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MUNDO

O que está por trás da onda de greves de professores nos Estados Unidos?

Rebecca Tarlau, de Pensilvânia (EUA)
Chris Brooks

Protesto em Los Angeles

Na quinta-feira, 21 de fevereiro, milhares de professores em Oakland entraram em greve no que caracteriza o próximo capítulo de uma onda de greves nacionais. A onda começou no dia 22 de fevereiro de 2018, na Virgínia Ocidental, levando educadores de outros estados de maioria partidária republicana e conservadores, incluindo Oklahoma, Arizona, Kentucky, Colorado e Carolina do Norte, a também organizarem rapidamente paralisações estaduais semelhantes. O ano de 2018 terminou com a primeira greve das escolas charter de Chicago. Em 2019, a onda de greves se espalhou para outras cidades majoritariamente democráticas, começando com 34.000 professores em Los Angeles e depois em Denver e Oakland.

Grande parte da atenção da mídia sobre as greves de professores tem se concentrado nas suas razões econômicas, como os baixos salários docentes, o aumento dos custos de saúde, e a falta de materiais didáticos. Mas há importantes fatores históricos em jogo.

Nos últimos três anos tenho pesquisado greves de professores nas Américas, com foco no Brasil, no México e nos Estados Unidos. A questão central da minha pesquisa é simples: quais condições e estratégias levam os sindicatos de professores a pensarem além dos interesses econômicos de curto prazo e se tornarem líderes em lutas sociais mais amplas? Minha principal descoberta é que os sindicatos nascem em contextos políticos e institucionais particulares que moldam seu ativismo e o relacionamento dos líderes com partidos políticos, o estado e outros movimentos sociais; no entanto, em certos momentos, surgem novas formas de ativismo que reformulam essas relações históricas.

Nos Estados Unidos, temos observado o resultado de uma transformação na natureza dos sindicatos de professores nas últimas duas décadas. A mudança mais importante que precedeu esse período ocorreu na década de 1960, quando os professores começaram a se identificar como trabalhadores e a exigir direitos de negociação coletiva. Isso foi no contexto do movimento por direitos civis e outras mobilizações sociais, que influenciaram professores a emergirem como ativistas. No entanto, esse novo movimento de professores também nasceu num contexto de tensão com comunidades negras, sintetizadas pela greve Ocean Hill-Brownsville de 1968, quando a Federação Unida de Professores se uniu contra o controle das escolas negras pela comunidade negra. Nas décadas seguintes, noções cada vez mais estreitas do uso do poder sindical, reforçadas por mudanças conservadoras, separaram os sindicatos de professores do seu legado de movimento social anterior, muitas vezes separando líderes sindicais de comunidades negras e outros grupos ativistas.

Existem três razões pelas quais a natureza dos sindicatos de professores dos EUA se transformou. A primeira é o redirecionamento para políticas de reforma educacional baseadas no mercado. Com a aprovação do programa No Child Left Behind em 2002, as escolas aumentaram os testes padronizados, bem como as políticas de “prestação de contas” do professor, que apoiam um currículo engessado, o salário docente baseado em mérito e o monitoramento punitivo e desqualificador da força de trabalho do educador. Além disso, a educação pública foi severamente desonerada, especialmente após a crise econômica de 2008. Em Oklahoma, um dos locais onde mais de 50.000 professores entraram em greve no ano passado, o financiamento estudantil ajustado pela inflação diminuiu 23,6% desde 2008. A Califórnia, a quinta economia mais rica do mundo, é 41ª no país em financiamento por aluno. Essas tendências são exacerbadas pela expansão da política de financiamento via vouchers e das escolas charter (duas formas de terceirização das escolas públicas), que tiram dinheiro das escolas públicas. Internacionalmente, essas mudanças em direção às políticas baseadas no mercado são conhecidas como o Movimento Global de Reforma da Educação (GERM).

