30 anos do Desastre de Hillsborough: A tragédia que mudou o futebol

Diogo Xavier

No dia 15 de abril de 1989, Nottingham Forest e Liverpool se enfrentariam pela semifinal da FA Cup no estádio Sheffield Wednesday, no entanto aquela tarde foi marcada por uma das maiores tragédias do futebol. Aquela data iniciou um processo de mudanças na forma como os torcedores passaram a ser tratados nas praças esportivas.

Perto da hora do jogo, a torcida do Liverpool foi lotando o espaço que lhe era reservado e ainda havia uma multidão do lado de fora para entrar, o que foi causando uma superlotação. Sem rota de fuga, arrebentaram o portão para dentro do campo, mas nesse momento a quantidade de torcedores já era muito grande. O tumulto acabou gerando um pisoteamento de muitas pessoas e não chegou socorro para os feridos, o que agravou a situação. Muitos torcedores foram puxados pro anel superior para escapar do tumulto até que um dos muros caiu e causou a morte de muitos deles. As consequências dessa tragédia causam impacto até hoje no futebol inglês. Nesse dia, foram 96 mortos e 766 feridos.

Assim que aconteceu o desastre, a primeira ministra do Reino Unido, Margareth Tatcher, e os jornais ingleses (com um destaque especial pro The Sun, que ainda hoje é proibido de entrar no Anfield Road, estádio do Liverpool) começaram a culpabilizar as vítimas pelo ocorrido. Alegaram que aquele incidente havia sido culpa dos torcedores que estavam alcoolizados e provocaram o tumulto. Essa versão foi espalhada por diversos canais, que mostravam imagens falsas e não davam espaço para que torcedores contassem o que haviam vivido naquele dia. O resultado disso foi o Relatório Taylor.

 

Os meses seguintes foram palco de um grande debate sobre a presença dos torcedores nas arquibancadas e gerou o famoso Relatório Taylor, posteriormente servindo de base para muitos países. Este relatório estabelecia regras como: Todos os torcedores deveriam ficar sentados, estádios com capacidades menores e proibição de venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Esse relatório é a base da arenização que se intensificou a partir dos anos 2000 e atinge hoje a maior parte das ligas do mundo. Esse processo serviu para expulsar as camadas mais pobres dos estádios de futebol, fazendo com que só a elite pudesse usufruir do evento.

O papel da Dama de Ferro nesse contexto é crucial para criminalizar os torcedores mais pobres e impor uma cultura elitista do futebol. Essas marcas estão presentes até hoje e a torcida do Liverpool cantava no estádio que festejariam o dia de sua morte. Assim o fizeram quando ela faleceu em 2013. As cidades operárias foram berço do estabelecimento do futebol como esporte nacional e eram também um local de resistência às medidas autoritárias impostas no auge do neoliberalismo. A utilização da morte de 96 pessoas serviu aos interesses espúrios da elite britânica, capitaneado por Tatcher, que usou o poder público para fraudar os relatos do ocorrido naquele 15 de abril e impor suas medidas elitistas nos estádios ingleses.

Passados 30 anos, os 96 mortos ainda ressoam em Liverpool e os mortos são sempre lembrados, até mesmo pelos rivais. No entanto, as mudanças que se sucederam com o Relatório Taylor ainda são sentidas no futebol local, que presencia estádios lotados, mas extremamente calados e frios mesmo diante de grandes jogos. O ataque à cultura torcedora foi implementado com ferro e fogo na Inglaterra e se difundiu pelo resto do mundo, vendido como a forma de acabar com a violência no futebol quando, na verdade, a violência permanece e as elites tomaram só pra si os estádios de futebol.