EUA: Trump volta à carga com divulgação de relatório que o inocenta

Mario Conte, de Blumenau, SC
Wikimedia

O tão esperado relatório do promotor especial Robert S. Mueller foi concluído. Durante 22 meses ocorreram investigações sobre o envolvimento do presidente dos EUA, Donald Trump, na intervenção russa nas eleições dos EUA, e também se o presidente tentou obstruir a justiça. O caso foi batizado pela imprensa como “Trama Russa”, após a comprovação de que a intervenção de empresas e cidadãos russos nas eleições através de propaganda em redes sociais ajudou a definir os resultados, dando a vitória a Trump. Já foi amplamente divulgado em toda a imprensa que apenas no Facebook e Instagram foram realizados cerca de 3.500 anúncios com o objetivo de afetar o resultado eleitoral nos EUA, cada um deles com diferentes alcances de público, todos patrocinados por cidadãos ou empresas russas, através de perfis falsos.

O próprio presidente Trump admitiu, em meados do ano passado, que houve interferência russa nas eleições. Depois voltou atrás e negou essa possibilidade. Embora reconhecesse a intervenção russa, insistia em não ter qualquer envolvimento seu ou de sua família e de assessores no caso. Demonstrando que a melhor defesa é o ataque, tentou desacreditar Mueller e suas investigações publicamente, qualificando-os como “caça as bruxas”. Alegava que tudo não passava de perseguição política para inviabilizar seu governo e desacreditá-lo no cenário internacional.

As recentes condenações judiciais de duas pessoas muito próximas de Trump, o seu ex-advogado, Michael Cohen e também de seu ex-chefe de campanha, Paul Manafort, criavam um cenário desfavorável a ele. Desde a renovação da Câmara dos deputados, a maioria democrata fala em abrir um processo de impeachment. No início deste ano, pesquisas indicavam que o impeachment tinha apoio de 45% dos norte-americanos e 64% acreditava que ele havia cometido algum crime antes de chegar à Casa Branca. Para entender o peso de tal apoio popular, o presidente Richard Nixon, que renunciou em 1974, tina então 43% dos norte-americanos favoráveis ao seu impeachment.

A líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi, foi muito mais cautelosa que os recém eleitos deputados. Pelo rito formal, um impeachment pode ser instalado por maioria simples da Câmara de Deputados, onde os democratas têm maioria absoluta. Mas para afastar o presidente em definitivo, são necessários dois terços dos votos do senado, onde o partido republicano de Trump tem a maioria. Pelosi sabe que dificilmente os republicanos descartariam seu presidente, por isso afirmou em entrevista ao jornal The Washington Post: “Não sou favorável ao impeachment, a não ser que exista algo tão convincente e impactante para os dois partidos, não acho que devamos seguir esse caminho, porque divide o país.”

O Resultado do relatório

O relatório de Mueller resultou em cerca de noventa páginas, nas quais o promotor especial inocenta Trump da acusação de conluio com os russos. A intervenção russa estaria fortemente documentada no relatório, mas não foram encontradas provas de qualquer envolvimento direto ou indireto de Trump nelas.

Se o relatório inocenta Trump de conspiração com a Rússia, é inconclusivo sobre a acusação de obstrução da justiça. Mueller declarou que coletou provas relatadas e que outro deveria concluir se houve ou não obstrução. Coube ao promotor geral, William Barr essa decisão. O relatório de Mueler foi lido apenas por ele, apesar da Câmara de Representantes (deputados) ter votado por 420 votos contra zero a favor de uma resolução solicitando que Barr torne o conteúdo do relatório público. Barr apresentou um resumo de apenas quatro páginas onde conclui que tampouco houve crime de obstrução de justiça. Uma vez que Barr foi nomeado pelo próprio Trump, suspeita-se de sua isenção na tomada de decisão e dos reais motivos pelos quais o relatório de Mueller permanece secreto.

É importante lembrar que o relatório Mueller tratava de apenas uma entre dezoito investigações envolvendo Trump diretamente ou pessoas muito próximas a ele politicamente. Os deputados democratas vêm nesse volume de suspeitas e acusações condições para prosseguir nas investigações e, se não conseguirem o impeachment, ao menos tentam desgastar a imagem de Trum para as próximas eleições presidenciais, que ocorrerão em 2020.

Mas o fato é que pesquisas feitas após a divulgação do relatório de Barr, inocentando Trump, impactaram a opinião pública, e o eleitorado de Trump passou a crer na possibilidade de que as investigações não passam de perseguição política.

Trump imediatamente passou à ofensiva e ainda que parabenizasse publicamente Mueller por seu relatório isento, também declarou que o governo seguia prejudicado e paralisado, e que agora que sua inocência estava confirmada (segundo ele próprio, cabe ressalvar) é necessário permitir que ele governe o país.

A situação segue ainda indefinida, com os democratas buscando a revelação de todo o conteúdo do relatório de Mueller. Para isso apostam nas dezessete acusações restantes, inclusive a de financiamento ilegal de campanha, originada em depoimento de Michael Cohen ao assumir que pagou duas mulheres, que tiveram casos extraconjugais com Trump, para que não revelassem isso durante a campanha eleitoral. Trump se defendeu mais uma vez atacando, alegando que realizou o pagamento com dinheiro pessoal e que, portanto não se tratava de verba de campanha. Ainda fez uso do fato de que o acordo entre a promotoria e Cohen foi suspenso pelos promotores, após estes concluírem que o advogado mentiu reiteradamente a eles. Trump faz uso do fato de Cohen ter mentido em diversas declarações para desacreditar todo e qualquer depoimento que possa prejudicá-lo.

Depois da tempestade vem a bonança?

Ainda que o lance final não tenha ocorrido, Trump não se encontra tão acuado como antes e sua elevação de retórica indica um clima de pré-campanha.

Trump é indubitavelmente o portador de uma proposta de reorganização global e reestruturação das relações políticas e econômicas, onde o multilateralismo fique enterrado e o nacionalismo e fechamento de fronteiras torne-se o eixo político do imperialismo.

Em um cenário defensivo para a classe trabalhadora em todo o mundo, figuras populistas com fórmulas simplistas ganham popularidade.

A alternativa real para o povo trabalhador norte-americano é a construção de um partido independente e de massas, que se oponha às políticas tanto dos republicanos quanto dos democratas. Mas essa não é uma tarefa simples e tampouco linear. Ela pode se desenvolver a partir do crescimento de uma ala esquerda e reformista do próprio partido democrata, como o ascenso do DSA, e do protagonismo que vêm ganhando  os candidatos e principalmente as candidatas jovens, sem compromisso total com a agenda imperialista dos dois partidos.

Esse início de reorganização política do país, em uma conjuntura repleta de contradições e constantes ataques da burguesia americana aos trabalhadores e seus direitos é o pano de fundo de uma maré tempestuosa, à qual os trabalhadores terão que enfrentar com embarcações ainda precárias.

A classe trabalhadora deve confiar apenas em seus métodos de auto-organização independente, sem confiança no executivo ou no legislativo burguês, para que o enredo político não se assemelhe a uma tragédia de intrigas palacianas e manobras da cúpula política. Apenas com a construção do seu partido independente, que dê conta da organização para além do nível puramente econômico e sindical, é que as tarefas políticas do país poderão se colocar, gradualmente e com muitas disputas, nas mãos do trabalhador norte-americano.