A grande onda político-eleitoral de extrema-direita que elegeu Jair Bolsonaro confirma a existência de uma situação reacionária¹ no Brasil.
Esta situação adversa, que se desenvolve num contexto de grave crise econômico-social, está caracterizada por três elementos centrais, a saber: (i) giro à extrema-direita da pequena burguesia e das camadas médias assalariadas, (ii) ofensiva econômica, social, política e ideológica da classe dominante e (iii) crise política e ideológica da classe trabalhadora.
As camadas médias assumiram relevante protagonismo político no último período, sendo decisivas tanto para o triunfo do golpe parlamentar (as gigantescas mobilizações dos “verdes e amarelos” em 2015-16), quanto para a eleição de Jair Bolsonaro. A luta contra “a esquerda corrupta” foi a principal bandeira ideológica que alimentou a classe média.
Em seu radical giro à extrema-direita, a pequena burguesia proprietária e a moderna classe média assalariada arrastam em seu movimento parcelas significativas da classe trabalhadora e do povo pobre, especialmente nas regiões sul e sudeste do país. Este deslocamento político-social alavancou a extrema-direita nas eleições e produziu importante abalo no sistema político-partidário.
A crise nacional com que nos deparamos é uma crise em todas as dimensões da vida social. Os partidos tradicionais já não representam ou têm dificuldade de representar as classes e suas frações. Abre-se, assim, espaço para soluções de força. Isso acontece porque um projeto pelo qual se buscou construir consenso de massas fracassou. Fracassou o projeto de conciliação de classes dos governos do PT.
A evolução reacionária das relações entre as classes sociais produziu notáveis mudanças nas relações político-institucionais. Vejamos suas expressões principais: (1) transformações reacionárias no regime político (Judiciário e Forças Armadas com maior poder); (2) eleição de um governo autoritário com elementos fascistas (Bolsonaro); (3) profunda crise dos partidos burgueses tradicionais (PSDB, MDB) causada, sobretudo, pela ruptura à direita das camadas médias com estes partidos; (4) formação de um movimento político neofascista – o bolsonarismo – com base central na classe média e influência na classe trabalhadora, que agora adquiriu também forma partidária (o PSL); e (5) crise do PT e do lulismo, principais alvos políticos da ofensiva reacionária.
Estamos perante uma dinâmica político-social inversa àquela encontrada numa situação revolucionária ou pré-revolucionária, na qual a classe trabalhadora e as massas populares assumem a ofensiva, dividindo a pequena-burguesia e a classe média assalariada. Neste momento, no Brasil, são as camadas médias, servindo aos propósitos burgueses e imperialistas mais reacionários, que dividem e arrastam consigo amplos segmentos da classe trabalhadora.
Analisando em retrospectiva, podemos considerar que a situação adversa se abriu com o triunfo do golpe parlamentar em 2016, se consolidou com o avanço da ofensiva burguesa em 2017 e se aprofundou com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Ao longo deste últimos período, se sucederam diferentes conjunturas, ora mais progressivas (como a ocorrida no início de 2017 – quando da greve geral de abril) ora mais reacionárias, dentro de uma mesma situação política.
É importante sublinhar que o sentido da evolução da situação política é contrarrevolucionário, quer dizer, o objetivo da presente ofensiva burguesa, cujo executor político eleito é Jair Bolsonaro, é impor uma derrota histórica² à classe trabalhadora e aos oprimidos como condição para o estabelecimento de novo patamar de exploração e espoliação capitalistas no país. Este desfecho contrarrevolucionário pode ou não se confirmar com o desenrolar da luta de classes em nível nacional e internacional.
Na atual correlação de forças, é impensável adotar uma estratégia ofensiva. Portanto, a estratégia para o próximo período deve ser fundamentalmente defensiva. Podemos resumi-la na seguinte frase: construir a linha de defesa da classe trabalhadora e dos oprimidos para evitar uma derrota histórica e, assim, ter condições, na sequência, de iniciar uma contra-ofensiva.
Esta estratégia se desdobra, em nossa opinião, em quatro tarefas fundamentais: (1) construir a Frente Única da classe trabalhadora e dos oprimidos em defesa dos direitos sociais, econômicos e democráticos ameaçados; (2) impulsionar a mais ampla unidade de ação em defesa das liberdades democráticas com todos os setores políticos e sociais dispostos à luta comum; (3) forjar nesse processo de resistência uma nova alternativa de esquerda que supere o falido programa de colaboração de classes do petismo, isto é, as alianças com a direita e os governos com (e para) grandes capitalistas; (4) por fim, avançar na construção de um projeto revolucionário que (re)encante os lutadores e lutadoras com a luta pela transformação socialista do Brasil e do mundo.
1 Uma situação política expressa uma determinada correlação política e social de forças entre as classes sociais. No marco de uma situação política específica, ocorrem conjunturas distintas, ora num sentido progressivo (mais favorável aos explorados e oprimidos) ora num sentido regressivo (mais favorável às classes dominantes). O desfecho de uma certa conjuntura pode ou não levar a uma mudança da situação (a depender de seu impacto na realidade), tanto para melhor como para pior. Em tempos de crise e instabilidade, são comuns situações de transição.
2 Por “derrota histórica” entendemos uma derrota política de toda uma geração da classe trabalhadora e dos oprimidos, de tamanha magnitude e profundidade, que elimina qualquer possibilidade de (re)ação de massas por um longo período, até que se levante uma nova geração em luta. Uma derrota de tal envergadura implica, necessariamente, na destruição das organizações políticas e sociais da esquerda, liquidação física dos principais dirigentes e desmoralização da vanguarda e do ativismo em prazo indefinido. Uma derrota histórica impõe-se como desfecho de um processo contrarrevolucionário, e não como evento isolado. Na presente situação reacionária que vivemos, há elementos de derrota histórica (com a prisão de Lula e a execução de Marielle), porém, o processo não chegou à sua conclusão, podendo ser interrompido e revertido pela resistência de massas. Na história brasileira, vale destacar a derrota histórica imposta pela classe dominante e o imperialismo em 1968, ano de desfecho do processo contrarrevolucionário iniciado com o golpe militar de 64. A classe trabalhadora brasileira, após a derrota histórica de 68, se levantou uma década depois (final dos anos 70) por intermédio de uma nova geração de trabalhadores e líderes.
Foto: Fernando Frazão Agencia Brasil
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