Reestatizar a Vale com base em um novo modelo de mineração


Publicado em: 31 de janeiro de 2019

Editorial

Editorial de 31 de janeiro de 2019

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Há uma semana, no dia 25, o rompimento de uma barragem em Brumadinho (MG) provocou o que já é o maior “acidente” de trabalho da história do País, com 99 mortes confirmadas e 259 desaparecidos, graves consequências para o meio ambiente, além da morte de centenas de animais.

Foi uma tragédia anunciada. Especialistas sabiam que um novo rompimento era questão de tempo. A ambientalista Maria Teresa Corujo tentou impedir que fosse em Brumadinho. No fim do ano, denunciou a autorização para expandir as operações na mina como uma “insanidade”. Não foi ouvida.

A Vale, governos e parlamentos ignoraram ativistas e pesquisadores que cobravam medidas após o acidente em Mariana, há apenas três anos, com 19 mortes e contaminou o Rio Doce. Prevaleceu a impunidade.

O crime da Vale

Em abril, o presidente da empresa, Fabio Schvartsman, disse que “hoje as barragens são impecáveis”. Não eram. A Vale nada fez, mesmo tendo outras dez barragens semelhantes a que ruiu há uma semana. As barragens desse tipo têm sua capacidade ampliada com o método de “alteamento”, que usa o próprio rejeito como base. Somente agora, após centenas de mortes, a Vale anunciou que vai desativar as operações em barragens deste tipo, proibidas em outros países.

A empresa é a responsável pelo rompimento em Brumadinho, do mesmo modo que já havia sido em Mariana. É preciso ser duramente responsabilizada e punida. Não basta a prisão de engenheiros ou dos técnicos responsáveis pela auditoria, enquanto os chefes permanecem soltos. A principal culpada pela tragédia anunciada é a cúpula da empresa, que estabelece políticas no sentido de economizar custos. Ela deve ser destituída imediatamente e responder pelo crime, com bloqueio de bens e salários. Todos os responsáveis devem ser investigados e presos, inclusive o presidente e acionistas.

O presidente, Schvartsman, que recebe R$ 1,6 milhão por mês, em abril afirmou: “Se houvesse outro acidente como o de Mariana, minha gestão seria curta“. Se ele já sabia que sua presença se tornaria insustentável, o que falar após uma tragédia desta dimensão e com tantos funcionários entre as vítimas.

É preciso garantir que o patrimônio da empresa esteja bloqueado, a serviço da garantia da indenização aos parentes, da recomposição da bacia do rio Paraopeba e da região, e da garantia de empregos a todos os trabalhadores, incluindo os terceirizados. A empresa deve garantir os salários de todos, enquanto as minas e barragens permanecerem fechadas, para todas as vistorias e obras de segurança.

Quem fiscaliza?

Não há mecanismo que fiscalize, de fato, as barragens. São 839 barragens de rejeitos no país, e só 449 delas estão incluídas na Política Nacional de Segurança de Barragens. A Agência Nacional de Mineração (ANM) tem apenas 35 fiscais capacitados em todo o País, e que não trabalham exclusivamente fiscalizando.

Na prática, há uma “auto-fiscalização”. São as próprias mineradoras que contratam as auditorias externas. E são elas que fornecem as informações que baseiam as vistorias. As fiscalizações in loco da ANM são raras e ocorrem somente após laudos críticos. No caso de Brumadinho, uma auditoria externa recente atestara que a barragem não oferecia riscos.

A fiscalização dos órgãos reguladores e a ação de órgãos ambientais esbarra no corte de gastos e no sucateamento da máquina pública, em especial após a PEC do Teto de Gastos e os ajustes fiscais dos governos. A lógica do estado mínimo e os planos de austeridade mostram a sua face nesta tragédia.

Destaca-se ainda a relação entre políticos e empresas mineradoras, que pressionam pela aprovação recorde de licenciamentos, e influenciam no conteúdo de laudos, subestimando riscos.

O setor manda no Congresso Nacional. Projetos apresentados para aumentar a segurança nas barragens encontram-se parados. Em 2014, dos 27 parlamentares da comissão que debateu o Código da Mineração, 20 haviam recebido doações de mineradoras. O relator, deputado Leonardo Quintão (MDB-MG), hoje alojado na Casa Civil, havia tido 42% de sua campanha paga por estas empresas. Provavelmente por isso, tenha apresentado emendas retirando artigos sobre a fiscalização nas barragens.