Em segundo lugar, redes de ativistas de professores começaram a se organizar em resposta a essas mudanças. Os críticos mais contundentes do movimento de reforma educacional não vieram da liderança sindical, pois a Associação Nacional de Educação e a Federação Americana de Professores estavam mais frequentemente alinhadas com os membros do Partido Democrático que apoiavam essas políticas (por exemplo, Barack Obama, Arnie Duncan, e seu programa “Corrida Para o Topo”). Em vez disso, houve grupos de ativistas, muitas vezes com experiência em movimentos sociais fora do movimento sindical de professores, que mantiveram uma voz crítica dentro de seus sindicatos. Em Los Angeles, um desses grupos criou o Educador Progressivo para Ação (PEAC) na década de 1990, eventualmente conquistando algumas posições de liderança em 2005. Enquanto isso, ativistas de professores em Chicago visitaram Los Angeles, e aprenderam lições importantes sobre os desafios de transformar sua união. Este grupo de educadores de Chicago criou a Convenção Política de Educadores Não-Comissionados (CORE), ganhou suas eleições sindicais de 2010 e começou a se preparar para uma greve.

Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, entre 2010 e 2012, esses ativistas em Chicago conseguiram diminuir a distância entre os sindicatos de professores e as comunidades negras. Ativistas do CORE se alinharam com outros grupos da comunidade para se organizar contra o fechamento de escolas em bairros negros e latinos. Sua nova convocação de ralis, as “Escolas que os Estudantes de Chicago Merecem”, incluía demandas por redução do tamanho das turmas, pelo time de liderança docente e outras questões focadas nas condições de aprendizado dos alunos. Em Los Angeles, os ativistas do PEAC abraçaram essa abordagem ao ativismo sindical, lutando pelas “Escolas que os Estudantes de LA Merecem”. Em 2014, esses ativistas criaram uma nova convenção, a Union Power, vencendo as eleições e imediatamente contratando dezenas de novos organizadores para ajudar a organizar uma greve, em aliança com dezenas de organizações comunitárias. O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) deu mais energia a um novo movimento estudantil, o “Estudantes Merecem”, diretamente apoiado pela direção sindical. As 34.000 pessoas que entraram em greve por seis dias em janeiro de 2019 representaram, mais do que qualquer outra coisa, uma luta pela justiça racial. A greve de LA também pôs em pauta as alegações dos movimentos de escolas charter e da política de financiamento via vouchers que as políticas de escolha da escola representam o melhor caminho para a mobilidade social de crianças de comunidades pobres e negras.

Em resumo, a atual onda de greves representa o culminar de três fatores: a aceleração dos esforços de reforma educacional baseados no mercado; redes de ativistas organizando e transformando seus sindicatos; e a articulação do sindicalismo docente como uma luta pela justiça racial. Esses não foram esforços de cima para baixo, mas sim o resultado do ativismo dos professores em muitas questões que não foram abordadas de maneira eficaz pela liderança sindical, incluindo avaliações punitivas, testes destrutivos de alto risco e aquiescência às políticas de privatização. Na Virgínia Ocidental, professores politizados pela campanha de Bernie Sander começaram a pedir uma greve bem antes do sindicato. Em todas as rebeliões do estado republicano, o Facebook tornou-se um veículo para os professores se comunicarem fora das estruturas sindicais tradicionais, empurrando suas lideranças estaduais para apoiar as greves. Ativistas de professores das cidades democratas, que formaram a Convenção Política Unida de Educadores Não-Comissionados (UCORE) após a greve de Chicago de 2012, estavam em contato direto com os líderes do estado republicano. O enquadramento das greves como uma questão mais ampla de justiça social prevaleceu.

Oakland faz parte dessa tendência nacional. A educação pública foi desfalcada e a cidade está no centro da expansão da educação charter. Na última primavera, ativistas inspirados pelo movimento Occupy conquistaram a liderança de seu sindicato, em aliança com um antigo ativista da comunidade afro-americana. Nos últimos seis meses, os professores se prepararam para uma greve, com uma coalizão de organizações de justiça racial e econômica. A falta de financiamento da educação pública, os esforços de organização desses ativistas e o foco na justiça racial transformaram a Associação de Educadores de Oakland – assim como muitos outros sindicatos de professores em todo o país – em líder de um movimento social de base ampla que tem o potencial de redefinir a educação pública, o movimento trabalhista e a política americana.