Março é o mês do carnaval e de atos nos dias 8, 14, 22 e 25/03
Em 2019, de ponta a ponta, março será um mês de muita gente na rua.
O carnaval é só o primeiro e mais lúdico momento para isso. Brasileiras, brasileiros e turistas de outros países, em geral, clamam pelo carnaval o ano inteiro. Durante o evento, saem de casa durante duas semanas, um pouco mais ou um pouco menos, em pestanejar. Saem para marchar, dançar, cantar, gritar, ouvir todo tipo de música e multiplicar dezenas de manifestações culturais. Com fantasia, sem fantasia e até sem roupa, vale tudo para festejar. É tempo de alegria e mais liberdade, de beijar na boca, celebrar as diferenças e a diversidade. É carnaval de rua, de bloco, de trio elétrico, de clube, de rico, de pobre, de todo mundo junto e até de retiro espiritual.
Baile das Kengas, em Natal, RN. Foto: Marlio Forte
Mas o carnaval não são só confetes. É também pura contradição e desigualdade.
Ao mesmo tempo em que prefeituras e governos estaduais, sob a desculpa da crise, atrasam salários de trabalhadoras e trabalhadores e deixam à míngua políticas públicas de saúde, educação, trabalho, emprego e renda, “surge” dinheiro para pagar cachês altíssimos para atrações nacionais. Ao mesmo tempo em que mais homens se desprendem de parte de seus padrões machistas e experimentam, parcialmente, a feminilidade travestindo-se durante o carnaval, é também nessa época em que se registra um aumento de cerca de 20% da violência sexual contra as mulheres em relação a outros períodos do ano, segundo dados oficiais do governo federal. Ao mesmo tempo em que diversos bloquinhos se denominam LGBT ou “gay friendly” e que é mais comum ver, nas ruas, pessoas LGBT de mãos dadas ou trocando afeto, não são raros os casos de LGBTfobia, com violência simbólica e física.
Nesse cenário de contradições, ficam cada vez mais para trás as marchinhas racistas, como “O teu cabelo não nega”, as machistas, como “Dá nela”, ou as LGBTfóbicas, como “Maria Sapatão” e “Cabeleira do Zezé”. Mas, claro, outros “hits” contemporâneos discriminatórios surgem para substituí-las. Além disso, as práticas de violência ainda ocorrem aos montes nas ruas da folia.
Por isso, inclusive, o carnaval segue como alegria, mas é cada vez menos anestesia, pão e circo. Tem sido – e este ano deve ser mais! – palco para blocos e campanhas contra os que nos exploram e nos oprimem. Campanhas contra LGBTfobia, racismo e machismo devem tomar as ruas, samba-enredo, fantasias, adesivos e até tatuagens temporárias de carnaval. O mote “não é não” contra o assédio sexual de mulheres deve ganhar muito espaço e força, principalmente com a proximidade do Dia Internacional da Mulher, no 8 de março.
Por falar em 8 de março, temos que aproveitar essa disposição para mobilizar essas milhões de carnavalescas e carnavalescos a ocuparem as ruas pela vida das mulheres. Em todo o mundo, as mulheres estarão em luta contra o machismo e por seus direitos. No Brasil, serão, em quase todos os estados, mulheres contra Bolsonaro, contra a reforma da previdência – que ataca todo mundo, porém ainda mais as mulheres –, pela democracia e em memória de Marielle Franco.
Banner produzido pela organização do ato do 8M em Natal/RN
Ainda na linha das lutas das mulheres e de todas(os) nós, as ruas também devem ser tomadas no dia 14 de março, quando completa um ano da morte, sem respostas, de Marielle, brutalmente assassinada pelo que defendia em seu mandato de vereadora (PSOL/RJ), por sua luta pelos direitos humanos, inclusive de policiais. Morta, provavelmente, por ser um alvo julgado menos visível e menos importante pelos que mandaram matá-la: mulher, negra, lésbica e moradora da favela da Maré. Serão chamados atos em todo o país e aquelas e aqueles que se sentem sementes precisam ocupar e cobrar: quem matou Marielle e Anderson? Quem mandou matar Marielle?! Mais uma vez, a disposição do carnaval precisa servir de combustível.
Em meio às bandeiras do mandato de Marielle, os direitos trabalhistas ocupavam lugar central. Ela se posicionava contra a reforma da previdência pautada no último respiro conciliatório de Dilma antes do golpe e, com mais força, na proposta que ganhou piores contornos na gestão de Michel Temer. Seguindo o ritmo das lutas das mulheres e pela memória de Marielle, as centrais sindicais estão organizando atos em várias partes do Brasil contra a reforma da previdência do governo Bolsonaro no dia 22 de março.
Marielle Franco, em ato contra a reforma da Previdência de Temer. Foto: PSOL/RJ
Pensava que só iria marchar no carnaval? Nada disso. Vamos guardar pernas para o 22M, que, em sendo forte, pode barrar, mais uma vez, esse projeto absurdo, como fizemos em 2017.
Mesmo que intensas – e, aparentemente, cansativas – não temos alternativas: as lutas deste março não podem parar por aí! Não podemos perder o fôlego, e ainda temos que encontrar um espacinho nas nossas agendas para pressionar o STF a retomar o julgamento da criminalização da LGBTfobia. Quatro dos 11 ministros já votaram favoravelmente até a última sessão no dia 21/02. Mas o julgamento foi suspenso pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. O ministro afirmou que, em razão do tempo que o plenário dedicou para debater o tema, mais de 30 processos deixaram de ser votados. Essa avaliação é muito problemática! Em primeiro lugar, porque dela se infere que a LGBTfobia é um tema menor que merece menos discussão que outros processos e, em segundo lugar, porque não nos interessa discussão sem resultado e, principalmente, se este não for o da criminalização da LGBTfobia, o que ainda não ocorreu de fato.
Não há data marcada para uma nova sessão do STF para julgamento da questão e, pior, as especulações de bastidores apontam a possibilidade de, em sendo marcada a nova sessão, algum dos ministros pedirem vista do processo, o que adiaria mais uma vez a votação. Seria uma estratégia para evitar o embate real do STF com o Congresso e com o governo Bolsonaro. E isso não podemos aceitar parados e calados!
Por isso, será necessário organizarmos atos no dia 25 de março, que, além do inusitado dia da constituição federal, é também o Dia Nacional do Orgulho LGBT. Assim, numa intensa mobilização nas redes e nas ruas chamaríamos outros setores da classe trabalhadora para estarem com a gente: pessoas LGBT pela criminalização da LGBTfobia, contra Bolsonaro e a reforma da Previdência.
Se captarmos a linha contínua entre o carnaval e essas lutas, se entendermos como um movimento tático para todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores, sejam mulheres, LGBT ou não, nos somaremos a essas iniciativas para valer diante dos que nos atacam.
Que o carnaval sirva como inspiração, descanso e impulsão para nos engajarmos com a disposição necessária!
Oh, abre alas que nós vamos passar. Já a reforma da previdência, o machismo, racismo e a LGBTfobia: não passarão!
*Víctor Varela é pedagogo da UFRN, comunicador, militante do Coletivo LGBT Leilane Assunção e do PSOL/LSR
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