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8M: Ninguém pode dizer que não ouviu os gritos de resistência das mulheres negras

Politiza

Jovem e mãe, Iza Lourença é feminista negra marxista e trabalhadora do metrô de Belo Horizonte. Eleita vereadora em 2020 pelo PSOL, com 7.771 votos. Também coordena o projeto Consciência Barreiro – um cursinho popular na região onde mora – e é ativista do movimento anticapitalista Afronte e da Resistência Feminista.

Quem não viu a Mangueira tomar o Carnaval ecoando “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”, contando que os verdadeiros heróis do nosso povo são pretos, pobres e índios? Ninguém nesse país pode dizer que não escutou o nosso grito de justiça por Marielle Franco. Ninguém pode dizer que não conhece Áurea Carolina e Talíria Petrone no Congresso Nacional. Todo mundo viu a Maju apresentando Jornal Nacional, todo mundo já ouviu, além do Brown, a Carol com K. Não podem dizer que não nos ouvem quando cerramos os punhos pelos nossos que morrem assassinados nas favelas, ruas e supermercados.

É que o grito das mulheres negras anda soando alto! Em 2015, a marcha das mulheres negras no Brasil levou 50 mil mulheres a ocuparem a esplanada dos ministérios [1], inspiradas nas gigantescas marchas do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que ocorreram nos EUA no ano anterior; Em 2016, começou um verdadeiro fenômeno eleitoral, que elegeu, com votações impressionantes, mulheres negras nas câmaras de vereadores de suas cidades, em alguns casos, pela primeira vez [2]; Em 2018 centenas de milhares ocuparam as ruas de muitas cidades brasileiras em protesto contra o assassinato da vereadora Marielle Franco.

Brasília – Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver em Brasília, reúne mulheres de todos os estados e regiões do Brasil (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Nos dois meses que se passaram em 2019, a voz das mulheres não brancas já ecoaram no planeta. No primeiro dia do ano, as mulheres da Índia formaram uma barreira de 620 km reivindicando igualdade. [3]

Mesmo o Carnaval, a maior festa popular do país, foi pautado pelo protesto ao governo e ao racismo. Das 28 escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro e São Paulo, pelo menos 17 tocaram no tema racial de alguma forma. A campeã no Rio foi a Mangueira contando a história do país que não está no retrato, homenageando Dandara, Luiza Mahin e Marielle Franco. Em São Paulo, quem levou o título de melhor desfile do ano foi a Mancha-Verde, contando a saga de uma guerreira negra: Aqualtune, a avó de Zumbi dos Palmares.

O PAÍS QUE NÃO ESTÁ NO RETRATO

Sobre o que estamos gritando? Em todos os lugares precisamos falar do feminicídio e genocídio da população negra no Brasil. Segundo a ONU, seis mulheres morrem a cada hora no mundo.  [4] A maioria delas oriundas da África e da América. No Brasil, morrem 13 por dia. As mulheres negras morrem 2,2 vezes mais que as outras vítimas de homicídio. Isso quer dizer que mais de 60% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Vale a pena conferir os infográficos abaixo.

Nota-se que a média dos países asiáticos e europeus são menores que a média mundial e dos países da África são muito maiores que a média mundial. Gráfico do G1, 2017.

Os perfis de pessoas encarceradas seguem o mesmo padrão [5]. Mais de 60% da população privada de liberdade no Brasil é negra. A grande maioria da população encarcerada está nessa situação por crimes de origem econômica: 37% furto e roubo e 28% tráfico. Esse último, é o principal motivo de encarceramento feminino. É importante lembrar também que mais de 68% da população feminina encarcerada é negra.

Em um país onde a população preta e pobre se encontra em situações de vulnerabilidade, o feminismo precisa ser interseccional e antirracista. A luta das mulheres brasileiras também é uma luta contra o genocídio e o encarceramento da juventude preta e periférica. Em outras palavras, a luta das mulheres negras necessariamente se encontra com a luta pela sua própria vida, assim como pela vida de seus filhos, irmãos, pais, vizinhos, amigos e companheiros. Essa luta está entrelaçada com o fim da desigualdade social, que é o principal motivo do genocídio e encarceramento em massa no Brasil.

