O professor de História Gabriel Pimentel, preso na noite de sexta-feira, 29, dentro da escola onde trabalha, em Uberlândia (MG), foi libertado nesta segunda, 01, e está em casa, com a família. Ele havia sido preso, de forma violenta, após interceder a favor de alunos que estavam passando por uma batida policial na porta da Escola Estadual Lourdes de Carvalho. Gabriel só foi ouvido após as 12h do sábado, 30, mais de 16 horas depois do ato de sua prisão e permaneceu todo o final de semana no presídio Jacy de Assis, na mesma cidade.
Na manhã de segunda, o professor participou de uma audiência de custódia, na qual o juiz responsável determinou a sua soltura. A decisão considerou que Gabriel possui endereço fixo, dois empregos fixos, nunca teve nenhum histórico negativo e os crimes dos quais é acusado – desacato e desobediência – não são graves nem violentos. Ao contrário da mentira divulgada pela mídia e em fake news, nem mesmo a policia acusa o professor de tráfico ou venda de drogas.
A audiência de custódia não entra no mérito da questão, ou seja, não se discute o fato em si, mas sim os requisitos formais para que ele seja mantido preso ou não. Desta forma, mesmo livre, o processo seguirá seu curso normal, e o professor fará a sua defesa para que seja provada a inocência.
SAIBA MAIS SOBRE O CASO
Por Jorgetânia Ferreira*, de Uberlândia, MG
Gabriel estava na porta da Escola Estadual Lourdes de Carvalho, no bairro Alvorada, em Uberlândia (MG), quando estudantes foram vítimas de um “baculejo”, procedimento habitual da polícia nas periferias das cidades, nas portas de escolas que atendem pobres e pretos. Gabriel, sensível à situação vivida pelos jovens, buscou interceder por eles e teve como resposta a violência policial. A escola foi invadida pela força policial ali presente, de forma violenta e abusiva. A comunidade escolar – estudantes, professores/as, demais servidores/as e inclusive o diretor procuraram argumentar que se tratava de um professor, que a situação poderia ser resolvida por meio de uma conversa, mas não houve meio da polícia retroceder. Spray de pimenta foi usado e o professor e dois estudantes foram levados para a delegacia, deixando toda a comunidade sem informação sobre onde e como estavam por algumas horas (durante toda a madrugada).
Clique aqui e veja o vídeo com o momento da prisão
Gabriel foi meu aluno no curso de graduação em História, no Campus da Universidade Federal de Uberlândia em Ituiutaba. Gabriel é um ser inquieto, intenso. Defende seus ideais. Negro, 29 anos, barbudo, cabelos grandes, carrega bandeiras importantes demais e malvistas por essa sociedade racista, elitista, punitivista. A prisão truculenta de Gabriel só confirma o que já vemos o tempo inteiro: a desigualdade com que são tratados negros e não negros pelas forças policiais. Fosse um acontecimento na porta de uma escola das elites brancas o professor teria sido ouvido, o diretor teria sido ouvido, a família teria sido chamada. “Experimenta nascer preto, pobre na comunidade. Cê vai ver como são diferentes as oportunidades” (Bia Ferreira).
Gabriel certamente teve medo do que poderia ser posto no seu carro. Ele é militante da descriminalização da maconha e estudioso da temática. Gabriel sabe o que é destinado aos pobres e pretos nas periferias das cidades. Seu tema de monografia de conclusão de curso é: “Movimento Social Marcha da Maconha: proibicionismo e estigmas”, de 2018. Dentro dessa lógica de um Estado Penal e não Social, prevalece uma representação estereotipada e preconceituosa, que criminaliza a pobreza.
Eu consegui falar com Gabriel, ele estava emocionado e preocupado com o que lhe iria ocorrer e também preocupado com sua família. Eu prometi que permaneceremos vigilantes para que não ocorram mais abusos nestes dias de prisão. Abracei-o e falamos da importância da luta para mudar esse estado de coisas. Sempre foi difícil para pobres e negros e esse é o padrão das abordagens nas periferias. Mas é preciso reconhecer que tendo um presidente da República que libera armamentos, estimula a violência e comemora a ditadura, há uma legitimação do uso indiscriminado da força e a legitimação dos desejos autoritários e violentos das forças policiais.
Tenho visto muita indignação nas redes sociais contra a prisão de Gabriel e compartilho desse sentimento. Estamos com Gabriel, sua família, amigas/os e com a comunidade da Escola Estadual Lourdes de Carvalho, que viveu essa invasão violenta e que agora precisa juntar forças para retomar as aulas na segunda feira. Discordamos de quem acha que não houve preparo policial. Houve sim. Eles estão sendo preparados para nos eliminar: pobres, pretos, mulheres, LGBT+s, maconheiros…
A menor resistência a esse modelo de sociedade e de abordagem policial é criminalizada. Querem seguir com o genocídio da juventude negra, periférica com a nossa anuência. Contra a barbárie, contra a indiferença imposta precisaremos ser todos/as Gabriel. Lutar pela constituição hoje é também lutar pela liberdade de Gabriel.
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