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MUNDO

A visita de Bolsonaro a Israel: entre o fundamentalismo religioso e o alinhamento reacionário

A visita de quatro dias de Jair Bolsonaro a Israel foi repleta de polêmicas e confusões. Foi também uma viagem repleta de simbolismos, aspectos religiosos e que marca uma nova postura na política externa brasileira. Também não anunciou a embaixada em Jerusalém, tão alardeada pelo presidente.

Gabriel Santos, de Maceió, AL
Alan Santos/PR

Bolsonaro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu

Bolsonaro visitou locais históricos de Jerusalém, como o Museu do Holocausto, o Muro das Lamentações, e encontrou com cerca de 200 empresários brasileiros e israelenses. É importante também observar as ausências dos locais visitados por Bolsonaro, ele não passou por nenhuma cidade palestina, diferentemente do que ocorreu em 2010, quando o ex-presidente Lula visitou o país.

O fato de Bolsonaro ter ido ao Muro das Lamentações com o primeiro-ministro israelense Netanyahu, demonstra um reconhecimento por parte do governo brasileiro da soberania do Estado sionista sobre Jerusalém Oriental. A cidade é considerada pela comunidade internacional como um território ocupado ilegalmente por Israel. O Estado brasileiro se desloca também no campo do conflito entre Palestina e Israel, saindo da posição histórica que ocupou, de buscar uma negociação pacífica e do reconhecimento de ambos os Estados, para uma posição de um nítido alinhamento com Israel. Algo delicado.

Essa movimentação do governo Bolsonaro pode gerar um grave problema para a balança comercial brasileira. Os países árabes e de maioria muçulmana são grande aliados comerciais do Brasil. Em 2018 as trocas com estes países somaram US$ 22,9 bilhões, segundo o Ministério da Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A balança é bastante favorável ao Brasil, com US$ 8,8 bilhões.

O nosso país é também o maior produtor de carne halal do mundo, que segue as regras de abate da lei islâmica, e tem um mercado consumidor de 1,8 bilhões de pessoas.

Por outro lado, o comércio com Israel é no mínimo modesto, para não dizer irrelevante. As trocas com o Estado sionista não chega a 1% do comércio exterior brasileiro, e tivemos um déficit de US$ 847,8 milhões no ano passado.

O governo afirmou que a visita de Bolsonaro serviu para aproximar em diversas esferas, o Brasil de Israel. Apesar de terem sido divulgados pouquíssimos detalhes sobre os efeitos práticos dessa visita e dessa aproximação.

Porém, o Itamaraty, afirma que vários instrumentos bilaterais de cooperação em campos como ciência e tecnologia, saúde, defesa nacional, segurança pública, aviação civil, energia e segurança cibernética foram feitos. Além de Israel apoiar a entrada do Brasil na OCDE (Organismo para Cooperação do Desenvolvimento Econômico).

A visita de Bolsonaro ocorreu em um momento que antecedeu as eleições parlamentares israelenses. E o primeiro ministro Netanyahu, atolado em escândalos de corrupção e problemas internos no governo, utilizou para mostrar que não está isolado no terreno das relações internacionais, enquanto aumentou a repressão e o massacre ao povo e a resistência palestina, sendo criticado por isto. Dessa forma a visita e as relações amistosas de Bolsonaro com Bibi Netanyahu, foram criticadas pela oposição israelense.

Durante a campanha presidencial, Bolsonaro, teve como uma de suas promessas de campanha a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Se juntando a Estados Unidos e Guatemala como os únicos países que fizeram tal ato, e indo no caminho contrário das recomendações da ONU e organismos multilaterais.

Essa possível medida de Bolsonaro serve para além de mostrar um alinhamento direto com o governo norte-americano, para satisfazer uma base evangélica fundamentalista. Porém, essa medida encontra posição contrária dentro do próprio governo. Os militares e em especial o setor agropecuário se colocaram contrários à mesma, sabendo do impacto que ela poderia causar na economia, justamente por abalar as relações com países árabes.