8 DE MARÇO: O CARRO ABRE ALAS DA LUTA POR DIREITOS

O dia 8 de Março abre alas para as lutas de todos os anos. Em 2019, esse dia assume um caráter ainda mais importante por se tratar da primeira manifestação ampla diante do governo ultraconservador no Brasil.

Estamos diante de um governo que incentiva os crimes de ódio. Bolsonaro não só não possui políticas de combate ao feminicídio, ao genocídio e ao encarceramento em massa, o atual presidente do país promove políticas, como a do armamento, que significa a promoção do assassinato e do encarceramento.

E não para por aí. O governo federal possui uma agenda de retirada direitos da população o que afeta, em especial, as mulheres pobres. A reforma da Previdência pretende aumentar a idade mínima para aposentadoria das mulheres[6], além de aumentar também o tempo de contribuição mínima para aposentadoria e a idade para acesso ao Benefício de Prestação Continuada destinada a idosos e idosas em situação de miserabilidade. A reforma também prevê a redução do valor recebido na pensão por morte e o fim da acumulação de aposentadoria e pensões.

Importante lembrarmos que as mulheres negras são especialmente prejudicadas sempre que os direitos da população são retirados ou suas vidas são negligenciadas. Não nos esqueçamos do crime de Brumadinho, em que a Vale matou mais de 300 pessoas – em sua maioria trabalhadores e trabalhadoras que deixaram suas filhas, companheiras e familiares desamparadas.

A LUTA FEMINISTA INTERNACIONAL

Há quem diga que estamos diante de uma nova onda do feminismo internacional. Um feminismo interseccional, antirracista, contra os muros e as fronteiras, contra o encarceramento em massa e linha de frente contra os governos da extrema-direita.

Pelo terceiro ano seguido, mulheres de diversos países fazem um chamado pela paralisação internacional de mulheres no dia 8. Em 2017, o chamado para a greve internacional de mulheres foi “Se nossas vidas não importam, que produzam sem nós”. No ano passado, o grito feminista diante da crise econômica mundial e a superexploração das mulheres continuou e centenas de mulheres cruzaram os braços na Argentina, Itália e Espanha.

Vale lembrar que levantes feministas acontecem no mundo inteiro: só no ano passado mais de um milhão de mulheres foram às ruas Argentinas pela legalização do aborto, que chegou a ser aprovado na Câmara dos Deputados mas foi barrado no Senado; as mulheres chilenas ocuparam universidades em todo o país por uma educação não sexista, aqui no Brasil fizemos gigantescas manifestações pelo #elenão e as estadunidenses seguem realizando a marcha das mulheres contra Trump.

Há resistência internacional contra o Conservadorismo e em defesa dos nossos direitos. Mulheres do mundo inteiro tem se unificado em uma articulação feminista internacional, que prioriza o olhar para os países do Sul, em uma perspectiva anticolonial e anticapitalista. O Manifesto por uma Articulação Internacional Feminista já foi assinado por figuras como Angela Davis, Jupiara Castro e Sônia Bone Guajajara. Você também pode assinar.

NA LUTA É QUE A GENTE SE ENCONTRA

Hoje será um grande dia de manifestações em todos os estados brasileiros. Estaremos nas ruas reivindicando igualdade e não descansaremos. No próximo dia 14 completamos um ano sem Marielle. Em todas as regiões do Brasil, já tem atos marcados em busca de justiça. Até hoje os assassinos da Vereadora do Rio não foram encontrados. Nós queremos saber quem mandou matar Marielle e não dormiremos até virar o jogo contra a política genocida que executou nossa companheira.

Apesar dos dias difíceis, sabemos que na luta, de braços dados, encontramos forças para continuar. Unidas seguiremos em frente contra o machismo, o racismo e a desigualdade social.

NOTAS

1 – Segundo a Organização das Nações Unidas

2 – Aurea Carolina, em Belo Horizonte, Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e Talíria Petrone, em Niterói (RJ)

3 – Para ocupar essa quilometragem a estimativa é que é necessário muito mais que 1 milhão de mulheres juntas.

4 – Dados de 2016 segundo o Atlas da Violência do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

5 – Dados de 2016, segundo o Departamento Penitenciário Nacional

6 – As mulheres conquistaram o direito de aposentadoria por idade menor que a dos homens devido a dupla jornada de trabalho que recai sobre as mulheres.

Marcado como:
8M / mulher negra