Nos últimos dias, intensificou-se o conflito entre Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – Dias Toffoli, presidente da Corte, e Alexandre de Moraes – com integrantes do Ministério Público, membros da Lava Jato, meios de comunicação e lideranças da extrema-direita.
Por meio de um inquérito do próprio STF, aberto recentemente para apurar supostas notícias falsas contra Ministros do Supremo – as chamadas “fakes news” –, entendidas como ataques ao próprio Supremo e à ordem democrática, Alexandre Moraes determinou que a revista eletrônica “Crusoé” e o site de notícias “O Antagonista”, veículos vinculados a ideias de extrema-direita na internet, retirassem conteúdos dirigidos contra Dias Toffoli.
As matérias relatavam parte das delações premiadas de executivos da Odebrecht que vinculava Toffoli a negócios da empresa, quando ele era ainda Advogado Geral da União, no segundo governo de Lula.
O apelido de “amigo do amigo do meu pai”, segundo as matérias, estariam sendo atribuídos a Toffoli pelas investigações da Operação Lava-Jato. O atual Presidente do STF era, naquele momento, muito próximo do PT, de seus governos e do ex-presidente Lula. Não por acaso foi indicado pelo ex-presidente, primeiro, para a Advocacia Geral da União e, depois, para o próprio STF.
A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, que anteriormente concordou com a abertura do inquérito no STF, agora mudou sua posição, defendendo o arquivamento imediato dele. Segundo ela, não caberia ao STF o papel de acusar, investigar e também julgar. Assim, os ministros estariam indo além de suas atribuições constitucionais. Desconsiderando a decisão da Procuradora Geral da República, reconhecidamente alinhada à Lava Jato, Alexandre Moraes negou o pedido de arquivamento.
Um dos alvos da operação da Polícia Federal, realizada a mando de Moraes, foi o General da reserva Paulo Chagas, candidato do PRP derrotado na última eleição para o Governo do Distrito Federal. Ele já chegou a defender um “tribunal de exceção” para julgar Ministros do STF.
Senadores apoiadores da Lava-Jato, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ameaçam pedir o impeachment de Moraes e Toffoli e defendem a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com um nome inusitado: “CPI da Lava Toga”.
Ontem, Alexandre de Moraes recuou da medida, revogou a proibição da veiculação das matérias sobre Dias Toffoli. E, por outro lado, Toffoli extinguiu a proibição absurda de que a imprensa entrevistasse o ex-presidente Lula, preso político há mais de um ano, em Curitiba.
O que explica todo esse conflito?
Este episódio é mais uma expressão da crise do regime político estabelecido após o fim da ditadura, conhecido como Nova República. De um lado, os grupos da extrema-direita em ascensão (sob a liderança de Jair Bolsonaro), os agentes autoritários da Lava Jato (chefiados por Sérgio Moro) e as forças militares (núcleo central de poder no atual governo). De outro, as representações políticas e institucionais da antiga ordem, com seus partidos, lideranças e agentes.
A ala alinhada à extrema-direita, ainda que haja diferenças de projeto no seu interior, pretende operar, em linhas gerais, uma mudança radical no regime político, instaurando uma nova ordem baseada no autoritarismo e na repressão, na qual as Forças Armadas, o Judiciário, os procuradores e os aparelhos policiais ocupem um papel decisivo. Para tanto, é fundamental eliminar e restringir liberdades democráticas.
O setor vinculado à velha direita, onde se encontram políticos e membros do poder Judiciário, mais ligados aos partidos mais tradicionais, como PSDB, MDB e do chamado Centrão, querem manter de pé o equilíbrio institucional e político da Nova República, ainda que aceitem reformas e medidas autoritárias no regime. Uma das figuras mais proeminentes deste grupo é o também Ministro do STF Gilmar Mendes.
Apesar desse importante enfrentamento, os dois lados defendem a mesma agenda econômica, foram aliados na aplicação do golpe parlamentar que derrubou Dilma e levou à prisão de Lula, defendem as reformas reacionárias de Temer e patrocinam, hoje, a reforma da previdência de Guedes e Bolsonaro.
