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MUNDO

Não à prisão de Julian Assange. Liberdade para quem denuncia os segredos do capitalismo

Flavio Rufer*, de Lisboa, Portugal
Reprodução

Momento em que Assange é levado da embaixada do Equador em Londres

Assange nasceu em 1971, em Queensland, na Austrália. Estudou física e matemática na Universidade de Melbourne e, em 2006, fundou a WikiLeaks, uma organização que, com o apoio de ativistas, conseguiu ter acesso a milhares de documentos institucionais secretos, que posteriormente tornou públicos.

Em novembro de 2010, a WikiLeaks publicou mais de 250 mil documentos diplomáticos secretos do Departamento de Estado dos EUA – datados de Dezembro de 1966 a Fevereiro de 2010. Entre eles encontrava-se uma série de documentação secreta sobre a intervenção dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Hoje, sabe-se que esta intervenção militar imperialista não passou de uma farsa para o fortalecimento de posições militares, econômicas e financeiras dos EUA e seus aliados no Médio Oriente, uma das maiores fontes mundiais de petróleo.

Na sequência das denúncias feitas através da WikiLeaks, Assange é perseguido pelos EUA e seus aliados e, em 2012, o Equador concede-lhe asilo político, na sua embaixada do Reino Unido, local onde permaneceu até esta quinta-feira (11 de Abril). As tentativas para calá-lo foram várias e chegaram a passar por denúncias de assédio sexual, junto da Justiça sueca. Assange nunca chegou a ser acusado pelos crimes de assédio sexual e a Suécia deixou a investigação cair no esquecimento.

Durante o tempo que passou na embaixada equatoriana, e enquanto o Equador não o impediu, Assange, com uma saúde cada vez mais debilitada pela falta de sol e de exercício físico, continuou comprometido com a difusão de informações secretas de Estados e grandes empresas mundiais.

A confidencialidade e o sigilo de informações são inimigos de uma verdadeira democracia. Os aparelhos de Estado, os seus sucessivos governos, os grandes grupos econômicos e financeiros servem-se do sigilo para defender os seus privilégios, lucros e benefícios, em detrimento dos direitos do povo que vive do seu trabalho. O sigilo afasta o público, daquilo que ao interesse público diz respeito.

Hoje, conhecemos que o sigilo na atuação de Estados e grupos econômicos é inimigo da liberdade do povo. Recordemos a intervenção e influência da CIA na deposição do Governo chileno de Allende, em 1973, vítima de um golpe de estado orquestrado entre os EUA, a cúpula das Forças Armadas chilenas, assim como organizações nacionalistas de extrema-direita. A CIA cumpriu o mesmo papel no Brasil em 1964. Ou a perseguição e destruição orquestrada, pelos governos e serviços secretos dos EUA, sobre organizações do movimento negro americano, que se dedicavam à mera defesa dos seus legítimos direitos civis.

Não esqueçamos ainda a perseguição e controle que os governos e serviços secretos dos EUA exerceram sobre todos aqueles que eram considerados seus inimigos, bastando para tal apelidá-los de “comunistas” ou atualmente de “terroristas” ou “mulçumanos”.

A mais evidente farsa do sigilo diplomático e de Estado dos EUA foi a recente intervenção no Iraque e no Afeganistão, gerida e comandada pelos serviços secretos do Governo Bush, no início dos anos 2000.

Todos estes casos de intervenção secreta foram sendo desenvolvidos em função da defesa dos benefícios, privilégios e lucros das elites dos países imperialistas e seus aliados. Não tenhamos dúvidas, a consequência destas ações é a morte de milhares de civis e o desenvolvimento de organizações terroristas e de extrema-direita.

A denúncia pública da intervenção secreta de Estados e Governos faz evidenciar as suas verdadeiras intenções, os seus verdadeiros interesses por trás do sigilo de Estado, assim como os seus principais agentes e personagens.

O “crime” de Assange, ou Snowden, é precisamente revelar a informação secreta que ao interesse público diz respeito. Assange é vítima dos procedimentos e instituições secretas que denuncia, mas estas mesmas instituições e seus responsáveis mantêm-se em liberdade, a governar Estados e grandes empresas. Esta é a promiscuidade do sistema capitalista em que vivemos: quem denunciar os crimes secretos de Estados, Governos e grandes grupos econômicos estarão condenados a uma vida em fuga, à prisão ou à morte.

Charge Latuff

 

Uma verdadeira democracia, com um verdadeiro processo popular de debate e tomada de decisão, não pode tolerar sigilos de Estado. Para o Estado ser governado pela maioria da população tem de ser expurgado das elites que atualmente o dominam e ser submetido ao mais profundo escrutínio público.

Os governos e grandes grupos econômicos e financeiros temem o escrutínio popular porque denunciarão as suas verdadeiras ações e intenções. Imaginemos se o sistema financeiro fosse submetido à observação e controle democrático e sistemático de instituições compostas por representantes dos trabalhadores e da população, democraticamente eleitos. Talvez a crise de 2008 nunca tivesse existido.

Com a democratização da informação poderemos combater a desigualdade social, as oscilações e crises econômicas, as intervenções imperialistas, as guerras, assim como a opressão nas suas mais diversas variantes. No entanto, para isso, é necessário destruir o funcionamento capitalista das nossas sociedades, destronar as elites que nos governam, no sigilo dos seus gabinetes, e substituí-las por instituições verdadeiramente democráticas, com participação dos representantes da maioria da população que vive do seu trabalho.

Neste momento, Assange foi detido e acusado por conspiração para se infiltrar em computadores governamentais dos EUA, com informação confidencial. A acusação alega que, em Março de 2010, Assange se envolveu numa conspiração com Chelsea Manning, uma antiga analista dos serviços de informação no Exército dos EUA, para ajudar Manning a descobrir uma senha em sistemas classificados do Departamento de Justiça dos EUA.

A verdade é que Assange deu um enorme contributo público no que diz respeito a denuncia das atrocidades que o sigilo de Estado é capaz. A final, quem deverá estar preso por milhares de crimes cometidos contra a liberdade e a humanidade? Os governantes e empresários que cometeram tais crimes ou o seu denunciante? Liberdade imediata de Assange!

 

*Flavio Rufer é militante do Movimento Alternativa Socialista (MAS), de Portugal

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Assange / wikileaks