Mineração: lucro acima da vida

Brumadinho não é um caso isolado. É mais um crime do setor de mineração. As empresas agem como uma nuvem de gafanhotos, destruindo o meio ambiente e deixando enormes crateras nas cidades, depois que o minério se esgota. Os acidentes e os danos ao meio ambiente se proliferam, como em Barcarena, no Pará, com o vazamento provocado por uma empresa norueguesa.

O que está por trás é a lógica do lucro. Desde a privatização, a prioridade da Vale são os acionistas, mesmo que isso signifique vidas e destruição do meio ambiente, aqui e nos 30 países onde atua. A empresa passou a ser comandada pelo Bradesco e tem parte das ações com investidores internacionais.

No terceiro trimestre de 2018, obteve lucro líquido de R$ 5,75 bilhões, batendo recorde de 104,9 milhões de toneladas de minério. O aumento da produção tem compensado a queda do preço do minério de ferro no mercado mundial.

Produzir mais trouxe mais lucro, mas também gerou mais rejeitos, exigindo barragens maiores e provocando mais acidentes.

Em vez de adotar tecnologias que substituem o uso de barragens de rejeitos ou mesmo adotar barragens mais seguras, a empresa escolheu usar uma mina em uma barragem de alteamento feita em 1976. Tudo para garantir o lucro dos acionistas. A Vale escolheu cortar gastos, economizar, ainda que o custo tenha sido o de centenas de vidas.

É preciso romper com esse modelo e a lógica insana do setor de mineração, que considera o meio ambiente, os povos indígenas e os direitos humanos e trabalhistas obstáculos ao crescimento econômico. Um modelo voltado para o lucro, para os interesses das empresas e que, infelizmente, não foi exclusivo do PSDB, mas prosseguiu nos governos petistas.

Reestatizar a Vale com controle social

É preciso impedir que a Vale ou outra empresa continue a ser responsável pela destruição do meio ambiente e ou volte a provocar crimes como esse. Para isso, é preciso retomar a empresa, vendida em 1997 a preço de banana, e estabelecer um novo modelo de mineração no país.

Reestatizar a Vale não é só uma medida econômica, de defesa dos interesses nacionais e de nossa riqueza mineral. Diante de crimes como o de Brumadinho, a reestatização torna-se também medida de segurança nacional, para evitar novas mortes e destruição ambiental em larga escala.

É preciso reestatizar com controle social e democrático das comunidades e trabalhadores sobre a empresa, para garantir que as operações da companhia sejam orientadas pela defesa da vida, preservação do meio ambiente, desenvolvimento sustentável das cidades mineradoras, valorização e respeito aos trabalhadores. Com a Vale a serviço do país, e não mais dominada por grandes acionistas estrangeiros e banqueiros, será possível agregar valor ao minério no Brasil, gerando empregos e ativando o parque industrial nacional.

Da mesma forma, é necessário impedir novas privatizações. O governo já anuncia um plano para privatizar quase todas as estatais, incluindo Correios e Eletrobrás. Por exemplo, entregar a Petrobrás ou suas subsidiárias diretamente ao capital estrangeiro significa ampliar a busca de lucro, com cortes de custos, e mais chances de acidentes. A Vale, depois de privatizada, ampliou qualitativamente a destruição do meio ambiente, a desvalorização dos trabalhadores e das comunidades. Com a Petrobras entregue às petroleiras estrangeiras, poderemos ter novos vazamentos como a que a Chevron provocou na Bacia de Campos, em 2011, e mais mortes de seus trabalhadores.

O governo Bolsonaro tem lado

A tragédia questiona diretamente o programa que o presidente Bolsonaro apresentou para a economia do país e o meio ambiente. A ideia de que “os empresários sofrem muito” e de que o meio ambiente “atrapalha” viram lama diante das imagens.

A flexibilização dos processos de licenciamento e cortes na fiscalização ambiental irão acelerar a destruição do meio ambiente e provocar novos acidentes. Ou se está do lado do meio ambiente ou do lado das mineradoras, como o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, do Partido Novo, condenado por ter favorecido estas empresas, em São Paulo.

O governo escolhe defender a Vale, sua diretoria e acionistas. Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, descartou uma intervenção do governo na empresa e a troca de comando. O motivo é evitar a “reação do mercado financeiro”. O secretário Nacional de Desestatização, Salim Mattar, afirmou nesta terça-feira (29) que o governo pretende punir as pessoas e não a Vale. “A companhia não fez mal a ninguém”,  afirmou. Ou seja, valem mais os interesses dos acionistas e da direção da Vale do que os do povo.

O governo Bolsonaro, ao escolher o lado da Vale, revela aos seus eleitores a quem de fato serve.

Foto: Ricardo Stuckert

 

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