Como esperado, novo governo exclui LGBTIs

Por: Lucas Brito, de Brasília, DF

Como era previsto, o novo governo, ao anunciar sua estrutura ministerial, atribuições e secretarias, excluiu as pessoas LGBTIs.

Um dia após a primeira-dama ter feito um discurso em que disse defender “segurança, paz e prosperidade”, em um país no qual todos sejam “respeitados”, o governo dos Bolsonaro, militares e chefes fundamentalistas decidiu que as pessoas LGBTI não fazem parte do público das políticas do governo.

Dentre o rol de políticas e diretrizes do novo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado pela pastora Damares Alves, estão contempladas:

a) direitos da mulher; b) direitos da família; c) direitos da criança e do adolescente; d) direitos da juventude; e) direitos do idoso; f) direitos da pessoa com deficiência; g) direitos da população negra; h) direitos das minorias étnicas e sociais; e i) direitos do índio, inclusive no acompanhamento das ações de saúde desenvolvidas em prol das comunidades indígenas, sem prejuízo das competências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Menos as pessoas LGBTIs.

Seguindo a mesma lógica, na estrutura do novo Ministério existem as secretarias nacionais: Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres; Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente;  Secretaria Nacional da Juventude;  Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência; Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Nenhuma secretaria ou instância voltada às políticas para as pessoas LGBTIs.

Até agora a pauta LGBTI estava sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Agora não há qualquer garantia, mesmo que formal dentre a estrutura de governo, de que vá ter alguma política de promoção de direitos das pessoas LGBTs. Caso venha a ter alguma política voltada a esse público, essa deverá ser de competência da Secretaria Nacional de Proteção Global ou Secretaria Nacional da Família, o que que já nos mostra que podemos esperar o pior, caso o governo assuma algum projeto nessa área.

Sem constar entre as diretrizes e políticas, sem área de gestão definida e, por conseguinte, sem orçamento o novo governo faz uma nítida declaração: não há espaço para as LGBTs.

E o diálogo com Damares?

No último dia 20 de dezembro, a Aliança Nacional LGBTI+, liderada pelo ativista Toni Reis, além de demais ativistas e entidades também LGBTs, estiveram em uma reunião a então futura Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. O encontro ocorreu em Brasília, no escritório de transição do governo Bolsonaro.

Ao final da reunião, a futura Ministra declarou à imprensa: abre-se uma porta de diálogo entre a comunidade LGBTI+ e o governo Bolsonaro. Agora, logo no primeiro dia do novo governo fica nítido que esse não tem qualquer disposição para um real diálogo com as LGBTIs.
Damares mentiu!

Como Bolsonaro foi eleito?

Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil por meio da maioria dos votos da população. Isso é inegável. Mas também pesa sobre o resultado a prisão do primeiro colocado nas pesquisas, Lula (PT) e a disseminação de inúmeras  mentiras, as chamadas Fake News, contra os demais candidatos, em especial Fernando Haddad (PT) e Manuela D’ávila (PCdoB). Portanto, em que pese a decisão da maioria, Bolsonaro foi favorecido diretamente pelas mudanças reacionárias no regime político brasileiro.

Além disso, Bolsonaro foi eleito sob um conjunto de discursos de ódio contra a população LGBTs, contra os direitos das mulheres, contra o povo negro, contra o povo pobre e trabalhador. Esse é o programa defendido na campanha e marco orientador para a montagem da sua equipe de governo, da qual Damares faz parte.
Impossível não lembrarmos da maior

Fake News dessas eleições, o “Kit Gay”, uma mentira contada pelos líderes religiosos fundamentalistas em 2011 e reaquecida pela campanha do presidente eleito, sendo repercutida à exaustão por outras figuras da política de orientação neoconservadora e “membros” da Nova Direita, como os pastores e políticos Magno Malta e Marco Feliciano.

O Monitor do Debate Político no Meio Digital elaborou uma lista com as dez (10) postagens com mais compartilhamentos que mencionam o “Kit Gay” no Facebook entre quinze (15) de setembro e quinze (15) de outubro de 2018. Com 115 mil compartilhamentos a ganhadora da lista é uma postagem na página oficial do então candidato, Jair Bolsonaro (PSL), onde ele afirma que o seu oponente, Fernando Haddad (PT), é o criador do “Kit Gay”. Além dessa, outras páginas como Brasil com Bolsonaro, Somos Todos Bolsonaro e Movimento Brasil Livre (MBL) repercutiram a mesma mentira, juntas elas somam 77 mil compartilhamentos da Fake News.

