposição revolucionária quando estão convencidas da iminência da vitória. Militantes podem e devem ter horizontes mais amplos.
Este processo assumiu e assumirá formas diferentes em distintas sociedades. Estas diferenças explicam-se pela combinação de muitos fatores. Depende da maior maturidade objetiva e subjetiva das classes trabalhadoras. O que, por sua vez, corresponde ao estágio de desenvolvimento econômico e social do capitalismo em cada região do mundo.
A representação política dos trabalhadores não pode ser feita por um só partido. Surgem, previsivelmente, tendências mais moderadas que querem reformar o capitalismo, e tendências mais radicais que querem eliminar as causas da opressão, da exploração e da dominação. O apoio majoritário aos reformistas não se explica porque defendem a regulação do capitalismo, ou porque são mais maduros, prudentes, ou cautelosos. Ele se fundamenta em uma experiência prática incompleta dos grandes batalhões com o capitalismo. Em última análise, o reformismo é uma refração da influência no interior do proletariado dos interesses de outras classes: frações burguesas e da classe média, por exemplo.
Acontece que estamos ainda em um altíssimo grau de abstração. Útil para explicar porque existem vários partidos operários em luta entre si. Insuficiente, portanto. Por duas razões. Primeiro porque o instinto de poder não se desenvolve de forma espontânea entre os trabalhadores. Ele precisa ser introduzido de fora para dentro. O que se demonstrou, em incontáveis experiências históricas, especialmente, difícil.
Segundo, porque não explica porque é necessário construir um movimento ou partido à escala internacional. O que justifica a existência desta forma de partido que nós defendemos é uma análise que parte de outros considerandos. O considerando fundamental é que não é possível vencer na luta pelo poder sem uma ferramenta de luta que esteja adequada à análise de quem é o inimigo.
O inimigo é o Estado capitalista. Mas, se é verdade que os Estados são nacionais, tão importante quanto, é saber que os Estados assumiram, ao longo dos últimos séculos, a forma de um sistema internacional de Estados. Não há um governo mundial, mas há uma ordem mundial.
Qualquer projeto que desconsidere a força do Estado capitalista, das suas bases sociais de sustentação que são nacionais, porém, também, internacionais, é uma aventura que condena os trabalhadores, desde a partida, à derrota. Uma burguesia nacional pode governar com o apoio de 20% da população, ou até menos, e governar até com estabilidade política, desde que tenha apoio internacional. É isto que toda a experiência histórica demonstrou.
Logo, a existência do movimento operário é a existência inevitável de luta, sem quartel, entre as tendências reformistas e as tendências revolucionárias, portanto, também em defesa do internacionalismo. Isto é o ABC. Mas aí vem o problema. A luta da classe trabalhadora se desenvolve dentro de fronteiras nacionais. Assim como o instinto de poder, o internacionalismo é um programa que depende, essencialmente, de um conjunto de experiências acumuladas que precisa se defendido de fora para dentro. Até hoje, revelou-se muito difícil. Mas não impossível.
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