Na briga entre os poderes, o lado dos trabalhadores deve ser o da luta

Editorial 28 de março
Pedro Lima

Av. Paulista, 22 de março de 2019

A conjuntura mudou. E não sem o esforço, há de se reconhecer, de Jair Bolsonaro. Afinal, o presidente parece empenhado em jogar “lenha na fogueira” na crise política que ameaça paralisar seu próprio governo.

Este novo momento político, marcado por desequilíbrios e conflitos no andar de cima, abre espaço para que avancem as lutas contra a reforma da previdência e o governo. É necessário que as massas trabalhadoras e oprimidas ocupem o centro da luta política, sem isso não será possível um desenlace positivo da conjuntura, e muito menos a reversão da situação reacionária estabelecida no país.

Vejamos, abaixo, cinco aspectos que se destacam no presente cenário político e, ao final do texto, os desafios da luta da classe trabalhadora.

(1) Executivo versus Legislativo

De um lado, a extrema-direita de posse do Planalto. De outro, a velha representação política burguesa – a direita tradicional – comandando o Congresso. As duas forças estão enfrentadas por não haver acordo sobre como deve funcionar o regime, isto é, sobre qual deve ser o equilíbrio entre as instituições no exercício do poder político. Disso resulta a crise protagonizada por Jair Bolsonaro (executivo) e Rodrigo Maia (legislativo).

Quando Bolsonaro fala em nome da “nova política” está se referindo às pretensões autoritárias das forças de extrema-direita neofascista, dos militares e do comando da Lava Jato. Seu objetivo é submeter o Congresso, a chamada “velha política”, e não compartilhar o poder, tal como estabelecem as normas do “presidencialismo de coalizão”.

Desde o fim da ditadura militar, o Executivo não governa sem formar uma base parlamentar majoritária. Bolsonaro está subvertendo o modo de funcionamento da Nova República, excluindo os partidos e lideranças de ministérios e cargos, bem como se recusando a negociar a formação de uma base parlamentar para aprovar as principais medidas do Executivo.

Em resposta, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e líder do “centrão”, embora seja patrocinador e entusiasta da reforma da previdência, ameaça deflagrar uma rebelião parlamentar, barrando ou dificultando a aprovação dos principais projetos do governo.

Os grandes capitalistas e os principais meios de comunicação pressionam Bolsonaro: querem que ele recue e se dobre às negociações com o Congresso, de modo que haja estabilidade política para aprovação das contrarreformas.

Em contraposição, a base social de extrema-direita, o comando da Lava Jato (juízes, procuradores e delegados) e o próprio clã familiar de Bolsonaro (apelando ao apoio de massas por meio das redes sociais) pressionam para a manutenção do pulso autoritário. Por sua vez, o núcleo de generais, que ocupa posição central no governo, ainda não tem uma posição nítida neste conflito, assumindo, por enquanto, um papel de polo moderador. Esta função de mediação para nada significa qualquer conversão democrática dos militares – basta ver a celebração oficial do golpe de 1964 que haverá nos quartéis domingo (31). Os generais compartilham do projeto autoritário, mas se mostram preocupados em garantir a governabilidade e evitar atritos desnecessários provocados por Bolsonaro e seus filhos.

Vale registrar que os conflitos político-institucionais não se restrigem à relação entre executivo e legislativo, ainda que este seja o ponto central neste momento. Tendo o mesmo pano de fundo – a crise, pela direita, do regime político burguês -, eles também se expressam nos choques entre o STF e a Lava Jato, entre a Lava Jato e o Congresso, e no interior do próprio Judiciário (juízes de primeira instância versus ministros do STF, por exemplo).

(2) Estagnação econômica e crise social

A eleição do candidato do PSL suscitou expectativa de melhora rápida da economia. Muitos brasileiros passaram a virada do ano com essa esperança. Contudo, uma vez mais, a ilusão vai rapidamente cedendo lugar à frustração.

O resultado do PIB de 2018 foi medíocre: crescimento de apenas 1,1%. E o início de 2019 tampouco parece promissor. Os dados econômicos de janeiro, fevereiro e março indicam que teremos mais um ano de crescimento anêmico, sem qualquer possibilidade de reversão significativa da crise social.

O desemprego, subemprego e desalento seguem em patamares elevadíssimos. As gigantescas e tristes filas de desempregados que se espalham pelas cidades não nos deixam mentir. À essa realidade dramática se somam o arrocho salarial, retirada de direitos e a sensível piora nos serviços públicos essenciais – saúde, educação, moradia etc.

Este cenário de devastação social é agravado pela escalada da violência urbana. Seja pelas mãos da polícia, milícias ou do crime, o alvo principal é a população negra e pobre das periferias e comunidades.

A continuidade e o aprofundamento da política econômica fundamentada no corte de investimentos públicos (ajuste fiscal), contrarreformas sociais e retiradas de direitos acentuará a crise social que atinge o nosso povo. O mal estar social generalizado na sociedade está longe de terminar.

(3) Bolsonaro perde popularidade

Segundo a pesquisa Ibope divulgada recentemente o governo perdeu 15% de popularidade em apenas três meses. Embora Bolsonaro mantenha ainda patamar considerável de apoio, trata-se do menor índice de aprovação de um presidente no início de primeiro mandato desde Fernando Henrique.

