O Troglodita, a Folha e o Revolucionário

José Carlos Miranda

José Carlos Miranda é ativista social desde 1981. Foi ferroviário e metalúrgico e faz parte da Coordenação Nacional da Resistência-PSOL.

Li o editorial de ontem, 6 de maio, da Folha de São Paulo, sobre o polêmico Twitter do ex-comandante do Exército General Villas Bôas, que denominou o guru do presidente Bolsonaro, o escritor Olavo de Carvalho como “Trotsky da direita”. Por óbvio que um leitor que conhece minimamente a história da Revolução Russa se espantou com o erro crasso sobre essa suposta similaridade, vindo de um quadro do mais alto escalão dos militares. Era de se esperar que um periódico que, mesmo com posição política definida e que deseja ser levado a sério, fosse ao menos mais rígido consigo mesmo sobre o linguajar vulgar e a materialidade dos fatos.

Os fatos históricos demonstram o papel importante junto com Lenin na Revolução Russa e, mais ainda como ativista e pensador marxista de relevância internacional desde o início do século XX. Na organização do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), no esforço de propagandear o marxismo organizando desde muito jovem círculos de discussão e organização marxista, não foi ao acaso que na Revolução de 1905 ainda muito jovem foi eleito presidente do Soviete de São Petersburgo. Neste período elaborou uma das mais importantes aquisições do marxismo, a teoria da Revolução Permanente. Entre prisões, exílio e intensos debates no interior do POSDR foi um dos construtores das bases teóricas e práticas na preparação da Revolução Russa de 1917.

Distorcer esses fatos, pinçar partes destes concluindo com frases chulas como: “havia se bandeado para a ala bolchevique” e “fama de incendiário”, demonstram também uma ignorância de má fé ou de desprezo pela história. Apesar do texto fazer uma cronologia de datas e acontecimentos, estas datas e acontecimentos corretos viram pó quando o mesmo faz a esdrúxula comparação entre Trotsky e Stalin, “A natureza cruel e implacável do líder comunista [Trotsky], comparada à do ditador Stálin…”. Como assim?

O regime Stalinista exilou, prendeu e assassinou milhões de homens e mulheres acusados de “trotisquistas”, utilizou o enorme poder do aparato do Estado Soviético para tentar reescrever a história e tentar apagar a importância de Leon Trotsky. Utilizou de todos os meios para alcançar este objetivo e não logrou sucesso pela força das análises, das posições políticas e pelo trabalho prático e teórico de Trotsky. Stálin mandou através da KGB assassinar toda família de Leon Trotsky, todos amigos e tentou eliminar fisicamente todos que se opunham a seu poder e suas posições políticas, nada a ver com essa mentirosa e falsa comparação que o editorial da Folha tenta fazer.

Seguramente, Lev Davidovich Bronstein (nome verdadeiro de Leon Trotsky) cometeu vários erros durante sua vida, aliás ele mesmo faz referência a esses e em vários momentos. Mas as diferenças teóricas com Stalin e a burocracia não eram pessoais, é só ler um pouquinho desta história que se percebem rapidamente as diferenças, como na política para desenvolvimento da Russia, na luta contra a burocratização do PCURSS e do estado soviético, nas análises sobre qual a melhor política dos revolucionários na Alemanha nos anos 1930, na Guerra Civil da Espanha de 1934 a 1937, na luta contra os Processos de Moscou (processos que julgaram e condenaram os principais dirigentes e lideranças bolcheviques e da Revolução Russa) e nas posições sobre os principais acontecimentos mundiais até seu [de Trotsky] assassinato. Seus escritos sobre outros temas da cultura, arte e do modo vida impactaram a intelectualidade e artistas progressistas de sua época, André Breton, Diego Rivera, Frida Kahlo, entre muitos outros.

Não é razoável para um general errar tão feio sobre incontestáveis fatos históricos, talvez esteja influenciado pela série da Netflix, mas pode até ser compreendida essa ignorância. Por outro lado, a má fé da Folha é baixa, de má qualidade e comparável ao apagamento das fotos oficiais de L. Trotsky pelo regime estalinista que, como todos sabemos, essas grotescas falsificações foram desmascaradas pela história. Porém, é bem razoável que esse periódico que defende a reforma da previdência, defende as privatizações e a política econômica de Bolsonaro destile sua verdadeira face, seu ódio de classe sobre a história e o legado de Leon Trotsky, um dos personagens mais importantes da história do século XX, e não só como um revolucionário marxista que manteve sua integridade moral e dedicando sua vida à causa dos explorados e oprimidos na luta por um mundo sem explorados e exploradores.

Assim, como as mentiras do poderoso regime estalinista caíram como um castelo de cartas, a roda da história recoloca sempre na luta de classes as contribuições do velho revolucionário a prova. Independente das opiniões que se possam ter sobre as posições políticas e teóricas de Leon Trotsky, qualquer intelectual e pesquisador sério reconhece esse fato. E, para além desta gigantesca contribuição, sua história pessoal, sua conduta o tornam em um dos mártires da humanidade na luta para que a humanidade tenha um futuro, que só pode ser alcançado superando a sociedade de classes e o capitalismo. As ideias e a força do legado de Leon Trotsky são parte das ferramentas para que as gerações futuras possam se livrar de toda opressão e exploração, desfrutando da vida plenamente.