Cidade hostil aos oprimidos

Ana Leticia*, de Belém, PA.
Ag. Pará / Rodolfo Oliveira

Como manda o figurino em uma festa de 15 anos, a 15ª edição da Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) de Belém levou colorido, música e alegria para as ruas da capital paraense na tarde e noite deste domingo (16). FOTO: RODOLFO OLIVEIRA / AG. PARÁ DATA: 16.10.2016 BELÉM – PARÁ

O cenário político em que vivemos tem impactos diretos em nosso dia a dia – principalmente para os setores oprimidos – por isso, é fundamental discutirmos o Direito à Cidade e a necessidade de cada vez mais ocuparmos os espaços públicos. A priori, o conceito de Direito à Cidade envolve diversos temas que perpassam pelo processo de urbanização desenfreada e o resultado dele, como: a intensa concentração de bens e riqueza e a desigualdade social territorial. No entanto, somente a partir de tomarmos conhecimento das diversas vivências e olhares direcionados à cidade é que conseguiremos articular a luta contra a sistemática violência do sistema capitalista, patriarcal, racista e lgbtfóbico. O mote oficial, nesse sentido, é a luta por liberdade de se expressar publicamente sem ameaça de qualquer tipo de violência e represália.

Os Movimentos Sociais, Sustentáveis, por Moradia e Populares já avançaram em alguns aspectos – ou já têm um estudo e debate mais aprofundado – no que tange o Direito à Cidade. Porém, tiveram diversas limitações em incluir em suas demandas as pautas identitárias. Isso é extremamente problemático se analisarmos que cada indivíduo tem sua vivência nos espaços públicos e urbanos e que os demarcadores de Classe Social, Gênero, Raça e Sexualidade determinam em muitas vezes como vamos ser tratados, recebidos e incluídos. Um homem branco na rua não será visto, jamais, pelos mesmos olhos que o Policial Militar olha para uma mulher negra.

Essa diferença nas vivências acontece por inúmeros fatores que envolvem uma construção social. À mulher, como exemplo, historicamente foi designado o espaço privado, o lar. Nosso fim social seria a reprodução e o cuidado com a família. Nosso único destino seria o casamento, o lar e os filhos. Com o passar do tempo e com as diversas vitórias que tivemos em nossas lutas cotidianas, hoje ocupamos os espaços públicos com mais frequência e coragem. Mas as violências físicas, morais e psicológicas que ainda sofremos nos espaços públicos, como as “cantadas”, são para nos lembrar de que esse espaço não foi feito para nós e ainda não nos serve!

Para a comunidade LGBT, tradicionalmente, sequer nossas casas nos servem. Para nós, não existe um espaço designado, sequer deveríamos existir, somos os considerados anormais, pecadores e imorais de acordo com o discurso hegemônico. Passamos pelo processo de criminalização, sendo enquadrados nos conceitos de pederastas e até pedófilos, hoje sofremos o processo de apagamento, exclusão e restrição brutal dos direitos básicos: o de ir, vir e permanecer em segurança; o de expressar nossos afetos e jeitos; o de ser quem somos e amar quem amamos. Para nos relacionar, durante a história, nos restringimos a estar nos bares escondidos, nas boates LGBTs, nos guetos, nos “inferninhos”. Ocupar o espaço público é, portanto, uma tarefa árdua e necessária, não aceitamos ficar na marginalização. Não vamos voltar para o armário!

No que diz respeito à mulher lésbica, negra, travesti e transgênero as opressões se acumulam. Andamos na rua com insegurança, sem expressar nossos afetos e com restrições de locais aos quais seremos bem vindas. Para o sistema patriarcal, nossa sexualidade pertence aos homens, não nos é permitido ter autonomia sexual, e a situação é pior ainda se a tua sexualidade é direcionada para mulheres. Os estupros “corretivos” como maneira de “consertar” nossa sexualidade é a violência mais brutal às mulheres que amam mulheres, e refletem diretamente a heterossexualidade compulsória – que normaliza e naturaliza somente a relação homem-mulher. Assim, o Direito à Cidade está intimamente ligado à superação da heterossexualidade compulsória, do sistema capitalista, patriarcal e racista, e da LGBTfobia como um todo.

Com tudo isso, fica clara nossa tarefa: ocupar e resistir. Vamos fazer como nos atos de rua desde 2017, nos quais estivemos na linha de frente da luta por direitos, igualdade e justiça. Vamos construir a Resistência LGBT, Feminista, Negra e da Classe Trabalhadora para seguir na luta com firmeza e coragem para vencer. Faremos isso pelo legado das nossas irmãs que tombaram e tombam todos os dias. Faremos isso por nós. Afirmar o Direito de Existir e Ocupar os Espaços que são nossos por direito é o único caminho possível!

A Revolução será Negra, Feminista e LGBT, ou não será!

 

*Ana Leticia é diretora do Setorial LGBT do PSOL, militante do Afronte e da Resistência/PSOL.

Foto. Parada LGBT de Belém. Rodolfo Oliveira / Agência Pará