Governo Bolsonaro e Meio Ambiente: política de terra arrasada

Alexandre Costa, do Ceará

Na lógica de acumulação capitalista, a natureza é vista, como na música “É Fogo”, de Lenine e Carlos Rennó, a “mina da fortuna econômica, a fonte eterna de energias fósseis”. Mas no século XXI, essa perspectiva esbarra em limites objetivos do que chamamos “Sistema Terra”, isto é, a teia complexa de interações entre biosfera, clima, ciclos da água, do carbono e outros elementos e substâncias em nosso planeta. O sistema econômico que depende do crescimento econômico ilimitado entra em antagonismo completo com uma Terra finita.

O programa da direita contemporânea, especialmente de seus setores mais extremistas, vai na contramão dessa perspectiva. Aposta na retirada de quaisquer restrições à exploração econômica dos ecossistemas, na expansão da extração de minérios e combustíveis fósseis e do agronegócio para novos territórios, na transformação de toda a periferia do capitalismo em uma gigantesca “zona de sacrifício”. A lógica é lançar um saque indiscriminado e irresponsável à natureza, por mais que isso contrarie os alertas cada vez mais fortes de especialistas de diversos ramos da ciência (Ecologia, Ciência do Clima etc.).

Nesse contexto, o que espanta, da parte do governo Bolsonaro, não é a adoção dessa rota destrutiva, mas a brutalidade e a velocidade com que a aplica.

Com Tereza Cristina à frente, o Ministério da Agricultura autorizou o registro de 121 novos produtos no mercado de agrotóxicos. Destes, 23,1% foram classificados como “extremamente tóxicos” por técnicos do Ministério da Saúde e 53,7% foram considerados ambientalmente “muito perigosos” por técnicos do Ministério do Meio-Ambiente. Detalhe: outros 241 novos pedidos de registro estão na fila. Várias dessas substâncias foram banidas ou têm uso muito restrito na Europa e até nos EUA. A preocupação de especialistas sobre o tema é geral: saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, contaminação do solo, rios e lençol freático, mortandade de polinizadores e desequilíbrio ambiental. Mas nada disso importa quando o jogo é manter os lucros da indústria química, que produz essas substâncias e, claro, do agronegócio.

Outro setor capitalista particularmente destrutivo é a mineração. O Brasil já havia entrado em choque há 3 anos pelo maior crime ambiental de sua história: o rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP em Mariana, que matou 19 seres humanos, comprometeu irreversivelmente o ecossistema do Rio Doce e privou comunidades e até cidades inteiras do acesso à água. O caso já havia praticamente caído no esquecimento e na impunidade, quando em 25 de janeiro, o país foi novamente sacudido pelo horror assassino e ecocida da atividade mineradora. O rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, dizimou o Rio Paraopeba, com a contaminação produzindo impactos até no São Francisco e, do ponto de vista humano produziu uma tragédia inédita: 224 mortes confirmadas e 69 pessoas ainda desaparecidas.

O crime da Vale, assassina e ecocida reincidente, é compartilhado por governos anteriores, a começar de FHC, com a privatização da companhia, os governos tucanos em Minas Gerais, os governos do PT nas esferas federal e estadual (especialmente Fernando Pimentel) com seu modelo desenvolvimentista, extrativista-exportador e de benefícios fiscais e facilidades para as mineradoras e, claro, Temer e as bancadas federal e estadual de seu campo de apoio.

Mas o fato de ter acontecido menos de um mês depois da posse de Bolsonaro (PSL) e Zema (NOVO), não é à toa. Eles são expressão do que há de pior em matéria de defender o “liberou geral” a favor das grandes corporações, com desprezo completo pelo meio-ambiente. Tendo colocado no MMA o Sr. Ricardo Salles (também do “NOVO”), condenado judicialmente por improbidade num caso de favorecimento para as mineradoras quando secretário do governo do tucano Alckmin, em São Paulo, que setor da economia deve ter ficado especialmente feliz? Claro, as mineradoras. Aliás, os planos anunciados pelo Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, por Salles e pelo próprio Bolsonaro são de flexibilização das regras de licenciamento e liberação da mineração em territórios indígenas.

