Pular para o conteúdo
BRASIL

Uma resposta a Daniel Sugasti

Yuri Lueska, do ABC Paulista
Reprodução / Portinari

Dom Quixote arremetendo contra o Moinho de vento, tela de Portinari (1956)

Chegou ao nosso conhecimento, nesses dias, um texto no site da LIT, corrente internacional na qual o PSTU é o maior representante, tecendo críticas severas aos artigos de uma polêmica entre Valter Pomar e Valerio Arcary. O autor Daniel Sugasti, ergue com pomposidade quixotesca a espada da Quarta Internacional almejando espetar sem dó o que para o autor seria uma espécie de Karl Kautsky tropical no século XXI. E pasmem, para Sugasti o Kautsky do momento é Valerio Arcary.

Uma polêmica é um confronto de ideias. Mas veja bem, não é um esporte. Não interessa exercer a verdade em abstrato. Não é justo utilizar todo e qualquer artificio. O prêmio da polêmica não é uma banheira das “curtidas” e “compartilhamentos” dos “chegados”. Não. A polêmica merece existir, quando existem diferenças para desenvolvermos nossas ideias.

Nesse sentido, Sugasti, exagerou. Não é verdade que o PSOL é da Frente Brasil Popular (FBP), por exemplo. O PSOL apoia a Frente Povo Sem Medo. Tão injusto quanto é a errata do senhor, que ao admitir que era um equívoco dizer que o PSOL está na FBP, releva o erro dizendo:

No entanto, isso não muda o sentido de nossa crítica, uma vez que a militância do PSOL está unificada em campanhas políticas comuns com o PT e a Frente Brasil Popular, cuja maior expressão atualmente é o Lula Livre. [1]

Um leitor estrangeiro – repetindo a analogia de Daniel Sugasti –, que porventura se dedique ao site da LIT, poderia acreditar que o PSOL, ou a Resistência (corrente interna do PSOL) fazem única, ou sequer prioritariamente, a campanha do Lula Livre. Esse leitor estrangeiro iria se surpreender quando soubesse que não são todas as correntes do PSOL que concordam com o Lula Livre. Talvez Sugasti fique até encabulado quando souber que neste tema está mais próximo do que imagina de Roberto Robaina, Pedro Fuentes e Luciana Genro.

Vamos ao ponto: a polêmica entre Arcary e Pomar. O raciocínio de Sugasti visa explicar que tal polêmica tangencia um desvio comum entre os dois. O texto apresenta Valerio Arcary e Valter Pomar como tons diferentes da mesma cor: a amarga cor do reformismo.

Sugasti decidiu que só quem concorda com seu partido é revolucionário

Sem delongas Sugasti apresenta seu objetivo:

Nossa estratégia é, efetivamente, a tomada do poder pelo proletariado industrial liderando os demais setores explorados e oprimidos pelo capitalismo. É tomar o poder para destruir o Estado burguês e a sociedade burguesa como um todo, construindo em seu lugar um Estado operário com base no regime da ditadura revolucionária do proletariado que, por sua vez, inicie a construção do socialismo. O socialismo, para nós, será mundial ou não será socialismo. Então, a tomada do poder em um país estará desde o princípio ao serviço do desenvolvimento da Revolução Socialista Mundial, até a derrota definitiva do imperialismo e, assim, abrir caminho para a instauração da sociedade comunista, sem classes nem Estado[2]

Esses trechos demonstram, além de um frenesi ideológico de Sugasti, uma profunda confusão entre tática e estratégia. Temos acordo com o objetivo apontado. Mas é preciso ser honesto. Quando Arcary escreveu que a estratégia histórica, ou seja, diante de qualquer governo é a revolução brasileira ao serviço da extensão da revolução mundial, disse, exatamente, o mesmo com outras palavras.

O busílis da questão é qual deve ser a estratégia diante do governo Bolsonaro. Se nossa divergência não está no o que, poderia estar no como. Porém, Daniel Sugasti permanece obscuro, declamando o óbvio:

E o que isso significa no Brasil hoje? Significa que os revolucionários devem concentrar toda a energia na organização independente da classe operária e dos demais setores explorados e oprimidos para derrotar não só os ataques, mas, na mesma dinâmica, derrotar o governo (…) pela via revolucionária, (…) Nesse sentido, devemos impulsionar a mais ampla unidade de ação e a frente única operária – para a luta na rua, não para as eleições (…) intensificando a luta de classes até que as condições coloquem a queda do governo de Bolsonaro e, nesse processo, abrir o caminho rumo ao poder dos trabalhadores [3]

De acordo, também. O problema para Sugasti, portanto, não é a discussão de estratégia. O problema é que Sugasti considera que não é possível lutar por esta estratégia e, ao mesmo tempo, militar pela construção do Psol. Infelizmente são inúmeras as divagações não demonstradas no texto de Sugasti, elaboradas a partir de silogismos infantis. Como este: “há reformistas no Psol, reformistas e revolucionários não podem conviver em um mesmo partido, logo, abracadabra, todos que estão no Psol são reformistas”.

