A crise política no Reino Unido, causada pela indefinição frente ao processo de saída da União Europeia (Brexit), que já era grande, deu um salto de qualidade nas duas últimas semanas. A Primeira Ministra Theresa May submeteu ao Parlamento Britânico, pela segunda vez, seu Projeto de Acordo para o Brexit, que também fracassou. Este Projeto, que foi feito em acordo com as autoridades da UE, havia sido derrotado pelo Parlamento Britânico em janeiro deste ano pela maior margem de votos que um Governo já teve contra na história do parlamentarismo do país. O Projeto foi derrotado porque os setores pró-Brexit o achavam muito “soft”, ou seja, que apresentava pouquíssimas mudanças na relação da Grã-Bretanha com o Bloco Europeu – além de uma importante diferença quanto à questão da fronteira com a Irlanda (na Irlanda do Norte), o chamado backstop.
Esta derrota, somada às trapalhadas do governo e uma ofensiva política da UE, colocou a situação em novo patamar. A data do Brexit, que seria dia 29 de março (na próxima semana), foi adiada – ainda sem uma data de fato definida. Existe, inclusive, a possibilidade de um longo adiamento, que incluiria novas eleições ou um novo Referendo, de forma que o Brexit pode vir a sequer se concretizar. Essa parece ser a aposta de diversos setores, políticos e empresariais, incluindo o ex-Primeiro Ministro Tony Blair – um dos arquitetos de uma megamanifestação que reuniu cerca de 1 milhão de pessoas em Londres, por um novo Referendo, no último final de semana.
Problema regimentar e nova trapalhada de May aumentam a crise, e UE aprofunda a ofensiva política
Mas nem tudo – ou melhor, nada – se deu como o planejado por Theresa May e o governo britânico. A segunda-feira começou com as negociações (pressão) sobre o ERG e o DUP para a aprovação do Acordo logo no início da semana. A meta era que tudo estivesse aprovado até a quinta-feira, dia 21/03, quando a cúpula dos países-membros da UE formalizaria o adiamento solicitado. Porém, ainda naquela tarde, o “presidente da Mesa” do Parlamento, o Conservador John Bercow, alertou que o plenário não poderia votar novamente um assunto já definido – e derrotado – anteriormente. Tal proibição é parte de uma regra do Regimento datada do ano de 1604.
O governo tinha poucas alternativas para superar o obstáculo regimentar. Uma delas seria uma manobra de “resetar a seção” do Parlamento, que consistia em “dissolver” a atual legislatura e reinaugurá-la logo em seguida. Dado o estágio de crise política e o ineditismo da manobra, que teria até de contar com um discurso formal de abertura da Rainha – foi descartado.
Outra saída seria uma alteração substancial no Acordo. Como a UE havia deixado claro que não recuaria nenhum milímetro, e não havia tempo hábil – também não foi usada. A terceira saída era aprovar uma Moção suspendendo a proibição – o que seria outra batalha política – e não havia tempo hábil ou força política para fazer isso em poucos dias. Até porque a pressão sobre as correntes que deveriam mudar de posição se enfraqueceu muito com toda essa situação.
Theresa May, então, decidiu ir a Bruxelas sem nada a apresentar. Na noite anterior à reunião da Comissão Europeia, fez um pronunciamento na TV dizendo que “estava do lado do povo” e que “os Parlamentares, por razões políticas menores, não estavam entregando o que o povo havia decidido”. Isso não exerceu qualquer pressão adicional sobre os setores que estavam contrários ao governo, e irritou profundamente seus aliados. Tal declaração foi considerada um desastre por todos os analistas políticos, e o prenúncio do fim do governo May. A própria Primeira Ministra tentou “desfazer o mal entendido” no dia seguinte, mas era tarde demais.
Na reunião de cúpula Europeia, chefes de estado como Merkel e Macron endureceram o discurso. Criticavam a postura britânica, cobravam uma posição – e chegavam a dizer que consideravam não ceder o adiamento ou condicioná-lo a diversas exigências. Ao final, a decisão foi unânime e mostrou que a UE tem uma política unificada e tomou para si a condução do processo.