Em pesquisa realizada pela IDEIA BIG Data/Avaaz, divulgada no dia 1º de novembro deste ano, verificou-se que 83,7% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram na mentira do “Kit Gay” que teria sido criado pelo também candidato Fernando Haddad, derrotado na disputa presidencial. O mesmo levantamento descobriu que 85,2% dos eleitores entrevistados de Bolsonaro tiveram acesso à tal mentira. Além disso, 74,6% dos eleitores entrevistados do presidente eleito acreditaram na também mentirosa afirmação de que Fernando Haddad defende pedofilia e incesto. Ainda sobre Fake News, entre os entrevistados, 29% estão muito preocupados e 31% estão preocupados com a veiculação de mentiras. Contudo, também entre os entrevistados, 40% dizem não ter qualquer preocupação a respeito.

O diálogo com as populações oprimidas não faz parte do repertório do novo governo, assim como em sua campanha.  Bolsonaro e seus pares são reconhecidos pelo papel permanente de impedir o avanço dos direitos das pessoas LGBTs no Congresso Nacional. Já na Assembleia Constituinte, em que foi retirada a expressão “orientação sexual” do rol de direitos fundamentais, os setores fundamentalistas e neoconservadores trabalham constantemente para impedir o avanço das nossas pautas. É assim com o impedimento do avanço dos projetos como o PL 122/2006 (Lei anti-homofobia); PL 612/2011 (que permite o reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo) e o PL 5002/2013 (Lei de identidade de gênero João Nery), dentre outros.

O que pensa Damares sobre as LGBTs?

Recentemente, Damares tem dado declarações contraditórias sobre os direitos das pessoas LGBTs. Disse ser “essencial ter um diálogo com a travesti que está na rua…”[1], e defendeu que “direitos conquistados não se discute mais”, quando questionada sobre o direito ao casamento homoafetivo. Contundo, há uma série de declarações nada respeitosas[2].

Em vídeos a Ministra já declarou que vivemos sob uma “ditadura gay”, que “o movimento gay é partidário, ideológico e político”; e que “não há prova científica de que o gay nasce gay”…Para ela a “homossexualidade é aprendida a partir do nascimento, lá na infância, lá no berço, a forma que se lida com a criança. Ninguém nasce gay”.

Essas afirmações são profundas e carregadas de muita ideologia reacionária. Para quem pensa como Damares, é totalmente aceitável uma “cura gay” ou a perseguição aos movimentos organizados em defesa dos direitos para as pessoas LGBTs e contra as diversas formas de opressão contra essa população.

Damares, o governo Bolsonaro e a “Ideologia de Gênero”

A pastora compõe a corrente de disseminação de ideologias reacionárias que visa a demonização do gênero. Esses afirmam que a gênese da “Ideologia de Gênero” estaria em uma concepção de que os gêneros são socialmente construídos. E a combate reafirmando a concepção biologizante traduzida popularmente em “Homem nasce homem e mulher nasce mulher”, negando os imperativos sociais na construção do gênero. E esse faz a crítica, de forma desinformada e desonesta, como se a construção social dos gêneros criasse as condições para que as pessoas, não importando seu sexo biológico, pudesse escolher o gênero ao sabor do desejo diário; “hoje quero ser homem, amanhã quero ser mulher”[3].

Na essência dessas afirmações, também presentes no discurso de várias autoridades políticas no mundo, está contida a negação do próprio gênero. Ao combaterem o fato de que esse é um constructo social, negam a própria existência do mesmo.

As pautas neoconservadoras são apenas uma cortina de fumaças?

Muitos honestos e preocupados ativistas têm denunciado que as pautas neoconservadoras contra mulheres, LGBTs, indígenas e etc têm como

objetivo tirar a atenção “daquilo que realmente importa”, como a reforma da previdência e retirada de demais direitos trabalhistas. Seria isso mesmo?

Esse tipo de afirmação, apesar de sinceramente preocupada com a ação do novo governo incorre em dois erros. O primeiro é de incompreensão das razões políticas e ideológicas do novo governo. O segundo é de fazer uma análise vulgar e superficial da relação entre produção e reprodução na sociedade capitalista.

