Tradução livre: Equipe Iza Lourença
A imagem no vídeo é forte: uma jovem mulher, sozinha, diante da multidão, entoando músicas da revolução.
Tirada na segunda feira à noite no centro de Khartoum, enquanto dezenas de milhares se amontoavam nas ruas em frente ao fortemente armado complexo de quartéis generais militar, e dos temidos serviços de inteligência, a foto da mulher de branco, com brincos dourados redondos, se tornou um ícone do protesto.
Lana Haroun disse à CNN que ela tirou a foto. “Ela tentava dar esperança e energia positiva a todos, e ela conseguiu”, disse Haroun. “Ela estava representando todas as mulheres e garotas Sudanesas, e ela inspirou todas as mulheres e crianças no protesto. Ela contava a história das mulheres sudanesas… Ela foi perfeita.”
Ela acrescenta: “Nós temos uma voz. Nós podemos falar o que queremos. Nós precisamos de uma vida melhor e precisamos estar em um lugar melhor”. Ela disse, quando viu a foto em seu celular: “Eu pensei imediatamente: essa é a minha revolução e nós somos o futuro”.
Essa mulher de branco virar um símbolo como esse, em um país que vive há muito tempo uma sistemática repressão governamental às mulheres, surpreendeu alguns observadores.
Mas as mulheres cumpriram um papel central nos protestos no Sudão nos últimos meses, com os homens sendo frequentemente minoritários nas multidões que exigem que o presidente Omar Al-Bashir renuncie.
Muitas ativistas mulheres conhecidas foram presas desde a primeira onda de protestos do final do ano passado.
“Esse regime não foi capaz de destruir as mulheres ou a sua habilidade de lutar por mudanças e por liberdade… A resistência e resiliência das mulheres do Sudão superam essa opressão”, diz a Dra. Sara Abdelgalil, chefe da seção britânica da associação de médicos do Sudão, que se mudou para a Inglaterra em 2001, mas continua mantendo contato com lideranças dos protestos.
Um relatório da Human Rights Watch descreve como os serviços de segurança nacional tornaram as mulheres ativistas alvos da repressão. A “polícia da ordem pública” prendeu mulheres e garotas pelas roupas que usavam – como, por exemplo, por usarem calças compridas, mostrarem seus cabelos – ou por, somente, andarem em um carro com membros do sexo oposto. Castigos corporais, como açoitamentos ou apedrejamentos em razão de “crimes contra a moral” – o que inclui o adultério – vêm sendo aplicados de forma desproporcional em mulheres e garotas, diz o grupo.
Existe uma longa tradição de mulheres na vanguarda das manifestações durante as ondas de instabilidade no Sudão. Um observador do Sudão diz que a jovem anônima, cuja imagem “viralizou”, estava usando “as roupas usadas por nossas mães e avós nos anos 60, 70 e 80… quando elas marchavam pelas ruas, se manifestando contra ditaduras militares passadas”.
O Sudão adotou a lei islâmica em 1983, mas só a implementou desordenadamente.
Sob o governo de Under Bashir, que chegou ao poder com o auxílio dos islâmicos em 1989, algumas regras foram reforçadas. De acordo com as organizações não governamentais do Sudão, aproximadamente 15.000 mulheres foram sentenciadas ao açoitamento em 2016.
Os protestos começaram em dezembro, quando o governo triplicou o preço do pão, e se espalharam rapidamente. Jehanne Henry, que trabalha na ONG Internacional Human Rights Watch, no Sudão, diz que as mulheres cumpriram um papel histórico significante no ativismo político do país, acrescentando que é difícil afirmar se elas são mais importantes nos protestos atuais do que nos do passado.
“Para muitas mulheres esse regime é sinônimo de todo o tipo de repressão… Não é surpreendente que elas vejam isso como uma oportunidade de mudar as coisas que importam para elas”, disse ela.
Uma diferença com as manifestações anteriores é o papel das mídias sociais na organização e na propagação das imagens dos protestos. Isso tem comumente dado destaque ao papel das mulheres, que foram agredidas, alvejadas com gás e atacadas. O mesmo aconteceu com o trabalho da ilustradora Alaa Satir, que tem retratado grupos de protestos de mulheres sob o slogan “nós somos a revolução”.
Nemat Malik, uma enfermeira e professora universitária em Khartoum, de 80 anos, disse estar satisfeita de ver tantas mulheres – especialmente estudantes – participando.
“Esse regime faz uso de muita intimidação e opressão, especialmente contra as mulheres. As mulheres sofreram muito. Eles olham para como você se veste e podem te chicotear. É por isso que devemos estar muito interessadas em derrubar esse regime.” disse ela.
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