Primeiro de Maio: ontem como hoje, um dia para fortalecer as lutas da classe trabalhadora

Editorial de 30 de abril de 2019

greve dos metalúrgicos em 1980, no ABC paulista

A história do Primeiro de Maio, como data internacional de mobilização e celebração das lutas da classe trabalhadora é mais que conhecida. Em 1886, uma greve de trabalhadores e trabalhadoras em Chicago (Estado Unidos), iniciada no dia primeiro de maio, culminou em uma manifestação três dias depois, duramente reprimida por policiais e seguranças privados contratados pelos capitalistas locais. A explosão de uma bomba, plantada pela própria polícia, atingindo policiais no final do ato, serviu de pretexto para a prisão e condenação de sete ativistas, quatro dos quais acabariam executados pelo Estado (além de um “suicidado” no cárcere).

Quatro anos depois, na fundação da II Internacional, foi chamado um dia internacional de lutas para o primeiro de maio seguinte e em seu 2º Congresso, de 1891, a II Internacional aprovou o Primeiro de Maio como data internacional de lutas, em celebração à luta e aos mártires do episódio de Chicago. O motivo da greve de 1888 e a principal bandeira de luta internacional do Primeiro de Maio na virada do século XIX para o XX era a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias.

Sabemos também que a adoção do feriado nesta data, em centenas de nações, ao longo do século XX, embora tenha representado uma conquista das mobilizações internacionais, significou, por outro lado, uma tentativa do Estado de “domesticar” um dia de luto e luta de trabalhadores e trabalhadoras, transformado, em casos como o do Brasil, numa data comemorativa oficial do “dia do trabalho”.

Ainda assim, em muitos momentos, o sentido original de luta coletiva do Primeiro de Maio foi resgatado por aqui. Como em 1968, quando na Praça da Sé, em São Paulo, militantes das oposições sindicais, sindicalistas combativos e ativistas das organizações de esquerda que se opunham à ditadura, acabaram com a festa organizada pelo governador Abreu Sodré e dirigentes pelegos. Tomaram o palanque, enfrentando as forças da repressão, e puseram “autoridades” e pelegos para correr, antes de entregarem os microfones para lideranças de base, para em seguida incendiarem o palco e seguirem em passeata, aos milhares, pelas ruas centrais da capital paulistana.

Também carregado de simbologia foi o Primeiro de Maio de 1980, em São Bernardo do Campo, realizado apesar da forte repressão que a ditadura montou na cidade, que atravessava um mês de greve dos metalúrgicos com o sindicato sob intervenção e seus dirigentes (entre eles Lula, então presidente do Sindicato de Metalúrgicos de SBC) na cadeia. Naquele dia, cerca de 100 mil trabalhadores e trabalhadoras participaram de uma manifestação gigante, que apesar de todo o esforço repressivo, foi capaz de retomar o palco tradicional de suas manifestações e assembleias: o Estádio de Vila Euclides, que havia sido fechado pelo governo.

Quando as greves de Chicago e as lutas da II Internacional iniciaram a tradição de luta do Primeiro de Maio, a classe trabalhadora dos primeiros países a se industrializar vivia sob as condições mais terríveis de exploração pelo capital, com jornadas usualmente superiores a doze horas de trabalho e na completa ausência de direitos sociais. Ao longo do século XX, apesar dos fortes contrastes entre as condições da classe trabalhadora nas economias centrais e na periferia capitalista, as oito horas de trabalho e direitos trabalhistas que limitavam dimensões da exploração do trabalho foram conquistados através de muitas lutas.

Vivemos hoje em todo o mundo uma situação de reversão generalizada dessas conquistas. Um relatório de 2015 da OIT estimou em cerca de 201 milhões os desempregados no mundo, 30 milhões a mais que o total no início da nova fase da crise capitalista em 2008. As mais atingidas foram as mulheres. Ocupando cerca de 40% da força de trabalho, respondiam por 73% do déficit de empregos. Além disso, estimava-se em menos de 45% o total de assalariados regulares, sendo quase 60% contratados em empregos temporários ou de tempo parcial. Entre esses trabalhadores precários, as mulheres também são maioria significativa.

No Brasil, segundo o IBGE, os desempregados somaram no último trimestre 12,4% da população ativa, 13,1 milhões de pessoas. Já a taxa de subutilização – desocupados, os subocupados com menos de 40 horas semanais e os que estão disponíveis para trabalhar, mas não conseguem procurar emprego em horário integral por motivos diversos – é de 24,6%, somando 27,9 milhões de pessoas.

Uma pesquisa do IPEA, divulgada recentemente, nos fez saber que em 22,2% dos domicílios brasileiros, nenhum membro desempenha atividade remunerada. A eles se somam 30,1% dos domicílios com renda muito baixa. Pesquisa de uma consultoria britânica informa-nos que quase 40% da renda dos domicílios é oriunda de benefícios pagos pelo governo (pensões, aposentadorias, auxílios, etc.) ou bicos informais, respondendo o salário por apenas 56% dessa renda (os restantes cerca de 4% provém de rendas, como aluguel e outras).

Ou seja, se a situação não for revertida, caminhamos a passos largos para uma condição de precarização mais radical, análoga àquela vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras na época do surgimento do Primeiro de Maio, quase um século e meio atrás.

Por outro lado, não vivemos uma ditadura militar escancarada como a que enfrentaram as massas trabalhadoras nos Primeiros de Maio de 1968 e 1980. Porém, desde o golpe parlamentar de 2016, as garantias democráticas duramente conquistadas pelas lutas da classe trabalhadora vêm sendo corroídas dia a dia, numa espiral reacionária que tende a levar, se não for contraposta pela força coletiva da luta de classes, a um fechamento ainda maior do regime político. Esses vetores, aliás, são faces de uma mesma moeda, pois o recuo das garantias democráticas é componente estratégico do projeto de retirada de direitos sociais e trabalhistas em curso acelerado nos últimos anos. A proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro é o ápice dessa escalada de ataques.

Por isso mesmo, devemos comemorar o fato de o Primeiro de Maio de 2019 ter sido finalmente convocado de forma unitária, na maior parte do país, pelo conjunto das centrais sindicais e frentes de lutas sociais. Após muitos anos em que as maiores centrais vêm promovendo festas despolitizadas e contribuindo para o esvaziamento da tradição de luta dessa data, a convocação de atos unitários é um sinal positivo na direção da unidade na luta necessária para salvaguardar as parcas conquistas democráticas tão atacadas ultimamente e para avançar na direção da frente única contra a reforma da previdência e os ataques do governo Bolsonaro em geral.

Por isso mesmo, chamamos à mais ampla participação nos atos unitários do Primeiro de Maio, como momento importante do calendário de lutas contra a reforma da previdência, as privatizações generalizadas e a agenda de destruição de direitos do governo. A ele se seguirão outros momentos importantes, como o dia nacional de lutas dos trabalhadores e trabalhadoras da Educação, em 15 de maio. Que este Primeiro de Maio seja também um ponto de partida para o desafio maior de construção de uma greve geral, instrumento de luta fundamental nesta conjuntura para que a classe trabalhadora, mobilizada em outro patamar, possa voltar a incidir decisivamente na realidade política nacional.

À beira do cadafalso, no momento de sua execução por enforcamento, August Spies, um dos mártires de Chicago, declarou em 1887: “Virá o tempo quando o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangulam hoje.” Cabe a nós rememorar e reconstruir esse poder, pois as forças do capital, hoje como ontem, continuam a estrangular-nos.