Alguns detalhes da pesquisa merecem destaque. A queda mais acentuada da aprovação foi na faixa dos que ganham entre 2 e 5 salários mínimos, indicando declínio mais rápido do prestígio na classe trabalhadora. Por outro lado, na camada social com renda superior a 5 mínimos, é onde o presidente tem seus melhores resultados – o que sinaliza a permanência do suporte da classe média ao governo. Como era esperado, entre os mais pobres, mulheres, nordestinos e negros, Bolsonaro tem seus maiores índices de rejeição.

Se a dinâmica constada pelo Ibope se mantém, podemos ter uma trajetória de inversão em pouco meses: com a rejeição assumindo proporção semelhante ao nível de aprovação, ou até mesmo superando este último. O anúncio da reforma da previdência, o sentimento de frustração com a da estagnação econômica, as escândalos envolvendo o filho, Flávio Bolsonaro, as ligações com as milícias, as repetidas demonstrações de despreparado e incompetência, além de declarações ofensivas e preconceituosas, ajudam a explicar a desidratação precoce da popularidade presidencial.

(4) A classe dominante apoia o governo, mas emite sinais de descontentamento

Os grandes empresários e banqueiros mantém o suporte ao governo, especialmente em razão da política econômica comandada por Paulo Guedes. Há amplo consenso no andar de cima em relação à aplicação do ajuste fiscal brutal, reformas selvagens e amplas privatizações a preço de banana.

Porém, não há acordo na burguesia sobre o projeto autoritário de Bolsonaro. A maior parte da classe dominante está contra uma aventura autoritária de extrema direita que leve à derrubada do regime vigente desde o fim da ditadura. Além disso, os capitalistas se preocupam com o despreparo e a incapacidade desconcertantes demonstrados até aqui por Bolsonaro.

Não por outro motivo, a elite empresarial cortejou o general Mourão em encontro na FIESP, na terça (26). O recado implícito foi: se Bolsonaro não conseguir implementar o plano econômico ultra-liberal, começando com a reforma da previdência, e garantir a estabilidade política, pode ser descartado por alguém mais “habilidoso”.

(5) A classe trabalhadora dá o primeiro passo

Os trabalhadores acumularam derrotadas nos últimos anos. Em todos âmbitos – do econômico ao ideológico, passando pelo social e o político -, houve retrocessos para nossa classe, apesar das inúmeras e valiosas lutas de resistência que existiram.

Mas as energias não foram completamente dissipadas. Depois de um período de refluxo, o movimento organizado dos trabalhadores deu um passo efetivo no dia 22 de março. E fez isso animado pela corajosa e contagiante luta das mulheres, cujo movimento constitui a vanguarda das mobilizações e da organização popular de esquerda no Brasil.

O movimento de mulheres, com destaque o de mulheres negras, levou mais de 1 milhão às ruas no ato do “ele não” em setembro do ano passado, protagonizou importantes manifestações no dia 8 de março e no aniversário da execução de Marielle e Anderson no dia 14, quando em diversas cidades brasileiras a pergunta “quem mandou matar” foi feita publicamente, enquanto evidências circulavam, apontando a proximidade da família Bolsonaro dos agentes da execução.

O dia 22, além de ter levado às ruas setores importantes das categorias mais organizadas da classe trabalhadora, com destaque ao setor da educação, significou um avanço na construção da luta unitária contra a reforma e o governo. Praticamente todas organizações sindicais e políticas dos trabalhadores estiveram engajados nas mobilizações.

A luta dos explorados e oprimidos ainda não está no centro da conjuntura. Mas o primeiro passo foi dado. O desafio central nos próximos meses é fazer com que o movimento organizado – em frente única – consiga se massificar e, assim, ter força para barrar as reformas e abrir espaço para a derrota do governo.

É hora de avançar na disputa das massas e na construção da Frente Única

A crise instalada no andar de cima abre uma brecha para o avanço da luta social e política. É preciso aproveita-la!

A primeira tarefa consiste na disputa da consciência das amplas massas trabalhadoras e oprimidas. O sentimento de mal estar social, a impopularidade da reforma da previdência e a frustração crescente com o governo precisam e devem ser disputados pela esquerda.

É necessário explicar a todos e cada um o significado concreto da nefasta reforma da previdência, bem como a necessidade da organização e da mobilização para a defesa do direito à aposentadoria. Neste sentido, os ativistas devem aproveitar todas oportunidades, como reuniões, assembleias, panfletagens, debates, aulas, bate papos etc., para ampliar ao máximo possível o trabalho de base.

Ao mesmo tempo, é fundamental que o conjunto das organizações sindicais e políticas (centrais, sindicatos, movimentos socais, as frentes de luta e os partidos de esquerda) constituam de modo unificado um comando geral nacional para deflagrar um calendário de mobilização para enterrar essa reforma e derrotar Bolsonaro. O ponto de partida deve ser a convocação de um novo dia nacional de luta em abril, rumo à greve geral. Não temos tempo a perder!

Junto ao enfrentamento contra a reforma da previdência e demais ataques econômico-econômico-sociais do governo, é preciso manter e aprofundar a mobilização em defesa das liberdades democráticas ameaçadas. A ordem de Bolsonaro para que os quartéis comemorem o golpe de 1964 não deve ter seu significado subestimado. Neste momento, a exigência de justiça para Marielle e Anderson – quem mandou matar Marielle? – e de libertação imediata de Lula, um preso político da Lava Jato e do golpe, constituem duas bandeiras democráticas centrais.

Vamos à luta!