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MUNDO

Egito: Reformas na Constituição podem deixar al-Sisi no poder até 2034

Por: Gabriel Santos, de Marechal Deodoro, AL

O parlamento egípcio iniciou, nesta quinta-feira (14), um processo de reforma constitucional que tem como principal objetivo ampliar o limite de mandato do presidente do país. A mudança faria com que os dois mandatos de quatro anos se transformassem em dois mandatos de seis anos, e traria uma cláusula especial, permitindo unicamente ao atual presidente Abdel al Sisi concorrer outras duas vezes às eleições para efetuar uma transição, podendo acumular quatro mandatos seguidos. Dessa forma, al Sisi, que chegou ao poder após o golpe militar de 2013, pode permanecer no controle do país até 2034. Al Sisi quer ser um faraó dos tempos modernos.

A votação no parlamento aconteceu sem nenhuma surpresa. A maioria dos deputados segue as ordens do ex-marechal. Ao todo, 485 deputados votaram a favor da reforma constitucional, e somente 16 se colocaram contrários. É muito provável que o próprio Al-Sisi tenha proposto as modificações, cabendo apenas a um grupo de 120 parlamentares fazer a apresentação da mesma formalmente no plenário da Câmara.

A nova constituição também prevê que 25% das cadeiras do parlamento devem ser ocupadas por mulheres, e designa mais poderes ao presidente, dando a este o dever de examinar a legislação antes que ela seja votada no parlamento como lei, assim como declara o presidente “guardião e protetor” militar da democracia, do Egito e da constituição. As Forças Armadas também recebem mais poderes com os tribunais militares tendo mais liberdade para efetuar o julgamentos de civis.

O presidente teria o poder de nomear os principais juízes e contornar a supervisão do judiciário ao examinar a legislação preliminar antes que ela seja votada como lei. As emendas declaram o “guardião e protetor” militar do país do estado egípcio, a democracia e a constituição, ao mesmo tempo em que concedem aos tribunais militares uma jurisdição mais ampla para julgar civis.

Agora as mudanças na constituição irão ser avaliadas por uma comissão especial de parlamentares, novamente controlada pelas forças governistas, para ser posto novamente em votação no parlamento e então passar por um referendo popular. Todo este trâmite deve durar no mínimo três meses.

Grande parte dos partidos de oposição foram postos na ilegalidade, em especial os de ideologia islâmica, como a Irmandade Muçulmana do ex-presidente Mohammad Mursi, maior partido do país, com grande apoio popular e de uma imensa história, tendo sido fundado em 1928, e foi proibido após o golpe de 2013. Mais de 300 membros da Irmandade foram presos logo após o exército derrubar Mursi. No ano seguinte, a Justiça do país, em um controverso julgamento condenou à morte 529 membros do grupo que tinham sido acusados pelo assassinato de um policial. Um detalhe. Como se já não fosse absurdo, 529 pessoas serem condenadas pela morte de uma, todo o julgamento, onde deveria ter sido avaliado qual a relação destes 529 nomes com o assassinato, durou apenas dois dias, menos de trinta horas.

O governo de Al Sisi

A situação econômica do país não é das melhores, a inflação voltou a crescer, o PIB diminuiu, e o desemprego passa os 10%. Apesar disso, é muito mais estável que durante os conturbados meses que antecederam e que sucederam o golpe de 2013. E isto dá uma sobrevida a Al-Sisi, que busca construir uma nova capital para o país. Uma megacidade no meio do deserto, que custaria mais de US$ 4 bilhões.

Com sonhos de megaprojetos, o ex-marechal do Exército busca entrar para a história do Egito. A propaganda do governo faz com que o rosto de Al-Sisi esteja em toda esquina da capital. É impossível caminhar pelas ruas do Cairo e não se deparar com o presidente. Ele é quase onipresente. Nas casas, postes, em bandeiras penduradas nas janelas de prédios públicos, nos muros, o rosto de Al-Sisi é colado e espalhado por meio de diversos cartazes. Os retratos são acompanhados de frases como “Em Sisi podemos confiar” ou “Al-Sisi, a Águia dos Árabes”.

Diferente de Mubarak, al Sisi tem uma vida mais discreta. Usa ternos sóbrios, não costuma usar seu uniforme militar, e sempre aparece de óculos escuros. É um muçulmano devoto, praticante das cinco orações diárias. Diariamente, entra por meio da televisão nas casas dos egípcios, com seus longos discursos de tom paternalista evocando uma unidade nacional. Al-Sisi nunca perde uma oportunidade de aparecer em público, seja para inauguração de uma simples obra, ou fazer um pronunciamento sobre economia. Ele gosta do palco e quer ocupar todos os espaços.

Al-Sisi, nas Forças Armadas desde os 20 anos, anteriormente ocupava o cargo de chefe militar, e foi dirigente e principal rosto público do golpe militar que derrubou Mursi. O golpe foi apoiado por uma parcela considerável da população, visto o desgaste do então presidente da Irmandade Muçulmana, o primeiro a ser eleito em eleições diretas e livres na história do país. Uma das primeiras declarações de Al-Sisi após a derrubada do presidente eleito com menos de um ano de mandato foi “Consideramos suspensa a Constituição”. Assim, o marechal liderou uma junta militar que organizou eleições para o ano seguinte e, sem nenhuma surpresa, Al-Sisi foi eleito com 96% dos votos, em um processo conturbado no qual já existia perseguições e proibições de opositores.