Outro aspecto que está fadado ao desastre no governo Bolsonaro é a política climática. Após as centenas de vítimas em Moçambique, Zimbabwe e Malawi, o quadro global de calamidade, com intensificação de eventos extremos, deixou de vez sua marca no Brasil. As enchentes em São Paulo e Rio de Janeiro são uma amostra do que deverá vir a ser o clima inóspito de um planeta aquecido em vários graus e com uma atmosfera capaz de armazenar uma quantidade bem maior de vapor d’água (matéria-prima para ciclones, furacões e tempestades cada vez mais severas). Fato científico: para termos chances razoáveis de conter o aquecimento global em temperaturas apenas 1,5°C acima do período pré-industrial, seria necessário reduzir pela metade as emissões globais até 2030. E nesse quesito, mais uma vez, o governo Bolsonaro só tem a oferecer uma receita para o desastre.

Com exceção de Marcos Pontes (num MCTI zumbi, que irá apenas “gerenciar” o desmonte da ciência nacional), todo o restante do primeiro escalão, inclusive Bolsonaro e Mourão, abraçou o negacionismo climático em algum grau. Ricardo Salles, por exemplo, diz ser uma “questão acadêmica para daqui a 500 anos” e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, consegue ser ainda mais delirante, ao dizer que o “climatismo” seria uma “tática global servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados”. O Brasil, além de ter retirado a candidatura para sediar a COP25, a próxima reunião da ONU sobre clima (que terminará ocorrendo no México), não dá nenhuma mostra de que irá cumprir as metas (tímidas) de Dilma Rousseff anunciadas em 2015, em Paris. O desmatamento segue crescendo e os incentivos às energias renováveis já sofreram revezes.

Por falar em desmatamento, este já vem num crescendo desde a eleição, com os desmatadores se antecipando à posse de Bolsonaro. Estimativas baseadas em modelos econômicos trazem o temor de que, devido à pressão dos mercados por mais carne e soja (produto que também está intrinsecamente ligado à terrível indústria da carne), o desmatamento retorne aos patamares do início dos anos 2000, quando a Amazônia desaparecia à taxa de quase a área de Alagoas a cada ano. A Amazônia abriga a maior biodiversidade do mundo, é lar de boa parte das 305 etnias e 274 línguas indígenas do país. Cumpre papel fundamental de regulagem do clima, tanto pelo estoque de carbono no solo e vegetação quanto pela redistribuição de vapor d’água através dos chamados “rios voadores”. E Bolsonaro anunciou a intenção de transformá-la em território para “exploração conjunta” com os EUA. Subserviência ao imperialismo norte-americano e pouco-caso para com o patrimônio ambiental andando de mãos dadas.

Outro anúncio recente, e igualmente bizarro, veio de dentro do próprio Ibama, com o presidente Eduardo Fortunato Bim ignorando parecer técnico do próprio órgão e incluindo áreas na vizinhança de Abrolhos para um leilão de petróleo. Ora, como se já não bastasse toda a lógica absurda de apostar ainda mais na exploração e uso de combustíveis fósseis nestes tempos de caos climático, sabe-se dos riscos extremamente elevados de qualquer vazamento na região produzir danos irreversíveis a uma região de extrema importância para o ecossistema marinho, além de poder afetar seriamente atividades de pesca e turismo.

Não resta dúvidas, portanto, que a política de Bolsonaro é de exploração irresponsável, de envenenamento, predação e depredação do ambiente, nossos rios e biomas. É também uma declaração de guerra à floresta e seus povos, especialmente os povos originários do Brasil que resistem a 519 anos de genocídio e que, tendo recuperado um mínimo direito ao seu território original hoje se veem acusados de formarem, ao lado de ONGs e movimentos ambientalistas aliados, uma “indústria de demarcação”. É a expressão máxima do capital como inimigo da natureza.

E aí, mais do que nunca, a luta ambiental e ecológica é uma luta dos socialistas. Precisamos, de imediato, derrotar a política de Bolsonaro, mas também superar a lógica desenvolvimentista e predatória implementada por outros governos, inclusive de esquerda. No Brasil, mineração, agronegócio, grandes barragens e combustíveis fósseis (incluindo o pré-sal) já foram vendidos como “passaportes para o futuro” ou como mecanismos de aceleração de uma máquina insana que precisa é ser detida antes de nos conduzir a todos ao abismo do colapso ambiental. Mariana, Brumadinho, Belo Monte e tantos outros exemplos mostram que esse futuro é de terra arrasada.