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BRASIL

A EBC e a agonia do projeto de comunicação pública

Carol Barreto*, do Rio de Janeiro, RJ
EBC

A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) sofreu um duro golpe logo que Temer assumiu o poder em 2016: a primeira medida do vice alçado a presidente foi acabar com o Conselho Curador, que debatia os conteúdos veiculados pela empresa, e com o mandato de presidente da estatal. O alvo era claro: o que estava em curso era um poderoso ataque à comunicação pública. Dali em diante, o que se viu no Governo Temer foi um jornalismo a cada dia mais servil, sem alma, chapa-branca. Foram diversos os casos de censura nas redações de todos os veículos da EBC e fazer o nosso trabalho se tornou algo cada vez mais desafiador.

No entanto, como aliás era de se esperar, as coisas pioraram significativamente neste início de Governo Bolsonaro. Se, por um lado, está afastada a ameaça de fechamento da EBC – que Bolsonaro repetiu ao longo da campanha e mesmo após a eleição -, o que vemos agora é um misto de desmonte com aparelhamento. Repórteres da TV Brasil estão sendo obrigados a gravar também para a NBR, o que confunde o público. A separação entre os conteúdos público e estatal era pilar fundamental do nosso trabalho. Agora, borram-se as fronteiras entre as duas esferas. Aliás, nesta terça-feira dia 9 a direção da EBC resolveu misturar tudo de vez, assinando uma portaria uma portaria que cita a Constituição para violá-la. Agora, a programação da TV pública pode ser interrompida a qualquer momento para a transmissão de atos do governo.  Por outro lado, enquanto acabam com o Repórter Brasil Manhã, anunciam a criação de programas sobre obras do exército e fortes do Brasil. Com isso, as forças armadas se apoderam de parte significativa da programação da TV pública brasileira. Isto apesar de já possuírem canais institucionais próprios. A lei de criação da EBC é clara ao garantir que a empresa deve ter autonomia frente ao governo federal e que é vedado o proselitismo. As forças armadas, no entanto, resolveram utilizar a TV pública para o enaltecimento de suas ações.

A situação no jornalismo é dramática. Determinadas pautas são simplesmente vetadas, como foi o caso da renúncia do deputado Jean Wyllys e de atos contra a Reforma da Previdência. Além disso, cabe mencionar o forte esquema de censura montado em torno de matérias alusivas à declaração do presidente de que o golpe de 64 deveria ser comemorado. Nessas, palavras como “golpe” e “ditadura” foram sistematicamente cortadas. “Ditadura” sobreviveu só quando o caso era o de negar sua existência. Falas de familiares de desaparecidos políticos também foram cortadas das matérias, que foram publicadas apenas com as falas do presidente e seu vice. A cobertura do dia 31 de março foi vergonhosa: na Agência Brasil, esse foi um dia de atos a favor e contra o golpe militar de 64, em que todos aparecem com o mesmo peso. Ignora-se o fato de que os atos de protesto foram muito maiores que os de comemoração. As matérias produzidas pelos colegas sobre os atos de protesto nos estados foram mutiladas e, no fim, foi publicada uma única matéria onde se consolida a versão de que no regime militar “houve excessos dos dois lados.”

Para além dos gravíssimos problemas editoriais, vivemos um clima interno de muito medo e incerteza. Está em curso uma restruturação feita sem qualquer transparência, no bojo da qual estão ameaças como a do corte de prorrogações de jornada (um aporte salarial significativo para que jornalistas e radialistas trabalhem mais do que a jornada especial reduzida de suas categorias). Na base do terrorismo, quase 300 funcionários deixaram a empresa no Plano de Demissão Voluntária (PDV) aberto no final do ano passado, em meio a rumores de uma possível extinção. Com isso, quem ficou está sobrecarregado e não há no horizonte qualquer expectativa de realização de concurso. A palavra de ordem é cortar custos, mas fazer comunicação com qualidade é caro. Os trabalhadores, cuja data-base é outubro, ainda não encerraram as negociações do acordo coletivo de trabalho com a empresa, que insiste em tentar impor perda de diretos e um reajuste salarial inferior à inflação do período.

O cenário, portanto, é dos mais aterradores. Os trabalhadores da EBC travam uma encarniçada luta com o governo de turno para que sobre algum vestígio de comunicação pública na nossa programação. É uma luta inglória, mas em alguns casos conseguimos ter vitórias pontuais, como ocorreu quando voltaram atrás na decisão de acabar com o programa “Sem censura”, há mais de 30 anos no ar. Nesse episódio, a mobilização social, externa à EBC, foi fundamental. Acontece que infelizmente essa mobilização ainda tem pouca densidade. O Brasil, diferente de outros países do mundo, não tem uma tradição consolidada de comunicação pública. Quando a EBC começava a se consolidar nesse cenário, veio o golpe de 2016 para comprometer todo o esforço anterior. Seja como for, seguimos, dentro de nossas possibilidades, nos mobilizando em torno da defesa da EBC não como um aparato a serviço dos interesses da ala militar do governo de turno, mas como uma empresa que faça comunicação pública e jornalismo crítico da melhor qualidade. A batalha é dura, mas a gente não se acovarda.

*Carol Barreto é jornalista da EBC

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