Somente durante o período em que a junta militar atuou, antes da primeira eleição de Sisi, 2528 pessoas foram assassinadas em protestos. Outras 600 foram condenadas à morte por fazer parte de grupos opositores, em especial do Irmandade. As prisões egípcias receberam 100 mil pessoas que foram detidas por protestos contra o novo governo. Em 2014, as prisões políticas não pararam, e aconteceram mais de mil condenações a pena de morte. Mais de 15 mil civis passaram por tribunais militares durante o primeiro mandato de Sisi, entre estes estão centenas de crianças, de acordo com a ONG Human Rights Watch.

Ano passado, em 2018, Al Sisi se reelegeu presidente com mais de 97% dos votos. Porém, a imensa maioria do país não foi às urnas, houve mais de 50% de abstenção e um imenso número de votos anulados. Sisi teve 12 milhões de votos, algumas milhares fraudados. Seu único opositor teve 600 mil. Para se ter uma ideia, muitos egípcios divulgaram nas redes sociais as cédulas de votação escritas com nomes de estrelas do cinema americano ou de grandes jogadores de futebol. O atacante egípcio que atua no Liverpool, conhecido por seus gols, carisma, vasto sorriso e seus belos cachos, teve mais de um milhão de votos colocados na urna com seu nome, o que o daria o segundo lugar de uma eleição totalmente fraudulenta.

A grande maioria dos egípcios está cansada do atual regime de Sisi, e viu no boicote às urnas, ou nesta forma cômica de votar, uma forma de protesto.

Os adversários do presidente melhores postulados para as eleições foram proibidos de concorrer pela Justiça ou foram presos, sem falar nos partidos que foram tornados ilegais.

O regime egípcio é exemplo do que é um regime bonapartista. Al Sisi, busca ser o grande líder da nação, o homem iluminado, um espécie de Bonaparte, ou melhor de um Faraó. As liberdades democráticas são fortemente atacadas, a imprensa e a mídia está sob controle do governo, as manifestações sofrem repressões com base nas leis anti-tumulto e anti-terrorismo existentes, os principais opositores são perseguidos, tudo isto coberto de uma fachada democrática e constitucional e dentro do “Estado de Direito” e da constituição do país. A realização das eleições, a existência de uma pequena e fraca oposição mais a esquerda, servem como respostas do governo para os que dizem que al-SiSi busca se consolidar no poder. Afinal, o autoritarismo de al-Sisi é legítimo perante a constituição, que permite todas as barbaridades cometidas pelo presidente. O regime que se sustenta diretamente pelas Forças Armadas, estabeleceu relações diretas de trocas e corrupção com o Judiciário, para assim criminalizar os movimentos sociais e principais partidos opositores, mesmos os burgueses.

A participação dos militares no governo cresceu consideravelmente. Mesmo após a derrubada de Mubarak e com a eleição de Mursi, os militares continuaram na vida pública do país. O próprio Sisi, enquanto ainda era marechal, foi ministro de defesa do governo que ajudou a derrubar.

Porém, hoje, os militares atuam não só na política, mas em especial na economia. Centenas de empresas estão sobre controle dos membros das Forças Armadas. Desde hotelaria, passando por construção, chegando a serviços estratégicos como as energias. Os militares são membros acionistas majoritários das principais empresas do país, tanto as privadas, quanto a de capital misto.

E agora?

O clima político hoje no Egito é muito diferente daquele do início da década. Milhares de pessoas saiam às ruas. A praça Tahrir se tornou referência mundial para os lutadores e lutadoras anticapitalistas e contra o neoliberalismo em todo o planeta. As lutas do povo egípcio e sua ocupação de praças iniciados em 2011 gerou exemplos e deu força para lutas em todos os outros continentes e fez parte do movimento internacional conhecido como Primavera Árabe, mas mais do que isso, fez parte do mais amplo e globalizado movimento contra as reformas neoliberais do século XXI.

Hoje, as coisas são diferentes. A Revolução Democrática de 2011, que derrubou o ditador Mubarak, não avançou. E foi derrotada com o golpe militar de 2013. Assim como a Primavera Árabe, que teve vitórias importantes, mas não conseguiu de imediato fazer germinar seus frutos. A classe trabalhadora egípcia hoje, resultado da derrota e da confusão que ocorreu quando significativa parte das forças progressistas e laicas do país apoiaram o golpe de 2013, ainda não conseguiu se levantar novamente. Os trabalhadores, os sindicatos, os partidos de esquerda assistem paralisados al-Sisi avançar rumo a seu projeto autoritário.

Porém, as recentes mobilizações populares nos países vizinhos como na Argélia e em especial na Tunísia, podem trazer bons ventos ao país.

Na Tunísia, por exemplo, o ano começou com uma forte greve geral no dia 17 de janeiro, com grande participação da classe trabalhadora organizada. O povo tunisiano, com uma vanguarda mais feminina que oito anos atrás, e com uma presença maior de sindicatos organizados, vai às ruas por entender que as expectativas geradas com a Primavera Árabe não foram atendidas, e o modelo neoliberal é posto novamente em cheque.

Em 2011, foi em Tunes que toda a Revolução começou. Hoje, tudo indica que da capital tunisiana sairão novas manifestações populares que irão abalar toda a região do Maghreb. Hoje, a classe trabalhadora egípcia se encontra parada, mas com os ventos vindos do país vizinho e com o indicativo de crescimento da crise econômica, tudo indica que mais cedo ou mais tarde o governo Sisi sofrerá crises maiores e um maior rechaço popular. Devemos estar atentos e acompanhar o desenrolar dos acontecimentos na região.

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