Afinal, para que servem as candidaturas laranjas?

Iza Lourença, de Belo Horizonte, MG

Parlamentares do PSOL protestam após denúncias de ‘laranjas’ no PSL

Muitas vezes, quando tratamos o tema do laranjal do PSL, protagonizado aqui em MG pelo Deputado Federal e Ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, não discutimos exatamente o que é, por que acontecem e qual o objetivo dessas candidaturas laranjas. Aponto aqui três fatores que, no meu entender, contribuíram muito para que o tema das candidaturas laranjas de mulheres tomassem tamanha projeção nesse momento.

Em 2009 foi aprovada a Lei 12.034: “Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. A primeira coisa que chama a atenção na redação é de que a popularmente conhecida “cota de mulheres”, na verdade é uma lei de cota de gênero. Só a absoluta hegemonia masculina no meio político brasileiro explica essa confusão. Não deve ter havido, dez anos após a aprovação da lei, um caso sequer no qual a cota de homens ficou abaixo dos 30%. Ao mesmo tempo, houve inúmeros casos nos quais as chapas das coligações não atingiram o índice de trinta por cento para mulheres. Muitas vezes quando o fizeram, foi com o acréscimo de candidatas laranjas. Ou seja, mulheres eram inscritas para concorrer a eleição para que a coligação alcançasse os 30%, mas suas candidaturas não eram efetivas.

Após o veto do STF às doações diretas de empresas para campanhas eleitorais, medida que gerou preocupação entre megaempresários, deputados e senadores, o Congresso Nacional criou o chamado fundo eleitoral[1]. A justiça eleitoral, no entanto, exige que ao menos 30 por cento do montante recebido pelos partidos fosse destinado às candidaturas de mulheres. Juntando na mesma sala o machismo arraigado na sociedade brasileira, os políticos tradicionais e grandes cifras em dinheiro, você vai encontrar toda a criatividade da velha política para reinventar novos trambiques.

Mesmo tendo apresentado esses dois poderosos fatores, acredito que há relação entre o fato do tema tomar grande proporção midiática, com as lutas das feministas. Há uma ampliação indiscutível da luta das mulheres pelo direito de serem representadas nos espaços de poder em particular, aliada com um importante crescimento da legitimidade de tal demanda em geral. Não fosse a força que o feminismo em suas diversas vertentes vem ganhando no Brasil e no mundo, possivelmente estaríamos diante de mais um pequeno e passageiro caso de corrupção e de maquiagem financeira.

Marcelo Álvaro Antônio é acusado de fazer parte do seguinte esquema: quando era presidente do PSL-MG, em 2018, pediu o valor de 279 mil reais, provenientes dos 30% reservados para as candidaturas femininas, para a candidatura de quatro mulheres. As suspeitas começaram por que, apesar da cifra, as quatro candidaturas juntas alcançaram apenas 2 mil votos. A denúncia é de que ao menos 85 mil reais foram repassados a empresas ligadas a assessores do Ministro. O PSL, um partido que abriga inúmeros parlamentares abertamente machistas, que odeiam as feministas, que são contra medidas afirmativas como as cotas raciais, teriam algum respeito pela chamada “cota de mulheres”? Cada um que tire suas próprias conclusões.

Esse caso tomou um contorno ainda mais dramático nos últimos dias, quando a Deputada eleita pelo PSL-MG, Alê Silva, relatou à imprensa e à Polícia Federal, que foi ameaçada de morte por Álvaro Antônio, em uma reunião com correligionários. Essa prática, além de machista e criminosa, significa a naturalização do gangsterismo na política. Como pode um homem como esse ainda ser Ministro do país? Os indícios sobre as candidaturas laranjas são bastante evidentes. A prática de intimidação, típica de grupos criminosos, não foi somente levantada pela deputada Alê Silva: uma das denunciantes do Laranjal do PSL-MG, afirma que um assessor do Ministro colocou uma arma sobre a mesa quando estavam reunidos.

Com todas as diferenças que tenho com a deputada, já que essa faz parte de um partido de extrema direita, abertamente machista e que faz cotidiana apologia a violência, me solidarizo prontamente com ela. O PSOL vai acionar a secretaria da mulher da Câmara para ajudar a garantir a integridade física de Congressista Alê Silva.

A prática de criação de candidaturas laranjas para desviar verbas do fundo eleitoral, além de ilegal, é um desrespeito com o povo mineiro de conjunto e com as mulheres em especial. Marcelo Álvaro Antônio deve ser afastado imediatamente de seu cargo, até a conclusão do inquérito policial. Estamos diante de mais um gravíssimo episódio protagonizado pelo governo Bolsonaro.

[1]    O fundo eleitoral destinado às eleições gerais de 2018 foi de 1.716.209.431,00 reais.