Engana-se Sugasti se pensa que se autoproclamar revolucionário é o bastante. Tampouco basta fazer chamados literários à rebelião, todos os dias, não é o bastante. Não é tão simples. Quais são os critérios para definir se uma corrente merece ser respeitada como revolucionária? Qual é a régua para medir? São muitos critérios. Há que considerar o programa, mas não é o bastante escrever no papel a defesa de um projeto revolucionário. Há que estudar a trajetória histórica, a implantação social, o compromisso com as lutas, a integridade de seus quadros, o seu grau de independência, sua sustentação financeira, suas relações internacionais, a relação com as organizações de massas. Enfim, é complicado.

Como militante do PSOL poderia dizer que a Convergência Socialista (gênese comum nossa e do PSTU) ajudou a fundar o PT e, pasmem, o partido do Lula não era revolucionário. No entanto, foi correto. Poderia dizer que Nahuel Moreno, fundador da LIT, militou no peronismo, e Perón também não era revolucionário. Poderia dizer que Leon Trotsky orientou que seus militantes entrassem nos Partidos Socialistas, os mesmos que votaram os créditos de guerra (!). E pasmem, os PS´s não eram revolucionários. Se quisesse judiar do leitor voltaria ao viejo Marx, que muito depois de 1848, quando todas as águas passadas mostraram caráter reformista de Proudhon, viu-se na necessidade de fundar a Internacional em acordo com uma maioria de militantes inspirados por Proudhon.

Repetir e estratégia insurrecional como um mantra não resolve o problema da estratégia diante de Bolsonaro e não aproxima o proletariado da sua emancipação. Sugasti pouco argumenta sobre estratégia revolucionária. Se limita em dizer que ele é um revolucionário e os outros são reformistas, e adentra na conjuntura…

 

Duas teses esdrúxulas: apesar da vitória de Bolsonaro a situação não é defensiva, e Lula deve apodrecer na prisão

O coração do texto hospedado no sítio virtual da LIT é a conjuntura. Daniel Sugasti realmente se incomoda com a avaliação de que a classe trabalhadora não está na ofensiva, e com a campanha do Lula Livre. Vamos observar o primeiro ponto:

Tanto o PT como o PSOL sustentam a análise de que existe uma situação defensiva a partir do suposto “golpe reacionário” que derrubou a petista Dilma Rousseff em 2016 e que permitiu a chegada à presidência de seu então vice-presidente, o mafioso Michel Temer. [4]

Dizer que estamos numa situação defensiva significa – perdoe a redundância – apontar que a classe trabalhadora está se defendendo. Não é isto que está acontecendo? Não há uma ofensiva brutal contra as conquistas arrancadas nos anos oitenta? Se a classe trabalhadora organizada tivesse derrubado a então presidente Dilma, estaríamos uma situação ofensiva. Sugasti,  sabe que não foi isso que ocorreu. Todavia, Daniel não deixa claro sua opinião sobre o impeachment da presidente Dilma. Sugasti, na sua opinião, e a na do PSTU, o impeachment da Dilma foi progressivo? A Lava Jato cumpriu um papel reacionário ou não? As manifestações da classe média “amarelinha” gritando “a nossa bandeira jamais será vermelha” e “Vai para Cuba” não foram reacionárias? Não foi este deslocamento reacionário que fermentou as condições para a vitória eleitoral de Bolsonaro?

Sugasti não explica se o que prevaleceu, desde 2015/16, foi ou não uma sucessão ininterrupta de derrotas: lei das terceirizações, reforma trabalhista, PEC 95 e, finalmente a eleição de Bolsonaro.  No auge da argumentação Sugasti faz um amálgama entre o PT e o Psol e denuncia que a responsabilidade da eleição do Bolsonaro foi, também, do PSOL:

O compromisso com Lula amarra seus pés e mãos para lutar, mesmo por algo tão básico, tão elementar, como a corrupção generalizada no Brasil. E, assim, são eles que ampliam o espaço da ultradireita. Este é um caminho certo para a derrota.

O Psol não lutou contra a corrupção? De onde pensa Sugasti que veio a autoridade de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro? Sugasti não sabe que foi o PSOL quem tomou a iniciativa de organizar comícios em 2017 pelo Fora Temer, Diretas Já? O Psol é responsável pelo crescimento do neofascismo? Isso não é sério. É diretamente desonesto.

Se Daniel Sugasti tivesse ido em apenas uma manifestação no Brasil, entre 2015 e 2019, não teria escrito tamanha atrocidade. Infelizmente essa não é a única brutalidade cometida por Sugasti. Não satisfeito escreve que o PSOL abandonou o caminho da luta direta. Importante lembrar Sugasti, que neste período o PSOL teve uma vereadora assassinada e um deputado exilado.