Portanto, o povo trabalhador, a juventude, os oprimidos e a esquerda socialista não devem se aliar de forma automática a nenhum destes grupos que disputam o poder.
Combater a extrema-direita é prioridade, mas ação autoritária de Moraes só a fortalece
A necessidade de compreendermos o caráter reacionário de ambos os grupos em disputa não deve impedir que tenhamos posições firmes diante dos principais fatos gerados por esta disputa.
É preciso, sim, que haja a devida investigação e punição àqueles setores da extrema-direita que promovem calúnias e ameaças, atentando, desse modo, contra garantias democráticas. Há, de fato, base real no inquérito aberto por Toffoli.
Porém, não podemos concordar que os ministros do STF detenham o poder de serem ao mesmo tempo acusadores, investigadores e juízes. Um perigoso precedente foi aberto neste caso. Tampouco podemos concordar com a medida de censura determinada por Moraes. Esta medida, além de arbitrária, resultou no aposto: deu mais munição às mídias e lideranças de extrema-direita na sua cruzada contra o STF e seus ministros.
Os agentes da Lava Jato que usam e abusam de medidas de exceção, como o uso de delações premiadas sem a necessidade de provas materiais, para condenar um acusado, agora buscam aparecer como “perseguidos”, como defensores “da liberdade de expressão”.
O combate à extrema-direita e aos desmandos da Lava Jato é fundamental. E isso inclui também exigências de investigação e punição legal a todos que caluniam, difamam e conspiram contra as liberdades democráticas. As ações da extrema-direita precisam ser atacadas com rigor, em todos os terrenos. Contudo, não será com o uso de expedientes autoritários, que abrem perigosos precedentes, como quer Toffoli e Moraes, que avançaremos neste combate.
Esquerda socialista deve ter posição independente e apresentar seu projeto de país
Não podemos assistir paralisados a estes conflitos no “andar de cima”. Ao contrário, devemos aproveitá-los para apontar a nossa saída independente. Defender uma mudança profunda no regime político brasileiro.
Nosso papel é apresentar a perspectiva de construção de um novo país, governado efetivamente pelos trabalhadores e pela maioria do povo, sem nenhum compromisso com os interesses mesquinhos de grandes empresários, latifundiários e banqueiros.
As mudanças que a política precisa – para realmente incorporar a maioria da população nas decisões sobre os destinos do país – nunca serão defendidas por Procuradores da Lava Jato, Ministros do STF ou políticos dos partidos da velha direita, da extrema-direita ou que defendem o atual regime político em decomposição.
Tampouco existe algo verdadeiro no discurso farsante da tal “nova política” defendida pelo projeto de extrema-direita de Bolsonaro.
Nossa saída deve ser pela esquerda. Ao lado de medidas econômicas que combatam para valer os privilégios e os lucros astronômicos das grandes empresas e bancos, defendemos uma ampliação qualitativa dos espaços democráticos para a participação efetiva do povo trabalhador, da juventude e dos oprimidos na vida política brasileira.
Defendemos a adoção de mecanismos de democracia direta. Como a realização de plebiscitos e referendos para que as principais pautas em discussão no Congresso Nacional, pelos diversos governos e no Poder Judiciário sejam definidas diretamente pelo voto da maioria do povo.
Buscamos de forma permanente a mobilização e a organização dos trabalhadores e da maioria da população, para que possam interferir diretamente nas principais decisões políticas do país.
Nossa proposta é que exista revogabilidade para os mandatos dos parlamentares, governantes e juízes. E o fim dos altos salários e dos privilégios de todos eles. Que todos os políticos e juízes ganhem um salário equivalente a de um (a) professor (a).
Portanto, defendemos mudanças profundas, no sentido de atender as reivindicações dos trabalhadores. Pois, sem elas, o regime político brasileiro continuará a serviço dos ricos e poderosos.
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