Não passa um único dia sem que o governo Bolsonaro inaugure nova polêmica, que logo ganha repercussão e movimenta a imprensa e as redes sociais do país. Há quem pense que trata-se de uma estratégia diversionista para desviar a atenção dos assuntos que, como alguns supõem, seriam os temas principais do governo. Mas quem diz isso ainda não entendeu que o governo Bolsonaro não é um governo burguês normal, que ele não funciona a partir de um único centro, e que o tema da cultura, comportamento e o seu profundo anti-intelectualismo, uma das suas principais bandeiras de Bolsonaro e do seu guru, Olavo de Carvalho, não é algo periférico. Antes disso, destruir a universidade pública para Bolsonaro e, por extensão, acabar com o que o bolsonarismo chama de “marxismo cultural” é um dos pontos centrais da estratégia do seu governo, algo tão importante como a reforma da previdência e é por isso e por muito mais que o núcleo ideológico do atual governo repete em muitos aspectos o a fascismo histórico e é também similar aos governantes de extrema-direita que chegaram ao poder na Europa e também ao governo Trump.
A polêmica do momento, que todos devemos acompanhar com cuidado e combater com vigor, diz respeito à fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que nesses dias comparou o custo de um aluno da universidade pública ao de um aluno de uma creche. De acordo com o ministro, um aluno da universidade custa 30 mil reais ao governo, dez vezes mais do que o custo de um aluno de uma creche, que segundo disse, estaria em torno de 3 mil reais. Se tivesse pesquisado o assunto, com dados que o próprio ministério da Educação disponibiliza, e que foram usados em matéria do jornal O Globo de 30/04, Weintraub veria a diferença que apontou foi inflada em muitas vezes, já que a informação correta é R$ 14.763,00, para o aluno universitário, para R$ 2.632,00 para o aluno da creche.
Mas a questão não diz respeito ao erro do ministro, não se sabe se proposital ou não. O fato de que Weintraub se utiliza de um dado falso para justificar o absurdo corte de 30% nos já apertados orçamentos das universidades, é agravado em função de que as creches não são da responsabilidade do governo federal, mas dos governos municipais. Aliás, as únicas creches sustentadas com verbas federais são justamente as que existem nas universidades públicas, vinculadas às Faculdades de Educação e aos Colégios de Aplicação. Mas supondo que os recursos públicos, gerados pelos impostos, são também distribuídos a partir da arrecadação da União, e que há uma evidente desproporcionalidade nos gastos com educação básica e educação superior no Brasil, muitos poderiam ainda dizer que a diferença em cinco vezes (e não dez, como disse o ministro) é ainda assim muito grande. Mas você sabe por quê isso acontece?
Universidades não são apenas centro de ensino de excelência, com seu quadro de docentes formado quase que totalmente por mestre e doutores que levam anos para desenvolverem dissertações e teses que muito contribuem para o desenvolvimento do Brasil. Professores que trabalham nas universidades públicas, onde só se ingressa através de concorridos concursos, são, portanto, pessoal altamente qualificado, algo que em muito menor proporção existe na educação básica. Há unidades de várias instituições de ensino superior público pelo Brasil que são formadas por 100% de professores doutores (aqui também há uma proporção muito maior em relação às faculdades privadas). Além disso, os docentes das universidades públicas trabalham em regime de dedicação exclusiva, o que significa que estão integralmente dedicados às suas atividades na universidade, não podendo ter outros empregos, e isso é um critério de qualidade bastante relevante em todo o mundo, algo que naturalmente aumenta os custos da universidade.
Mas se a universidade não é apenas um centro de ensino, como foi dito, o que há na educação superior pública que não existe na educação básica para torná-la tão mais cara, além dos seus profissionais altamente qualificados e que trabalham em regime de dedicação exclusiva? Segundo o artigo 207 da Constituição Federal, as universidades “obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. O que a maioria dos brasileiros não sabe, portanto, é que os professores universitários são todos pesquisadores, gente que produz a quase totalidade da ciência do nosso país, ciência esta, que mesmo muito distante das demandas que temos, impacta a vida de todos os brasileiros. A universidade pública no Brasil é responsável por, nada mais, nada menos, que 99% das pesquisas científicas desenvolvidas no país. Fora das universidades, apenas a Petrobras, que é uma empresa ainda estatal, e a indústria farmacêutica são as que produzem o 1% restante.[1]
O vírus da Zika foi descoberto por professores/pesquisadores da UFBA. A Síndrome Congênita do Zika Vírus foi diagnosticada a partir de pesquisas desenvolvidas por docentes de universidades de Pernambuco, Paraíba, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, cujos cientistas são também professores da UFPE, UFPB, USP, FIOCRUZ e UFPR. O acompanhamento de mulheres grávidas que foram infectadas pelo Zika vírus é feita em diversos hospitais universitários de todo o país e quando as crianças nascem, as técnicas aplicadas ao desenvolvimento das crianças com microcefalia são realizadas em departamentos de fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional e outras especialidades que existem nas universidades públicas, com custos que entram na soma do que o país investe na educação superior.
Fechando o tripé estabelecido na Constituição, que diz que a universidade funciona com ensino, pesquisa e extensão, no aspecto “extensão” é que se estabelece a relação mais estreita da universidade com a sociedade que a circunda. As universidades públicas receberam nos últimos anos milhares de índios, trabalhadores rurais sem-terra, moradores de quilombos e jovens das periferias das grandes cidades que frequentaram dos cursos de Direito, Medicina, Ciências Humanas, entre outros, para adquirirem conhecimentos e habilidades para serem levados para suas comunidades.
Por tudo isso, as universidades públicas, longe de serem custos, são investimentos do país aplicados no bem estar do seu povo e não foi por outro motivo que antes do golpe do impeachment, especialmente entre 2010 e 2014, o Brasil investiu muito na educação superior, quando foram abertos centenas de IFES e universidades por todo o país, muito especialmente nas cidades do interior, o que levou a ampliação das vagas em muitos milhares as vagas. É claro que toda essa expansão não se deu sem problemas ou as contrapartidas necessárias, mas o que se tinha no passado foi largamente abandonado no período do governo de Michel Temer, que aprovou uma política de congelamento de gastos em 20 anos (EC 95), algo que agora se aprofunda com o desejo do governo de Bolsonaro de destruir por completo a universidade pública no Brasil.
Para concluir: a universidade pública é cara, porque ela não é apenas um espaço onde se ensina, mas também é o local onde há hospitais, laboratórios, onde há equipamentos e a necessidade de manutenção; onde se oferecem serviços e retorno para o país e o seu povo, com custo que pode parecer alto, mas que na verdade é investimento e está também muito aquém do que os países desenvolvidos historicamente aplicaram em suas universidades. Por isso e muito mais, defender a universidades pública das agressões que ela vem sofrendo da parte deste governo, é algo essencial para que o Brasil possa se desenvolver como um país forte e soberano, com um povo feliz, bem atendido e orgulhoso da sua educação.
[1] Segundo relatório feito pela empresa norte-americana Clarivate Analytics, encomendado pela CAPES, quase toda a produção científica brasileira é feita no interior das universidades. As informações podem ser conferidas no relatório em inglês, disponibilizado no portal da CAPES, que pode ser acessado no link. Essas informações também constam no site Investe SP também no da Unicamp e em outros portais de notícias.
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