Por que rememorar Boal?

Mariana Mayor

Ontem, 02 de maio, relembramos 10 anos da morte de Augusto Boal. A principio falar sobre a morte envolve luto e sofrimento. Mas no caso de Boal, um artista com uma obra tão importante quanto a dele, rememorar sua ausência deve servir para reivindicar suas ideias, suas práticas, sonhos, em outras palavras, sua vida.

O estudante de química, que começara a escrever peças de teatro para o Teatro Experimental do Negro, e que havia acabado de retornar de uma pós-graduação nos Estados Unidos, entra no Teatro de Arena, em 1956. É lá que junto à Vianinha, Guarnieri e Chico de Assis, e tantos outros, transforma o espaço em um palco de experimentações de teatro épico no Brasil, trazendo para a cena as lutas sociais de seu tempo histórico.

Em meio a um processo experimental, agregando outros jovens atores como Nelson Xavier, Milton Gonçalves, Lima Duarte, Dina Sfat, Marília Medalha, Flavio Migliaccio – para citar alguns nomes – o Arena reconfigura a prática teatral: agora a cena buscava outros gestos, falas, cantos. Foi através dos laboratórios de interpretação e dramaturgia que nascem espetáculos como  “Eles não usam Black-tie”, de Guarnieri, “Chapetuba F. C.”, de Vianinha, “O Testamento do cangaceiro”, de Chico de Assis”, e “Revolução na América do Sul”, de sua autoria, em 1960 – um marco na história da dramaturgia brasileira, pela forma fragmentária e híbrida com que narra a trajetória do miserável Zé da Silva.  Em 1961, participa do processo de criação da peça “Mutirão em Novo Sol”, que retrata a luta de trabalhadores rurais do município de Santa Fé do Sul contra uma expropriação criminosa, de latifundiários,  sendo encenada em sindicatos e encontros de camponeses. Em 1964, organiza junto a Armando Costa, Vianinha, Paulo Pontes, Nara Leão, Zé Keti e João do Vale a primeira resposta artística ao golpe militar, que influenciaria não só os rumos do teatro, assim como da música brasileira: o show Opinião.

A experimentação artística com interesse vivo na luta política marca uma trajetória inquieta de trabalho: os musicais do Arena, como Zumbi e Tiradentes; a Feira Paulista de Opinião; os processos de criação pela América Latina, Portugal e França, no longo período de exílio, após sua prisão e tortura pela ditadura militar; a criação do Teatro do Oprimido, inspirado por outro grande brasileiro chamado Paulo Freire, que ontem também relembramos sua morte há 22 anos.

Além da obra pujante, o que chama atenção em sua trajetória é a capacidade de mobilizar e agregar pessoas. O teatro do oprimido nasce da crença radical de que qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo pode produzir arte. E mais: que o teatro poderia ser uma ferramenta, ou melhor, uma arma para mudar a sociedade.

É de seu idealismo político e artístico que nasce um dos livros de teoria teatral mais importantes do século XX: “O teatro do oprimido e outras poéticas políticas”, que inclusive foi relançado ontem, no Rio Janeiro. Um adendo: para fazer jus à memória de Boal, o lançamento foi feito no Armazém do Campo, local de comercialização de produtos do MST.

Até o final da vida, Boal seguiu com novas experimentações para unir teatro e política. Foi vereador no Rio de Janeiro e idealizou nada menos do que o Teatro Legislativo: durante seu mandato espalhou diversos núcleos de teatro do oprimido pela cidade do Rio de Janeiro e convidou a população a produzir cenas que retratassem os problemas sociais de seu cotidiano. As cenas eram apresentadas na frente da Assembleia Legislativa e os vereadores eram convidados a assistir. Do teatro nasciam práticas políticas efetivas: 13 leis foram criadas na cidade.

Lembrar 10 anos da ausência de Boal é querer urgentemente que suas ideias revolucionarias se disseminem por todos os cantos. Sabemos o quanto essas ideias ameaçam as estruturas mais retrógradas da nossa sociedade. Não é à toa que este governo que serve aos interesses mais escusos e não tem pudor em elogiar torturadores e se calar diante de brutalidades trava uma batalha ideológica contra o que o Brasil produziu de melhor. Rememorar Boal é afirmar que seus sonhos continuam vivos e, claro, perigosos.