Diante da expectativa que essa mudança da embaixada fosse feita ainda nesta viagem, Bolsonaro apontou que seria um passo muito grande, e que ela iria ocorrer, mas não agora. Então anunciou a criação de um escritório de negócios em Jerusalém, que não tem status diplomático, para promover o comércio, investimento e intercâmbio entre os dois países.

Pelo twitter o pastor e deputado federal Marcos Feliciano já pressionou o governo; “respeito à abertura do escritório, porém o segmento evangélico, ⅓ do eleitorado brasileiro, que deu uma vantagem de 11 milhões de votos ao presidente Jair Bolsonaro, garantindo sua eleição, confia que ele cumprirá sua palavra, e em breve mudará a embaixada brasileira para Jerusalém”, postou.

O não anúncio da embaixada, tanto alardeada por Bolsonaro, acabou gerando um certo desconforto entre Tel Aviv e o governo brasileiro, assim como este último e Washington. A descuidada promessa de Bolsonaro de mudar a embaixada, sem avaliar suas consequências e seus riscos, vai gerar e já gera problemas. Sejam econômicos e políticos, como uma retaliação dos mercados árabes e a perda do potencial do Brasil nos organismos internacionais. A abertura do escritório comercial acaba por frustrar a base evangélica fundamentalista, assim como Trump e Netanyahu. Na vontade de se alinhar a Trump e de ceder aos seus desejos e ideologias religiosas, os impulsos de Bolsonaro vão ter sérios custos políticos.

Bolsonaro, os fundamentalistas evangélicos e a fixação por Israel

Ao longo de toda a campanha eleitoral de Bolsonaro, em seus comícios pelo Brasil, era comum ao lado da bandeira verde amarela, serem vistas tanto a bandeira dos Estados Unidos, quanto a bandeira do Estado de Israel. Antes mesmo das eleições, durante os atos de ruas reacionários que antecederam o Golpe, era possível ver a combinação destas três bandeiras sendo erguidas por manifestantes. A bandeira de Israel também se faz muito presente na conhecida Marcha para Jesus.

A sua moda, distintos grupos que representam o crescimento desta nova onda conservadora, incorporaram cada qual a sua maneira, símbolos vindos do sionismo, e do Estado de Israel, e passam a tratá-los como seus.  Erguem as bandeiras de Israel ou dos Estados Unidos como uma nítida diferenciação ideológica com o campo da esquerda, que tem na bandeira antiimperialista e da causa Palestina como um de seus pilares.

A aproximação destes grupos conservadores de Israel tem também a ver com a teologia apocalíptica pentecostal, que enxerga que a volta de Cristo depende do comprimento de uma série de profecias, entre elas o retorno dos judeus a terra sagrada. Dessa forma, muitos líderes religiosos, assim como políticos que fazem parte da bancada evangélica, são favoráveis ao controle de Israel sob a Palestina, e ao ato político da mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. Além de toda perspectiva teológica que cerca o Estado de Israel, grupos conservadores, passaram a exaltar o Estado sionista como sendo o defensor da civilização no meio de um deserto de barbárie. Os malvados árabes, inimigos do ocidente, cerca Israel, que resiste e sobrevive.

Podemos dizer que a maior parte da comunidade evangélica brasileira, um terço do eleitorado, deseja a mudança da embaixada para Jerusalém, mas não por motivos econômicos ou geopoliticos, mas sim por razões puramente religiosas. Como falamos acima, para os cristãos adeptos do dispensacionalismo, o retorno dos judeus e estabelecimento destes na Terra Santa, é necessária para a volta de Jesus.

De forma individual, não existe nenhum problema nesta crença religiosa, o problema é quando ela passa a ser usada como política, e incentivada por meio de pastores e líderes fundamentalistas e conservadores.