A segunda questão que incomoda profundamente Sugasti é a campanha Lula Livre. Sugasti se posiciona contra Lula Livre. Portanto, está a favor da prisão de Lula. Estamos diante da construção de duas lógicas no mínimo curiosas.

A primeira diz que ao concordar com o Lula Livre acabamos por preterir a frente única contra a austeridade. Por quê? Não há nenhuma contradição entre uma e outra. Nunca ninguém deixou de ir num ato do Lula Livre para ir numa manifestação contra a austeridade, ou vice e versa. E, além disso, Frente Única pressupõe um acordo entre diferentes organizações e correntes da classe trabalhadora para lutar contra um inimigo comum.

Outra lógica interessante apresentada por Sugasti é dizer que defender o Lula Livre implica em defender “Temer livre”.

No início da Lava Jato havia muitas dúvidas sobre seu caráter. Hoje, quando Sergio Moro se apresenta, assumidamente, como um funcionário do ultradireitista Bolsonaro, ou quando faz visitas a CIA [5] fora da agenda; ou mesmo quando defende o genocídio da juventude negra defendendo a liberdade para matar nas forças policiais; o véu do ministro caiu. Passadas tantas demonstrações do caráter reacionário e ultradireitista não só deste juiz, mas do poder judiciário; é difícil encontrar defensores desta personalidade, das suas decisões ou do poder judiciário. Segundo Daniel Sugasti Lula está preso por ser corrupto. O fato do processo ter rompido inúmeras vezes com o devido processo legal, porque está fundamentado somente em delações que premiam os delatores, atingindo o princípio de ampla defesa não chamaram a atenção de Sugasti. O tempo recorde do julgamento na primeira e na segunda instância, para impedir que Lula pudesse ser candidato, também não.

O que nosso Sugasti ignora é que há sim um avanço bonapartista de setores do poder judiciário. E, se esses setores cometem infração ao prender o corrupto Michel Temer, não aplaudiremos. Afinal, não é um comitê de operários que prende Temer, mas um braço de extrema direita do estado brasileiro. E o Estado não é um ente celestial, é terreno e tem conteúdo de classe. O eixo principal das nossas interpretações e ações é o conteúdo de classe. Lula é o líder do maior partido de trabalhadores do Brasil. Já Temer é um dirigente da burguesia brasileira.

Inclusive, o próprio PSTU chamou voto crítico no PT durante o segundo turno do ano passado. Se não há uma ofensiva burguesa, se não estamos diante de uma poderosa extrema-direita que venceu as eleições, se o PT é igual o MDB, você deve explicações por ter digitado treze no último vinte e oito de outubro.

Falsificar as posições dos outros é desonesto

Infelizmente, o que chama a atenção no texto de Sugasti não é, somente, seu conteúdo, mas sua forma. Seu texto não é, intelectualmente, honesto. O texto de Daniel não trata de uma polêmica com Valério Arcary ou com Pomar. Trata-se de uma pregação para convertidos. E como toda pregação é viciada em inverdades, leviandades, imprecisões e autoproclamação. Sugast acaba por expulsar Valério do renomado grupo dos revolucionários. Grupo tão seleto que só cabe os camaradas que compõem a LIT e o PSTU.

Todavia Sugasti não foi inovador nesta metodologia. Já algum tempo que o PSTU insiste nesta forma de debate, e para tal, elegeram Arcary como alvo. No meio do caminho há uma falsificação absurda, introduzida de contrabando, porque não tem qualquer relação com o debate de estratégia diante de Bolsonaro, como acusar Arcary de ter sido contra a greve geral em 2017:

Valerio argumentava que uma greve geral para derrubar esse governo era um completo aventureirismo.

1.  A polêmica de Arcary com Zé Maria na CSP-Conlutas em fevereiro de 2017 não era sobre a necessidade da greve geral. A discussão era sobre a necessidade ou não da CSP-Conlutas chamar a Frente Única dirigindo-se à CUT e as outras centrais para erguer um Plano de Lutas para preparar a greve geral tomando como referência o dia nacional de greve dos professores. Zé Maria estava contra. As intervenções podem ser conferidas no link do vídeo no Youtube:

2. Sugasti afirma que Valerio defende o acúmulo de forças orientado para as eleições. Mentira: Arcary defende justamente o contrário: a necessidade de resistir ao governo Temer para inverter a relação social e política de forças e preparar as condições para derrotá-lo e derrubá-lo. Como pode ser visto neste artigo, em polêmica com Valter Pomar.

No fim das contas, nos delirantes ataques, Daniel Sugasti acaba por cumprir um papel tragicômico. Assim como Quixote acreditava que moinhos são monstros, nosso colega acredita que o Valerio é o cúmplice do reformismo e o culpado pela conjuntura. Assim como a febre de Quixote diz mais sobre ele do que sobre os moinhos; os delírios fanáticos de Sugasti dizem mais sobre ele e sua agremiação, do que sobre o Valerio.

 

 

NOTAS

[2] Ibdem.

[3] Ibdem.

[4] Ibdem.