Salvador, 470 anos: um salve à Roma Negra

Jean Montezuma, de Salvador, BA
Carybé

Tela do pintor argentino Carybé, que viveu e pintou a Bahia.

“Eu sou a sereia que dança
A destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega
Você nem chega a me ver” Caetano Veloso.
 

“Quem vai ao “Bonfim”, minha nêga,
Nunca mais quer voltar.
Muita sorte teve,
Muita sorte tem,
Muita sorte terá” Dorival Caymmi
 

Hoje uma senhora que exala história, orgulho e resistência completa 470 anos. Primeira capital do Brasil, Salvador foi fundada em 29 de março de 1549 por Thomé de Souza, sob as ordens do Rei de Portugal. Sua fundação atendia aos interesses da coroa portuguesa por garantir que essas terras do lado de cá do Atlântico não fossem perdidas para outras nações europeias. Porém, embora fundada por obra de um decreto real da metrópole, Salvador tem sua própria régua e compasso, e não são portugueses.

Salvador é uma obra do seu povo, povo que desce e sobe as ladeiras que ligam a cidade baixa à cidade alta.

Salvador é uma obra do seu povo, povo que desce e sobe as ladeiras que ligam a cidade baixa à cidade alta.Um povo que preencheu de resistência a alma de sua cidade. Um povo que nunca se  curvou, uma cidade que nunca se rendeu. Não se rendeu perante a opressão colonial, e soube organizar revoltas como Búzios. Quando a História exigiu, esteve à altura da tarefa de expulsar do Brasil as tropas de Portugal em 1823. Sem heroínas como Maria Quitéria, Joana Angélica, Maria Filipa, e tantas outras mulheres e homens daquela brava geração, não se poderia contar a História da verdadeira independência do Brasil. Essa sim, diferente do grito do Ipiranga, repleta de povo e arrancada com sangue, suor e lágrimas, como bem retratou em suas telas o genial Carybé.

Salvador é uma senhora de pele negra,  e na sua face encontramos as marcas dos séculos de resistência contra discriminação racial e luta pela afirmação das nossas raízes e manifestações culturais. É a Roma Negra que viu os Malês se levantarem em 1835, que viu as Irmandades negras serem exemplo de acolhimento, identidade racial, solidariedade e resistência cultural. No seu coração, ontem e hoje, pulsa o som dos tambores e atabaques que ultrapassam os terreiros, ganham as ruas e dão o ritmo das festas populares, como são as suas Lavagens e o Carnaval.

Nessa data dos seus 470 anos, Salvador tem, antes de tudo, de celebrar a sua história de Resistência. É tomando posse desse legado que seus filhos e filhas, dessa nova geração, poderão se colocar à altura dos desafios que o presente nos exige. Os algozes do passado deixaram seus herdeiros. Eles estão no poder e se alimentam das profundas desigualdades e das injustiças sociais que nos flagelam. Resistir aos seus desmandos e organizar o nosso revide, esse é o chamado da nossa geração. Oxalá estejamos à altura do passado de luta, da tradição de resistência, que nos fez chegar até aqui. Parabéns, Salvador.

*Historiador e membro da direção estadual do PSOL Bahia.