A violência de gênero não é o tempo quem vai curar

Alinne Brito, de Macapá, AP
EBC

A tatuagem social que tem se desenhado culturalmente neste tecido capitalista vem estimulando a cena de medo e insegurança cotidiana sobre a vida das mulheres. Mundialmente existe uma avalanche conservadora que tem ditado as políticas públicas e os comportamentos da sociedade, que lamentavelmente implicam e refletem em nosso país e em nossas vidas. Tais violências vêm se materializando em denúncias ou, infelizmente, ilustrando os folhetins. Em menos de três meses, mais de 1,4 mil boletins de ocorrência foram registrados na Delegacia de Crimes Contra a Mulher (DCCM) de Macapá, em 2019.

Em menos de três meses, mais de 1,4 mil boletins de ocorrência foram registrados na Delegacia de Crimes Contra a Mulher (DCCM) de Macapá, em 2019.

Esse número, em comparação ao ano passado, representa aumento de 10%. Ainda de acordo com a DCCM, as tipificações mais recorrentes são de lesão corporal, tentativa de homicídio e ameaça de morte. Mais de 500 mulheres solicitaram medidas protetivas nos primeiros meses do ano.

O governo Bolsonaro legitima a assombrosa estatística de violência, pois o discurso de ódio fomenta tudo isso (misoginia, xenofobia, LGBTfobia, racismo). O renascimento do pensamento neofascista e a chegada da ultradireita, ocupando os parlamentos, são reflexos dessa conjuntura, ainda mais sobre a promessa feita em campanha a cerca do armamento. Esta semana foi assinado um decreto que muda as regras de armas e munições. O texto ainda não foi disponibilizado, porém já se sabe que o direito à compra de até 50 cartuchos por ano passará para mil cartuchos por ano. Bolsonaro defende a ideia de que o cidadão de bem poderá se proteger melhor se armado. Sabemos que, com mais armas, nós mulheres corremos mais riscos de vida. Ficam as seguintes perguntas:

  1. Que classe poderá comprar armas?
  2. Qual gênero as compra com maior frequência?
  3. Quem mais morre vítima de armas de fogo?

Creio que já sabemos as respostas e dói sabê-las! Como diria Sancho, “sentirei a dor dos golpes, que vão me ficar impressos tanto na memória, quanto no lombo”. Porque assim temos seguido, golpeadas, lutando pelo direito básico que é o de viver. Apesar de muitas escolherem não recordar, prefiro não esquecer, pois não esquecer talvez seja a única garantia de persistir lutando contra as violências que o Estado me faz, porque não esquecer me deixa alerta de que a história que foi escrita pode levar a caminhos tortuosos e sofríveis, os quais não desejo (re)play.

Me recuso a pensar como D. Quixote, que disse, “não há lembrança em que o tempo não apague nem dor que a morte não elimine”, pois assim como Sanches, questiono o fato de esperar pelo tempo, ou pela morte para que nossas dores sejam curadas. A cura real precisa ser construída por ações reais, ações coletivas, que envolvam o bojo de nossa classe. Os homens precisam aprender que não somos suas propriedades e todos precisam combater o culto à masculinidade tóxica promovido pelo capitalismo e que tem arrancado nossas liberdades.

Sei que o projeto que sonhamos não cabe nesse modelo social que vivemos, mas sei que quem constrói tais modelos somos nós, a cura está em nós, na capacidade de nos organizarmos, na forma de pensar a vida, no projeto de mundo que queremos para nós e para as futuras gerações. Nesse projeto não cabe outra via senão a luta unificada na perspectiva anticapitalista, antimisoginia, antiracista e antilgbtfóbica. Uma sociedade que busque curar as feridas promovidas pelo capitalismo sem maquiar suas cicatrizes só para garantir que tais violências não se repitam. A CURA ESTÁ EM ORGANIZAR AS MASSAS PARA LUTAR!!!!!