Há duas estratégias em disputa na oposição a Bolsonaro

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Há duas estratégias em disputa na oposição a Bolsonaro. Uma é defendida pelo Psol e a outra por Ciro Gomes. E o PT está dividido entre as duas. Como se resolverá este conflito dentro do PT é hoje algo ainda não resolvido.

Toda intervenção política séria deve ser orientada por uma estratégia. Uma estratégia é uma orientação de médio ou longo prazo que escolhe um fim a ser atingido. Ao longo de um período de defesa de uma mesma estratégia decorrem, todavia, variadas e diferentes táticas, de acordo com as circunstâncias. As táticas mudam, a estratégia permanece a mesma. Mas as táticas revelam qual é a estratégia.

Só é possível atribuir sentido às diferenças táticas no interior da esquerda se elucidamos a divergência de estratégia: apoiar Rodrigo Maia ou Marcelo Freixo para a presidência da Câmara dos Deputados, por exemplo, foi uma divergência tática. Mas ela obedece e só é coerente se entendemos as duas estratégias diferentes.

Qualquer organização ou liderança que age sem estratégia, portanto, de acordo com as pressões do momento, não vai muito longe, porque é errática, como a biruta de aeroporto. Acompanha as flutuações dos ventos. Não é possível a representação política de interesses de classe sem consistência, nexo, coerência estratégica..

Há duas estratégias em disputa na oposição a Bolsonaro. A primeira tem como projeto acumular força na resistência, em cada luta, para tentar impedir o governo Bolsonaro de governar. Ou seja, lutar para impedir que a derrota eleitoral se transforme em derrota social ou derrota histórica. Lutar sem trégua para enfrentar o perigo autoritário de que o regime degenere em bonapartismo militar. Preparar, portanto, as condições para derrotar e, se e quando possível, tentar derrubar  Bolsonaro e a coligação reacionária que lhe oferece sustentação nas instituições.

Não aceitar o horizonte das próximas eleições em 2022, passivamente, como referência para medir forças. Desta estratégia decorre a defesa de uma Frente Única do Psol com o PT, o PCdB, e todos os partidos de esquerda com as Centrais Sindicais e movimentos populares, feministas negros, de juventude e LGBT’s em defesa dos direitos da classe trabalhadora.

E, também, em outra chave, a unidade de ação com todos os partidos que estejam dispostos a defender as liberdades democráticas: justiça para Marielle, Lula Livre, contra as arbitrariedades autoritárias que ameaçam as liberdades.

A segunda, liderada por Ciro Gomes, unifica a maioria do PDT e do PSB e tem como objetivo se posicionar como alternativa eleitoral de centro-esquerda hegemônica no campo da oposição, deslocando o PT, para as eleições de 2022. O famoso “abraço de urso” para que o PT sequer tenha uma candidatura no primeiro turno.

Defendem que o governo Bolsonaro não é uma ameaça ao regime democrático-eleitoral. Bolsonaro e a sua coalizão seriam somente uma alternância “normal” entre governos de esquerda, centro ou direita. Desvalorizam a gravidade do ajuste estrutural que Paulo Guedes pretende realizar com a avalanche de reformas nas relações sociais de trabalho. Não considera real e iminente o perigo do governo de extrema-direita destruir, reacionariamente, o equilíbrio de poder entre as instituições; desvalorizam as ameaças autoritárias; silenciam sobre o tsunami de privatizações, e se calam sobre o espantoso peso dos militares nos ministérios. Por isso, insistem em se colocar como uma oposição que dialoga com o governo para negociar emendas a reformas como a da Previdência Social.

Essas duas estratégias são irreconciliáveis. Elas não impedem que se possa fazer alguma unidade tática. Mas são, fundamentalmente, incompatíveis.
O PT terá que decidir qual será a sua estratégia. Esse deverá ser a questão de fundo do 7º Congresso do PT.