Diferente da solicitação de Theresa May, de adiamento até 20/06 (sem qualquer garantia) – concederam um adiamento condicional até 22/05. A condição é que Theresa May aprove o Projeto de Acordo – ao qual não sinalizaram nenhuma flexibilização – em até duas semanas. Caso isso não ocorra – o que tem uma possibilidade bastante razoável de acontecer – a data limite para Londres é automaticamente antecipada para 12/04. Até então, os britânicos seriam obrigados a apresentar alguma saída – o que poderia ser um novo Referendo para rever a decisão de deixar o bloco.
A imprensa britânica destacava que, enquanto os europeus discutiam o futuro da Grã-Bretanha, Theresa May aguardava do lado de fora da sala. Um retrato do isolamento e desmoralização que hoje caracterizam o governo de May e seu Partido Conservador.
Pressão da burguesia e perspectivas: Aprovar o Acordo, com a saída de Theresa May
Não é novidade que, desde o Refendo de 2016, os setores majoritários da burguesia imperialista britânica são contrários ao Brexit – especialmente as versões mais “hards”de ruptura com o bloco europeu. Ela vem fazendo pressão e política desde então para, se não reverter e enterrar a decisão do Referendo, fazer com que a saída britânica do bloco seja o mais “formal” e soft possível – deixando as estruturas comercias e fiscais praticamente do mesmo jeito que estavam antes do processo. Nesse sentido, sua pressão maior no momento é que se chegue logo a uma definição de soft-Brexit, para que acabe a instabilidade política – que inevitavelmente impacta o setor econômico e financeiro.
O “Mercado” queria a aprovação do Acordo na semana passada. Quando o advogado-geral deu o parecer técnico que esvaziava os argumentos políticos de May, a Libra entrou em queda acentuada. Quando o Parlamento descartou a saída No-Deal, a Libra subiu em degrau. Pelo Twitter, podia-se acompanhar as posições da CBI – Confederação das Indústrias Britânicas – reclamando da “bagunça” com que May e o Parlamento vinham conduzindo o processo. Agora, claramente, a pressão da grande burguesia será em aprovar o Acordo e a saída “mediada” em junho – procurando fechar esse processo de instabilidade de uma vez por todas.
Uma das opções de Theresa May para sua sobrevivência política parece ser ir à direita. Se deslocaria rumo ao ERG, bancaria uma ruptrura sem acordo com a UE e se apoiaria em uma polarização Europeus e (maioria do) Parlamento contra ela e os “nacionalistas”. Para responder a isso, a CBI lançou uma nota em conjunto com a TUC – espécie de central sindical única nacional – exigindo que a Primeira Ministra não tome este caminho. De fato, Theresa May e o Partido Conservador parecem ter perdido completamente a confiança dos principais setores burgueses e imperialistas sediados no país – embora estes ainda não tenham uma alternativa política totalmente consolidada.
Partido Conservador faz manifestação por novo referendo do Brexit
No último final de semana, uma megamanifestação reuniu cerca de 1 milhão de pessoas no centro de Londres, exigindo um Novo Referendo. A manifestação contou com transmissão direta da BBC – e em sua direção política estavam velhas figuras da direita do Labour – entre elas o ex-Primeiro Ministro Tony Blair – além de políticos pró-UE do Partido Conservador e de outras agremiações.
A fala de Tom Watson – principal figura anti-Corbyn, do Partido Trabalhista, foi transmitida ao vivo (e reprisada) pela BBC. Nestas coberturas, o foco foram os elogios à UE e na exigência de um novo referendo (ou de cancelar o Brexit), e nenhum questionamento às políticas de austeridade, os cortes e privatizações. Ao que parece, a burguesia imperialista britânica está preparando o terreno para sua nova representação política.