As cruzadas morais são recorrentes ao longo da história moderna da sociedade. O mundo ocidental moderno já conheceu outros exemplos históricos de pânico sexual/moral. Por exemplo, a Inglaterra e os Estados Unidos no final do século XIX vivenciaram um intenso processo de disputa política da sexualidade, onde a dominação da vida erótica foi abertamente renegociada. Para isso, foram utilizadas campanhas educacionais onde se defendia abertamente contra a masturbação, especialmente dos jovens, bem como estimulavam a castidade antes do casamento; a literatura pornográfica foi caçada, pinturas e obras de arte contendo nu foram atacadas. Qual a razão?

O trabalho segue sendo o eixo fundamental da sociabilidade humana. Porém há duas dimensões do trabalho. Uma é a que se estabelece na relação ser humano e natureza. A outra, na relação humano transformando imediatamente o próprio humano. Ambos são o verso e o reverso da constituição da sociabilidade humana. Essas duas dimensões do trabalho se modificam mutuamente e historicamente. (GAMA, 2012)

Na leitura marxiana, são processos intrínsecos a produção e a reprodução das relações sociais capitalistas. A reprodução humana como um ato biológico e social foi um dos fenômenos de maior transformação ao longo da história, tanto quanto o trabalho considerado produtivo. No conteúdo desse trabalho podemos tomar como exemplo as transformações na família, em termos da sua estrutura, função, relações internas, sem mencionar a sua variabilidade cultural e em termos de relações de classe. (Therborn, 2006)

Portanto, seria o ingenuidade pensar que as pautas neoconservadoras são apenas uma cortina de fumaças, quando essas são tão fundamentais que as reformas estruturantes para o exercício da dominação neofascista dos Bolsonaro.

1969 – 2019: 50 anos da rebelião de Stonewall. Nosso lema é RESISTIR!

Esse ano completam-se 50 anos desde a retomada moderna do movimento LGBT em todo o mundo.

A Rebelião de Stonewall foi uma série de manifestações de LGBTIs contra a violência policial contra a comunidade. Contra uma nova invasão da polícia de Nova York que aconteceu nas primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan, em Nova York, nos Estados Unidos. A rebelião se seguiu e seu espírito fez se levantar em todo o mundo o movimento LGBTI, dando largada nas Paradas do Orgulho.

Depois de 50 anos as lições de Stonewall devem ser resgatadas. Em 2019 precisamos retomar o espírito questionador, subversivo e politizado das Paradas LGBTs. As paradas em todo o país devem se tornar uma grande comemoração dos 50 anos de Stonewall e mostrar que estamos dispostas a resistir. Assim como fizeram nossas antepassadas, nos rebelar contra a perseguição, assassinatos e violação de direitos.

O caso da reunião com pastora e Ministra, Damares Alves, mostra que não há diálogo com o novo governo. Precisamos nos organizar, nos unir e preparar a resistência LGBTI. Só assim poderemos nos defender. Não voltaremos para os armário, não aceitaremos a violência caladas, atravessaremos a longa noite em resistência, como sempre fizemos.

[1]https://www.google.com.br/url?sa=i&source=web&cd=&ved=2ahUKEwi0q9C_wM_fAhUGlJAKHW4nCC8QzPwBegQIARAC&url=https%3A%2F%2Fexame.abril.com.br%2Fbrasil%2Fdamares-se-reune-com-grupos-lgbti-e-promete-campanha-contra-violencia%2F&psig=AOvVaw242CK780I7yar6TiXGzh5w&ust=1546532458043775

[2]https://www.google.com.br/url?sa=i&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiIuMXswM_fAhUGh5AKHUkvBV4QzPwBegQIARAC&url=https%3A%2F%2Fexame.abril.com.br%2Fbrasil%2Fo-que-pensa-a-futura-ministra-dos-direitos-humanos-sobre-lgbt-e-mulheres%2F&psig=AOvVaw1thfBEl7Bukfs6Cqv8CQfD&ust=1546532552234791

[3] SCALA, Jorge. La ideología del género. O el género como herramienta de poder. Rosario: Ediciones Logos, 2010.

THERBORN, Göran. Sexo e poder: a família no mundo, 1900 – 2000. São Paulo: Contexto, 2006.

GAMA, Andréia Sousa. “O conflito entre trabalho e responsabilidades familiares no Brasil – Reflexões sobre os direitos do trabalho e a Política de Educação Infantil”. Tese de Doutoramento apresentada na Escola Nacional de Pública Sergio Arouche (ENSP), Rio de Janeiro, 2012.

Foto: EBC

*Com informações da ABGLT.