Sou esquerdista mesmo e nessas férias, depois de muito me mandarem, fui pra Cuba, em minha primeira viagem internacional. Fui com minha filha e filho, para casa de um amigo que lá reside com sua companheira. Uma vez esclarecido esse meu ponto de vista “ideológico”, que só a esquerda tem, porque a direita é neutra e “sem partido” (sqn), devo dizer que Cuba me impressionou muito positivamente.
Achei o povo muito parecido com o brasileiro. Com a diferença que grande parte da população fala espanhol e inglês e eu sigo falando português, que é a única língua na qual sou fluente. Neste sentido é preciso destacar que a ilha é campeã em educação. Zerou o analfabetismo, os/as cubanos/as tem o dobro do número de anos de estudo em relação à média da América Latina e têm notas bem altas em exames internacionais. A educação em Cuba é pública, estatal, gratuita desde a educação infantil à universidade.
Poderíamos dizer que não é um ensino que incentiva a criatividade, mas o Brasil tem que melhorar muito antes de ter moral para criticar o sistema cubano. O Brasil tem feito um investimento constante para fazer fracassar a escola pública brasileira. Com a Emenda Constitucional 95 do governo Temer e todas as iniciativas do velho governo Bolsonaro, o desmonte da escola pública é um projeto prioritário dos que governam o nosso país.
Vamos falar de Cuba: O que dizer de um país que valoriza sua história e, tendo feito a revolução socialista em 1959, preservou seu patrimônio arquitetônico tornando Havana, uma das cidades mais lindas que já vi, muito apreciada pelos turistas do mundo todo? A cidade tem mais de 900 monumentos, fortificações, igrejas, museus, galerias de artes e praças, sendo classificada como Patrimônio Mundial pela Unesco. É bom ver gente pobre morando nas áreas centrais da cidade, nos casarões antigos, muitas vezes em famílias ampliadas, e isso foi possível porque com a Revolução houve estatização de imóveis e os antigos inquilinos se tornaram proprietários das casas. O problema da moradia continua existindo, mas a maior parte da população não paga aluguel.
Havana é intensa. A cidade vibra com as diferentes manifestações artístico-culturais, para delírio de turistas e da população local – que tem acesso à cultura a preços módicos (já os turistas pagam preços mais salgados). Chamou a atenção, durante a viagem, a multidão presente na 24ª Feira Internacional do Livro de Havana, realizada na Fortaleza de San Carlos de La Cabaña e em diversos bairros da cidade; os livros são muito acessíveis à população. Um lugar especial que visitamos foi a Fábrica de Arte, um espaço multifuncional com exposições, shows. No dia que estivemos lá vimos uma bela exposição com corpos nus, retratada a diversidade humana, étnica e etária, e um belíssimo show de jazz. Com vários ambientes, a casa ainda tinha música eletrônica, filmes, lançamentos de livros e muito mais.
Poderíamos falar de vários aspectos que me impressionaram em Cuba. Apesar do bloqueio econômico, a ilha tem resistido e oferecido à população uma qualidade de vida melhor que o mundo capitalista. Além do bloqueio econômico, Cuba sofre forte oposição política. Os adversários do regime destacam a ausência de liberdade, de novas tecnologias, a falta de alimentos… é verdade que há dificuldade para conseguir alguns tipos de alimentos, mas existe um sistema de distribuição, no qual cada família recebe mensal e gratuitamente uma cesta de alimentos, que são anotados em uma livreta.
Estes não são suficientes para todo o mês, mas toda população os acessa. Para garantir a subsistência, as pessoas compram alimentos, com os baixos salários que recebem, plantam hortas, criam porcos e galinhas (as livretas parecem as cadernetas que usávamos na minha cidade no interior de Minas Gerais, e que certamente ainda são usadas em muitos lugares no Brasil, para compras a prazo). Minha filha, que é vegana, ficou feliz ao saber que em Cuba não se cria gado para o abate (o espaço que seria necessário para o pastoreio é usado para plantar comida para a população) e, por isso, a carne vermelha é mais rara, cara e importada.
