A denominada “reforma da previdência” de reforma mesmo, a rigor, não possui nada, visto que não visa o aperfeiçoamento de um sistema previdenciário posto pela Constituição de 1988, mas, ao contrário, a substituição deste por um outro modelo, totalmente distinto, qual seja, a adoção de um modelo de capitalização da previdência, que transfere para poupança individual (gerida por empresas de previdência privada e bancos) uma responsabilidade que é do Estado. É o fabuloso negócio… para o qual o Ministro Paulo Guedes projeta um espetacular rendimento de 1 trilhão, não importa se os trabalhadores morrerem antes de se aposentarem, conforme chegou ao desplante de dizer em recente entrevista. Mas, convenhamos se visto do ponto de vista essencialmente comercial, ele falou a verdade, pois, afinal, “negócio é negócio” e o sistema econômico em que vivemos não tem como prioridade o social, ainda que tenham que contrariar a própria Constituição do país, de inspiração notoriamente social, conforme seus artigos 3, 5 e 7, dentre outros.
Como visto, não se trata, portanto, de simplesmente retirar direitos, como de fato ela exclui e muitos!, mas, para muito além disto, estamos diante de uma mudança de sistema, tal qual ocorreu também na recente e malsinada reforma trabalhista, onde foi imposto um novo regime jurídico ao trabalhador brasileiro, no qual prevalece o “negociado ” sobre o legislado, deixando o trabalhador mais desprotegido legalmente e a mercê das pressões “negociais” dos patrões. Pois bem, em outras palavras, a reforma previdenciária proposta por Bolsonaro e os Bancos propõe a prevalência da capitalização individualizada sobre a previdência pública e solidária, como suposta garantia de que, poupando, contribuindo mês a mês, ano a ano, o trabalhador terá ilusoriamente então como “recompensa contratual” sua sonhada aposentadoria.
Um absoluto engano!
O direito à aposentadoria será apenas mais um “produto” no mercado, e o Estado Social preconizado pelos quatro incisos do art. 3 da Constituição Federal, com destaque para o compromisso estatal de erradicar a pobreza e a marginalização, será substituído pelo Estado-mercado, para o desfrute de poucos. Será o fim da aposentadoria para a maioria pobre! Países como o Chile, em que tal regime foi também imposto ( neste inclusive através da sangrenta ditadura de Pinochet), hoje a maioria absoluta dos trabalhadores não consegue se aposentar, assim como os que se aposentaram recebem valores menores que o salário mínimo. Igualmente o México e Colômbia, onde sistema similar foi aplicado, 7 em cada 10 trabalhadores não conseguem se aposentar, o que será exatamente o destino dos brasileiros(as), pois, como exemplo, uma mulher que hoje se aposenta aos 60 anos se tiver contribuído durante 15 anos, caso esta reforma saia-se vitoriosa, terá doravante que trabalhar pelo menos até 62 anos (na melhor das hipóteses) e contribuir por 40 anos para receber o valor integral.
A OAB Federal, através de sua Comissão de Direito Previdenciário, já emitiu desde 2017 parecer contrário a tais mudanças, que, em linhas gerais prosseguem na mesma linha de retrocesso social iniciado pelo Ex-presidente Michel Temer, tendo sido listados 10 abusos, dentre estes, a exigência de idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, a necessidade de o contribuinte ter 49 anos de contribuição para ter acesso ao benefício integral, a redução do valor geral das aposentadorias e a precarização da aposentadoria do trabalhador rural e o fim da aposentadoria especial para professores. Além disso, o Conselho da OAB considera abusivas as propostas de pensão por morte e benefícios assistenciais abaixo de um salário mínimo, sendo que, no atual estágio da proposta, está sendo proposto até o aumento da idade mínima exigida para recebimento do benefício assistencial de prestação continuada, o BPC, que, neste caso, o governo pretende passar de 65 para 70 anos. Outro ponto também destacado pela OAB foi que as normas propostas para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres são “inalcançáveis” !
Mas não é só.
Um dos motivos que já eram alegados quando da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287/2016, o chamado deficit ou “ rombo” da previdência, para a OAB Federal e também o Conselho Federal de Economia, não existe ! Com efeito, além de usar esse argumento evidenciaria “grave descumprimento” à Constituição Federal, que insere a Previdência no sistema de Seguridade Social, juntamente com as áreas da Saúde e Assistência Social – sistema que, de acordo com a carta, “tem sido, ao longo dos anos, altamente superavitário em dezenas de bilhões de reais”, conforme vem sendo matematicamente demonstrado. E também podemos acrescentar: porque não cobram os mais de 450 bilhões de dívidas contraídas por empresas privadas perante a Previdência/União Federal? E os imorais perdões de dívidas estendidos aos bancos Itaú e Santander? E igualmente pergunta-se: porque tantas renúncias fiscais têm sido concedidas, se o problema é de “déficit”?
Destaque-se também que entidades como a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) – criticam também o mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite que 30% dos recursos da Seguridade Social sejam destinados para outros fins, “especialmente para o pagamento de juros da dívida pública, que nunca foi auditada, como manda a Constituição”; as renúncias fiscais que têm sido concedidas, a desoneração da folha de salários e os créditos tributários previdenciários que não estão sendo cobrados”.
A igualdade de tratamento também propagandeada é uma “fábula” (de mal gosto), retórica que chega a ser leviana, pois, além de segmentos como a magistratura e militares ficarem em grande parte de fora, os mais pobres é que serão de fato prejudicados diferenciadamente dos demais, a começar por sabidamente terem uma expectativa de vida menor e, além do aumento do tempo de contribuição, idade mínima, redução da pensão dos idosos (BPC) para R$ 400, ninguém em são consciência pode acreditar que será possível para o trabalhador “poupar” individualmente no proposto regime de capitalização, se temos uma mão de obra de baixíssimo salário/hora, precária, adoecida, acidentada e muito terceirizada, sendo notoriamente um dos países que pior remunera seus trabalhadores em todo o mundo, além de mais de 12 milhões de desempregados e desalentados. E o que dizer da proposta de não reajustar conforme a inflação os benefícios previdenciários ?
Por fim, é preciso lutar contra mais esta “reforma, demonstrar suas contradições e falácias, que, ironicamente, está sendo capitaneada por um Presidente aposentado aos 33 anos, favorecido pela privilegiada aposentadoria de parlamentares, e com rendimentos, portanto, muito além do teto do INSS, enfim, uma hipocrisia de quem a propõe; uma farsa sob o argumento de “déficit” e um excelente negócio para banqueiros e empresários do ramo da previdência privada. O fim da previdência pública !
Charge: Marcio Baraldi, retirado do site dos Bancários de São Paulo.
* Advogado, Conselheiro Seccional da OAB-RJ, Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, integrante da corrente Resistencia do PSOL.
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