Em seu discurso de posse, Bolsonaro afirmou que vai “combater a ideologia de gênero” e fazer com que o Brasil fique livre de “amarras ideológicas”. Contraditoriamente, a equipe de Bolsonaro atua em sentido absolutamente contrário, impondo suas ideologias sobre todo o povo, como fez a ministra Damares ao afirmar que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Dizem combater ideologias para poderem criar suas próprias amarras ideológicas, que são apresentadas como fatos incontestáveis.
Existem várias formas de definir o conceito de ideologia. Os fundamentalistas, por exemplo, consideram “ideologia” como um conjunto de ideias que são contrárias aos “fatos”, à ordem “natural” das coisas. A conclusão “lógica” é que existiriam leis naturais que fazem com que meninos usem azul e meninas usem rosa.
Mas que lei natural é esta? Por acaso a pele dos meninos queimam quando vestem rosa? É óbvio que não, não existe nenhuma lei biológica, química ou física que determina os comportamentos dos sexos. A obrigação a que meninos usem roupas e brinquedos de determinadas cores e formas, enquanto as meninas usem roupas e brinquedos de outras cores e formas, é apenas uma ideologia. Ou seja, é uma ideia que faz com que os seres humanos se comportem de determinada forma, sem haver nenhuma justificativa racional para isso.
Historicamente, a ideologia de que azul é cor masculina e rosa é cor feminina foi criada no século XX e só se consolidou por volta de 1980. Em 1927, por exemplo, um artigo da revista Time mostrou que três lojas de departamento vendiam produtos rosa para meninos e azul para meninas, enquanto outras três vendiam azul para meninos e rosa para meninas e uma vendia rosa para ambos os sexos.
Afinal, o que é natural?
Natural é, por exemplo, que crianças gostem de doces. Ninguém precisa obrigar as crianças a gostarem de doces, nem proibir que elas gostem de jiló ou de brócolis para que elas gostem de doces. Da mesma forma, se fosse natural que meninos gostem de azul e as meninas, de rosa, não haveria nenhuma razão em obrigar as crianças a vestir-se “conforme” seu gênero, muito menos em constranger, humilhar, ou castigar crianças que usem roupas da cor “errada”.
O natural não é a padronização, mas sim a diversidade. Os seres humanos têm diversas preferências por cor, sabor, cheiro, forma, atividades, música, etc, e nada disso tem a ver com a biologia ou a genitália. Tudo isso é absolutamente natural. Apenas uma ideologia é capaz de criar e separar as pessoas em dois grupos – o dos homens e o das mulheres – e determinar tudo o que cada um desses grupos pode ou não fazer, gostar, sentir, cheirar, amar. E não há nenhuma justificativa racional para isso.
O fato da ministra ter se preocupado em proferir uma frase estúpida como essa demonstra justamente que essa ideologia não é nada natural. Se fosse, os conservadores não estariam preocupados em preservá-la, pois ela se preservaria naturalmente.
Também não há nenhuma lei natural que diga, por exemplo, que meninos e homens não possam lavar louça, lavar e passar roupa ou varrer o chão. Ora, qualquer pessoa que tenha dois braços, duas pernas e alguma inteligência é capaz de desempenhar qualquer dessas tarefas. Alguém é capaz de contestar que os homens, em geral, também têm dois braços, duas pernas e um pouco que inteligência? Tudo isso independe das características sexuais, afinal, não se usa a genitália em nenhuma dessas tarefas. Apenas uma pessoa com deficiência física, mental, intelectual ou alguma restrição motora tem direito de dizer que não é capaz de passar roupa, lavar louça e roupa ou varrer o chão.
O que realmente querem os fundamentalistas?
Os fundamentalistas religiosos, como a ministra Damares e o presidente Bolsonaro, afirmam estarem preocupados em preservar o que é “normal” ou “natural”, mas na verdade querem preservar justamente o que não é natural. Afinal de contas, essa ideologia permite que eles ganhem dinheiro, poder e votos.
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