A maioria da população consome porco e galinha e, enquanto estávamos em Cuba, também estava difícil o acesso a ovos. A nossa vegana achou que a ilha é um paraíso. De acordo com dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) o consumo de carne vermelha é o principal responsável pelo desmatamento das florestas no Brasil, por isso a diminuição do consumo tem uma contribuição muito importante para a questão ambiental.
Também é verdade que a liberdade em Cuba é restrita. O socialismo precisa discutir e aprofundar a discussão da democracia. Mas no capitalismo não há, a meu ver, nem liberdade nem democracia. Andando pelas ruas de Havana, durante o dia ou à noite, a pé, ônibus, táxi eu e minha família nos sentimos livres. A primeira liberdade é o direito à existência e em Cuba não tínhamos medo de perder nossas vidas, uma vez que a taxa de homicídio lá é muito inferior à média dos países da América Latina. A apregoada liberdade de ir e vir, tão importante no ideário liberal e ao mesmo tempo tão falaciosa (a exemplo do muro que Trump insiste em construir para impedir mexicanos/as de migrarem) é mais verdadeira em Cuba do que no Brasil.
E os liberais querem falar de liberdade para os ricos fazerem o que quiserem, querem uma liberdade de comércio – relativa, porque quando seus negócios fracassam, buscam o apoio do Estado para arcar com os ônus de suas escolhas (as compras do café dos latifundiários brasileiros pós crise de 1929 e dos bancos falidos nos anos 90 do século XX exemplificam a relação que as elites no Brasil têm com o Estado). Continuemos a pensar sobre isso: é possível falar de liberdade sem direito à alimentação? No mundo capitalista 820 milhões de pessoas passam fome. Em Cuba há a garantia de uma quantidade de alimentos para todas as pessoas, com prioridade na distribuição para escolas, crianças e doentes.
Como pensar em liberdade sem a garantia ao direito à saúde? Podemos falar em liberdade quando temos uma doença, procuramos um hospital e não somos atendidos/as? Em Cuba a saúde é pública, gratuita e prioritária. Área destacada do regime em curso, não só garante o direito à saúde da população cubana, mas também há solidariedade internacional, enviando profissionais de saúde para mais de 70 países, como foi a participação cubana no “Mais Médicos” no Brasil (infelizmente, a parceria foi encerrada pelo velho governo Bolsonaro). Já foi melhor a saúde em Cuba, mas o bloqueio econômico e a queda da URSS tiveram um peso na ilha como um todo e na qualidade das políticas oferecidas. No capitalismo, porém, a saúde é uma mercadoria que nem os que tem planos de saúde acessam como a população cubana acessa. Eu não quero a minha saúde na mão de quem quer ganhar dinheiro com a minha vida. Saúde, educação, segurança, alimentação, previdência não podem ser mercadoria.
Cuba é uma ilha, mas não vive isolada. Em um mundo globalizado está difícil manter a Revolução sem amparo internacional. O capitalismo venceu no campo de valores como se fosse o único e melhor jeito de organizar a vida em sociedade, mas produz miséria, desigualdade, violência para as grandes maiorias que somos nós. Ali, próximo aos EUA, México e Haiti tem um povo que lutou por sua autodeterminação e que resolveu organizar a vida de uma outra maneira. Apesar de todas as dificuldades – e elas não são poucas, destacando as opressões e as questões de gênero, que ao contrário do que se pensa, a Revolução Socialista não resolve automaticamente – tem-se um alento. O capitalismo é histórico e social. Podemos construir o mundo de uma outra maneira, que não seja baseado na exploração das pessoas. Eu chamo isso de socialismo. Vamos construí-lo? Vá pra Cuba.
A autora é militante do PSOL e docente do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia
*O texto reflete a opinião da autora e, não necessariamente, a linha editorial do Esquerda Online
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