A Estação Primeira de Mangueira foi campeã do carnaval! Até aí, nada de extraordinário, estamos falando de uma das maiores e mais tradicionais escolas de samba que chega nesse ano ao seu vigésimo título (a Portela é a escola que levantou mais vezes o troféu, 23 vezes). É portanto, perfeitamente natural que essa agremiação vença o carnaval em alguns anos.
Mas nenhum carnaval é igual ao outro, a cada tem uma história diferente. Ano passado, Paraíso do Tuiuti, vindo do grupo de acesso surpreendeu a todos denunciando o golpe e fazendo chacota da direita e do governo Temer. Não ganhou, ficou em segundo lugar, mas foi a campeã moral do carnaval.
Neste ano, a verde rosa soube interpretar o que era mais caro para aqueles que com braços fortes e mãos calejadas são e sempre foram a alma do samba. Desde 2013 temos visto no Brasil o fortalecimento do pensamento de direita, a ascensão do ódio, do fascismo, do machismo, racismo e intolerância. Como não víamos há muito tempo, vemos monstros saírem dos esgotos para defender abertamente o genocídio da população negra, a perseguição às mulheres, a exaltação de torturadores entre tantas tragédias políticas e culturais.
Vimos a ascensão de movimentos de ultradireita tais como o MBL e Movimento Escola Sem Partido, que atacam a escola e a educação, tentando criminalizar o pensamento crítico e colocam assassinos como Ustra num pedestal.
A Mangueira trouxe um enredo que exaltou a negritude. Que se propôs recontar a história sob prisma daqueles que a direita sempre odiou e quis mal. Colocou nobres e padres como como seres pequenos, ao lado de gigantes negros e índios. Trouxe Marielle para a avenida junto com Zumbi e Dandara (sua companheira), e num ápice de criatividade e ousadia levou para a Sapucaí uma versão da bandeira nacional pintada em verde e rosa e no lugar de “ordem em progresso”, pôs: “índios, negros e pobres”.
A vitória da mangueira só veio a exaltar um carnaval que colocou Bolsonaro e seus asseclas no devido lugar, os protestos contra o presidente se ouviram em todos os cantos do país, as hashtags #EiBolsonaroiVaiTomarNoCu #EiBolsominionVaiTomarTambem subiram aos trends topics, nesse último dia competindo duramente com #ImpeachmentBolsonaro e nesse momento com #MariellePresente.
Tudo isso não é sem motivo. Quanto mais as forças do atraso e da intolerância atacarem os valores do humanismo e a esquerda de uma maneira geral, nada mais farão que colocar no centro do debate político aquilo que querem destruir. Quanto mais nos atacam, mas abrem espaço para nossa reação. Não se pode matar a esperança e a resistência, Bolsonaro, Olavo, Frota e cia, obviamente são burros demais para entender isso.
A vitória da mangueira, com o enredo “A História que a História não Conta” foi desde o primeiro momento saudado por multidões, exatamente por valorizar todo o potencial de criticidade e de libertação que pode ter o ensino livre e correto da história.
E o seu título vem no momento em que ainda estão nas redes as afirmações do presidente de que o país gasta demais com educação e que vai combater a “doutrinação de esquerda”.
Saudamos a vitória da mangueira, e também o grande enredo da Paraíso do Tuiuti, precisamente porque nesse momento estas escolas fizeram mais que um carnaval. A mangueira conquistou mais que um título, deu um formidável tapa na cara de toda a direita mais ressentida e desaforada, mostrando que o samba nasceu nas senzalas e as escolas como a Mangueira, nos morros e comunidades, a partir de gente digna e trabalhadora.
Em 2019 tal como em toda a ditadura militar e nos momentos mais difíceis da humanidade os artistas de verdade sempre serão nossos. Num tempo onde as pessoas são encorajadas a não amar, a poesia ainda há de carregar sonhos e luzes para o grande rio da história.
Obrigado Mangueira,
Obrigado Marielle,
Vencemos juntos nesse carnaval e venceremos juntos nas ruas e salas de aula o fascismo, o patriarcado e medo de amar.
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