Bolsonaro parece também acreditar nessa teoria, e dessa forma morre de amores por Israel, dizendo que com a viagem, o país sionista e o Brasil, estavam entrando em uma espécie de noivado. O capitão da reserva disse também que: “É motivo de muito orgulho para mim e para o povo de meu país o papel que nosso chanceler Oswald Aranha desempenhou na criação do nosso Estado de Israel. Eu disse nosso”. Afirmou ao lado de Netanyahu, em referência a Oswald Aranha que presidiu a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947, que aprovou a Resolução 181, abrindo caminho para a colonização da Palestina pelos sionistas e criação do Estado de Israel no ano seguinte.

Bolsonaro, Ernesto Araújo, os olavistas do governo e os pastores fundamentalistas evangélicos, sonham e tentam fazer a Jerusalém da Bíblia ser real. Colocam aquilo que assistem nas telenovelas da Record como um desejo político a ser alcançado. Imaginam um templo religioso no lugar de uma embaixada, ou querem transformar a embaixada em um templo religioso. Criam em seu ideário um judeu do passado, com ritos e tradições do velho testamento. Criam uma Jerusalém que não existe, e pior, uma Jerusalém que acreditam que pode ser quando Cristo supostamente voltar. E dessa forma podem jogar no lixo, em nome de suas crenças e ideologias fanáticas chances de comércio e um importante peso político de nosso país.

O grupo antiglobalista do governo crê e tem fé, que a aproximação entre o Brasil e o Estado de Israel, não seria necessária por parte dos interesses econômicos ou políticos. O alinhamento precipitado de Bolsonaro com Netanyahu, como dois aspectos do crescimento da extrema-direita global é importante, apesar do atual primeiro ministro correr um grande risco de sair do cargo após as eleições desta terça que aconteceram no país, e deram vitória a Netanyahu.

O alinhamento Brasil-Israel, seria, para estes antiglobalistas que também devem acreditar na terra plana, parte de uma etapa teológica do retorno de Jesus. Estes veem em Israel a última fortaleza judaica-cristã, que combate os bárbaros e os não-civilizados. A Israel imaginária criada por estes, é aquela que lidera uma luta do bem contra o mal, de bondosos pastores e donos de ovelha contra cruéis terroristas.

Poderíamos dizer que a viagem de Bolsonaro a Israel foi conduzida por uma equipe que estava em puro estado de lisergia. Misturado antiglobalismo, com a defesa da civilização judaico-cristão e do ocidente, que estariam estão ameaçados sabe-se lá pelo que, e colocam na panela junto com um fundamentalismo evangélico que aguarda incansavelmente a volta de Cristo. Algo que nem mesmo Gabriel Gárcia Márquez conseguiria escrever.

O presidente das fake news, visitou uma exposição no Museu do Holocausto de Jerusalém em que se fala do perigo da extrema-direita, porque esta ideologia surgiu do nazismo. Sai do museu afirmando o mesmo pensamento tortuoso de seu chanceler, de que o nazismo é uma ideologia de esquerda, e causa piadas e um sentimento de vergonha vindo do exterior. O presidente que admira um dos maiores assassinos da história brasileira, o coronel Ustra, se choca com os historiadores, cientistas políticos, as vítimas, e todo o resto do mundo. Bolsonaro, Araújo, Olavo estão certos, e todos os outros errados.

Com a vitória eleitoral do Likud, o partido de Netanyahu deve conseguir formar uma nova coalização no governo, e ele será novamente conduzido ao cargo de primeiro ministro. A extrema-direita mundial sai fortalecida com esta vitória do israelense, que cada vez mais dá giros à direita e aumenta a violência contra o povo palestino.

Por nossa parte é preciso repudiar as ações de aproximação do governo brasileiro com o Estado de Israel. O Brasil não pode ser cúmplice do Estado sionista no massacre que este faz ao povo palestino. Nossa defesa deve ser pela autoderminação dos povos e por uma Palestina livre da agressão militar e do bloqueio econômico israelense. E pela confirmação de um só estado na região, democrático e laico, como forma necessária para chegar a paz.

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Israel