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BRASIL

Liberdade para Gabriel

Jorgetânia Ferreira*, de Uberlândia, MG

ATUALIZAÇÃO
(02/04) Professor de Uberlândia preso dentro de escola é solto

 

Na noite desta sexta-feira, 29, por volta das 19h, o professor de História Gabriel Pimentel foi preso dentro da escola que trabalha, junto com dois estudantes. Gabriel estava na porta da Escola Estadual Lourdes de Carvalho, no bairro Alvorada, em Uberlândia (MG), quando estudantes foram vítimas de um “baculejo”, procedimento habitual da polícia nas periferias das cidades, nas portas de escolas que atendem pobres e pretos. Gabriel, sensível à situação vivida pelos jovens, buscou interceder por eles e teve como resposta a violência policial. A escola foi invadida pela força policial ali presente, de forma violenta e abusiva. A comunidade escolar – estudantes, professores/as, demais servidores/as e inclusive o diretor procuraram argumentar que se tratava de um professor, que a situação poderia ser resolvida por meio de uma conversa, mas não houve meio da polícia retroceder. Spray de pimenta foi usado e o professor e dois estudantes foram levados para a delegacia, deixando toda a comunidade sem informação sobre onde e como estavam por algumas horas (durante toda a madrugada).

Clique aqui e veja o vídeo com o momento da prisão

Fui para a delegacia no meio da manhã de ontem (30/03) e por lá permaneci por muitas horas. Apresentei-me como professora da Universidade e me deixaram entrar. A família, que não dispõe de títulos, não teve autorização para tanto. Estavam do lado de fora, há horas sem informações. Gabriel foi meu aluno no curso de graduação em História, no Campus da Universidade Federal de Uberlândia em Ituiutaba. Gabriel é um ser inquieto, intenso. Defende seus ideais. Negro, 29 anos, barbudo, cabelos grandes, carrega bandeiras importantes demais e malvistas por essa sociedade racista, elitista, punitivista. A prisão truculenta de Gabriel só confirma o que já vemos o tempo inteiro: a desigualdade com que são tratados negros e não negros pelas forças policiais. Fosse um acontecimento na porta de uma escola das elites brancas o professor teria sido ouvido, o diretor teria sido ouvido, a família teria sido chamada. “Experimenta nascer preto, pobre na comunidade. Cê vai ver como são diferentes as oportunidades” (Bia Ferreira).

Gabriel certamente teve medo do que poderia ser posto no seu carro. Ele é militante da descriminalização da maconha e estudioso da temática. Gabriel sabe o que é destinado aos pobres e pretos nas periferias das cidades. Seu tema de monografia de conclusão de curso é: “Movimento Social Marcha da Maconha: proibicionismo e estigmas”, de 2018. Dentro dessa lógica de um Estado Penal e não Social, prevalece uma representação estereotipada e preconceituosa, que criminaliza a pobreza.

Há uma visão impregnada na sociedade de que os moradores de favelas são, em sua maioria, participantes do varejo das drogas imposto pelo tráfico na comunidade. No entanto, o censo realizado em 2000, organizado pelo IBGE em parceria com instituições locais, mostrou que menos de 1% dos moradores têm envolvimento com o tráfico local. Em outras palavras, dos 132 mil moradores, cerca de 1mil 300 pessoas tinham algum tipo de envolvimento (IBGE, 2000). (FRANCO, MARIELLE. UPP – a redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro).

E mais uma vez a injustiça prevaleceu. Gabriel está preso. Os dois estudantes foram soltos. A delegada que acompanhou o caso resolveu que ele deve responder por desacato, desobediência, injúria e resistência à prisão. Tudo que ele disse não foi considerado. Só a visão dos que ela nomeia de “militares”, referindo-se aos policiais.

Gabriel foi ouvido após as 12h do sábado, dia 30/03, mais de 16 horas depois do ato de sua prisão. Como é final de semana pós 12h Gabriel não será solto no fim de semana. Foi transferido para o presídio Jacy de Assis: um professor, com dois empregos, endereço fixo, sem antecedentes criminais, que só queria realizar seu trabalho e defender seus alunos de uma injustiça. Na segunda feira, 01 de abril haverá uma audiência de custódia, logo pela manhã. Esperamos que Gabriel fique livre, neste dia da mentira, nessa justiça de mentira (ao menos seletiva).

Eu consegui falar com Gabriel, ele estava emocionado e preocupado com o que lhe iria ocorrer e também preocupado com sua família. Eu prometi que permaneceremos vigilantes para que não ocorram mais abusos nestes dias de prisão. Abracei-o e falamos da importância da luta para mudar esse estado de coisas. Sempre foi difícil para pobres e negros e esse é o padrão das abordagens nas periferias. Mas é preciso reconhecer que tendo um presidente da República que libera armamentos, estimula a violência e comemora a ditadura, há uma legitimação do uso indiscriminado da força e a legitimação dos desejos autoritários e violentos das forças policiais. Tenho visto muita indignação nas redes sociais contra a prisão de Gabriel e compartilho desse sentimento. Estamos com Gabriel, sua família, amigas/os e com a comunidade da Escola Estadual Lourdes de Carvalho, que viveu essa invasão violenta e que agora precisa juntar forças para retomar as aulas na segunda feira. Discordamos de quem acha que não houve preparo policial. Houve sim. Eles estão sendo preparados para nos eliminar: pobres, pretos, mulheres, LGBT+s, maconheiros… A menor resistência a esse modelo de sociedade e de abordagem policial é criminalizada. Querem seguir com o genocídio da juventude negra, periférica com a nossa anuência. Contra a barbárie, contra a indiferença imposta precisaremos ser todos/as Gabriel. Lutar pela constituição hoje é também lutar pela liberdade de Gabriel.

 

*Jorgetânia Ferreira é Docente no Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, mãe, militante do PSOL, ativista por direitos, atua no movimento feminista e movimento sindical docente.