Nesta quarta-feira, dia 20, o Marrocos viveu um dia de greves, paralisações e atos por todo o país. A data do 20 de fevereiro marca justamente o início das manifestações da primavera árabe em solo marroquino há oito anos.
Naquela época, o reino no norte da África foi sacudido por milhões de pessoas que tomaram as ruas, exigindo reformas democráticas e mais igualdade social. As fortes manifestações no país não foram capazes de derrubar a monarquia, como chegou a acontecer com a derrubada dos ditadores em países vizinhos, como Tunísia e Egito. A elite do país buscou acalmar as ruas, atendendo a algumas vontades populares, já no mês seguinte, em março de 2011. Uma nova constituição foi criada no país, e o partido de oposição, o Justiça e Desenvolvimento, de orientação islâmica moderada, venceu as eleições parlamentares.
Oito anos depois, a realidade do povo marroquino não melhorou. Na maioria das regiões do país o abuso policial se torna cada vez maior, como forma de reprimir as incessantes manifestações. A falta de água e energia, o desemprego, o crescimento da pobreza fruto de reformas neoliberais e a frustração são abundantes. Assim como os protestos.
O Marrocos ostenta a marca de diariamente ver 48 manifestações diárias, seja de vias fechadas, seja de atos de ruas, ou novas categorias de trabalhadores entrando em greve, ou de mulheres pedindo o fim da violência sexual.
Dessa forma, o ano começou com o uma importante greve geral nos dias 2 a 4 de janeiro, convocada ainda em novembro de 2018 pela União Trabalhista Marroquina (UMT) e pela Confederação Democrática dos Trabalhadores (CDT), e outras centrais menores e federações específicas.
Dentre as diversas manifestações desta semana, se destacam as dos profissionais de educação. Milhares de professores, vestidos de branco, cor que, de acordo com a tradição do país, os professores vestem ao dar aula, vieram de todo país para uma grande marcha na capital Rabat, em busca de aumentos salariais e criticando a atual lei para professores substitutos, que não cobre assistência médica, nem a aposentadoria.
Os professores substitutos e sua Coordenação Nacional de Professores Marroquinos (CNPCC), que completam uma semana de greve nesta sexta-feira, eram a vanguarda do movimento. Estes não têm direitos nem proteção por meio da Lei Trabalhista. Além dos contratos para os professores substitutos não cobrirem a assistência médica, plano de saúde, e a aposentadoria, estes podem ser demitidos a qualquer momento e sem reparação.
A manifestação dos professores ultrapassou a pauta da educação e sindical do movimento, se transformando num verdadeiro movimento com amplas pautas. Os cartazes e as palavras de ordem do movimento iam desde “não aos desmanches das escolas públicas” e de “exigirmos salário justo”, passando por cartazes e gritos que se tornaram tradicionais nos protestos de 2011, e chegando no “abaixo a ditadura”, pedindo uma verdadeira mudança no regime no país do norte da África.
Quando chegaram diante do Palácio Real do governo, os manifestantes foram surpreendidos pela rua lotada de carros de polícia. As forças de segurança marroquinas iniciaram uma forte repressão. Canhões de água foram disparados, e a polícia com seus cassetetes impedia o protesto de continuar. Centenas de professores ficaram feridos.
Em outras regiões da cidade outros protestos de diferentes categorias aconteciam, assim como em outras cidades como Casablanca, Marraquexe, Tânger, Larache, Fez, Sefrou entre tantas outras. A União Geral dos Trabalhadores Marroquinos (UGTM), a Federação Democrática do Trabalho (FDT), assim como a UTM e CDT convocaram paralisação geral no setor público e marchas em memória ao 20 de fevereiro de 2011, e em confronto com a atual situação do país, exigindo mais reformas democráticas e melhorias econômicas.
O atual estágio do Marrocos é de intensa mobilização social. A luta de classes borbulha e ferve em temperatura máxima no subsolo e tudo indica que irá explodir gerando manifestações, protestos e confrontos entre os movimentos sociais e as forças governistas e que sustentam o regime real.
Em comparação com os protestos de oito anos atrás, podemos identificar algumas diferenças. A primeira é que o Marrocos, assim como outros países do norte africano, assistem a um crescimento de luta por direito das mulheres, com federações, associações e figuras públicas feministas, como nunca antes visto na região. O combate contra o assédio, violência sexual, igualdade jurídica e salarial faz com que o movimento de mulheres trabalhadoras seja uma força real no jogo político marroquino. Uma outra e importante diferença de 2019 com 2011, é que este ano os sindicatos e centrais sindicais estão mais organizados e com uma influência maior no conjunto da classe. Isto acaba por diminuir a influência de movimentos religiosos islâmicos. A própria experiência da classe com o Partido Justiça e Desenvolvimento serviu para isto. Assim como, a experiência ganha nos confrontos de rua em 2011, nas negociações e mentiras feitas pelo governo, faz com que o movimento de massas que se gera não tenha nenhuma ilusão em novas promessas vindas do palácio real.
Nosso distanciamento da realidade marroquina impede uma leitura mais detalhada sobre o funcionamento, burocratização e radicalização dos sindicatos e centrais sindicais do país. Porém, é importante acompanharmos os movimentos dos trabalhadores marroquinos, pois, assim como na Tunísia, estes podem dar um novo fôlego para a luta de classes na região, e servir para a experiência coletiva do movimento de massas no norte da África e Oriente Médio, que é um vulcão pronto para entrar em ebulição.
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