Os setores partidários de um hard Brexit, em sua maioria, sinalizam fechar com o Acordo – pois há de fato a perspectiva de que uma nova derrota de May cause um adiamento indefinido da saída, o que provavelmente desencadearia novas Eleições Gerais no curto prazo e, mais a frente, provavelmente um novo Referendo. Além disso, o Parlamento Europeu terá eleições ainda no primeiro semestre desse ano, e um adiamento maior do Brexit obrigaria o Reino Unido a participar dessas eleições para renovar sua bancada.
Nesse sentido, toda a pressão nos últimos dias tem sido em garantir que os deputados de direita que votaram contra o Acordo mudem de posição – e o mesmo seja aprovado nessa semana. Isso evitaria tal adiamento do Brexit, os riscos de não haver Brexit algum e, principalmente, o colapso final do Governo com a convocação imediata de Eleições Gerais – o que provavelmente levaria o Labour (trabalhistas) e seu líder Jeremy Corbyn a encabeçar um novo governo. A contrapartida deste acordo seria a renúncia, após o processo, de Theresa May.
Mesmo sendo esse quadro o mais provável, não é garantido que o processo terá esse desfecho. Há um custo político para grupos como o ERG e o DUP, que vieram atacando brutalmente o Acordo e a “chantagem” da UE, votarem pelo mesmo. E, como muitas das principais votações tem se resolvido por margens bastante apertadas – pequenas quebras de votos podem ser decisivas. Aguardemos os próximos capítulos.
Eleições Gerais ou Novo Referendo? A armadilha que a Esquerda não pode cair
A manifestação do último final de semana, que levou 1 milhão de pessoas ao centro de Londres exigindo um Novo Referendo e defendendo a UE, despertou a simpatia de muitos ativistas. Após todas as derrotas de Theresa May e da direita Tory nas últimas semanas, uma mobilização daquele porte, que poderia sepultar o Brexit era um grito preso na garganta contra a extrema-direita, não só na Grã-Bretanha como internacionalmente. Vale lembrar que o Brexit foi o evento que inaugurou o fenômeno global de contestação do neoliberalismo pela direita – fenômeno que veio a gerar a vitória de Trump nos EUA e de Bolsonaro no Brasil.
Porém, precisamos ter o cuidado de não cair em uma armadilha. Primeiramente, a defesa da UE não responde às décadas de retrocesso social, com privatizações e sucateamento de serviços públicos vividos pela maioria da população britânica – assim como de toda a Europa. Isso é fruto das políticas de austeridade implementadas pela UE e sua Troika, sempre atacando os trabalhadores e a maioria da população e servindo aos bancos e aos mais ricos.
Tampouco a UE tem um histórico de defesa de imigrantes e refugiados, haja vista a calamidade humanitária em que estes vivem sob seu território, quando conseguem entrar com vida. Na verdade, foram os desgastes com estas políticas patrocinadas pela União Europeia e implementadas pelos governos neoliberais que a extrema-direita capitalizou para apresentar sua falsa alternativa, baseada em um discurso ultrarreacionário de ódio, racismo e xenofobia.
A manifestação de 1 milhão foi dirigida e patrocinada pelos mesmos setores que implementaram toda essa política, e hoje apresentam a glorificação da UE como resposta ao problema que eles mesmos causaram. A ala “liberal” do Partido Conservador, o ex-Primeiro Ministro Tony Blair e seus aliados, que ainda controlam estruturas do Labour Party, além de grandes empresários e grupos de negócios internacionais.
A Esquerda não pode entrar nessa armadilha. O momento de crise do governo e do Partido Conservador, deixando a burguesia imperialista britânica sem uma representação política sólida, apresenta desafios e oportunidades. Não é indo a reboque destes setores, e permitindo que eles ocupem esse espaço, que iremos derrotar a extrema-direita e avançar uma agenda voltada à maioria da população e os trabalhadores. Nossa resposta deve ser a exigência ao fim do moribundo governo Theresa May, com a convocação de Eleições Gerais.
A esquerda deve lutar por Eleições Gerais, Já. Por um governo Jeremy Corbyn, sem Blairistas e a Direita, com um programa anticapitalista.
Comentários