Após o segundo turno das eleições, ao comentar numa rede social o posicionamento de Bolsonaro, que mandava os alunos gravarem seus professores, um sujeito escreveu no meu post: “Tá com medo do quê, (…) vai acabar a doutrinação né?”. Fui à sua página e vi que era um típico “cidadão de bem”: homem branco, microempresário, com família a estampar sua foto do perfil. Esses dias, ao divulgar um evento sobre o golpe de 1964, outro sujeito veio à minha página, fez diversas provocações e disse ser um “simples cidadão brasileiro que ajuda com os impostos a sustentar as universidades federais”, e que espera que Bolsonaro “cumpra as promessas de campanha e faça uma verdadeira limpeza em nossas universidades”.
Nos últimos anos, na medida em que a temperatura política subiu, pessoas comuns resolveram tomar para si a tarefa pela qual investiram nas eleições. Animadas por fortes doses de anticomunismo e anti-intelectualismo, hordas de ressentidos têm sido mobilizadas por Bolsonaro e pelo seu guru, Olavo de Carvalho, para atacarem desafetos, opositores e até membros do próprio governo. Sobre o astrólogo morador da Virgínia, essa espécie de Rasputim tropical que sequer concluiu o ensino fundamental, mas vende milhões de livros e tem uma legião de seguidores, basta uma rápida visita à sua página para entender de onde partem as ideias que animam o ressentimento e estimulam a violência verbal contra intelectuais e professores universitários.
O ressentimento olavista tem fundamento. Ignorado por décadas nas universidades, Olavo de Carvalho tem motivos para odiar intelectuais, especialmente os que trabalham em instituições públicas, onde se ingressa através de concorridos concursos, com exigência de doutorado, chamada pelo guru dos Bolsonaro de “merda assinada”. Além das aulas de ministram, professores universitários são responsáveis pela quase totalidade das pesquisas feitas no Brasil, produzindo ciência de relevância e impacto, como atestado por medidores sérios.
A jornalista Eliane Brum caracterizou a vitória de Bolsonaro, a quem chamou de “homem comum”, como “a revanche dos ressentidos”. Em 1961, ao acompanhar o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt anotou que muitos seguidores de Hitler não eram pervertidos nem sádicos, mas gente medíocre que cumpria ordens, mas que era essa normalidade “muito mais apavorante que todas as atrocidades juntas”, visto que muitos não eram capazes de discernir que estavam agindo de modo errado.
O fato de um homem comum ter chegado ao poder movido por ressentimento pessoal e de seu guru, além do de milhões de brasileiros, é algo suficientemente preocupante num país tomado pela violência, pelo desemprego e com poucas perspectivas. O acúmulo de frustrações é combustível para o mal da gente comum, o mal vil e banal, capaz de destruir a humanidade.
Coluna publicada no jornal A Tarde, da Bahia, em 26/04/2019
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