Retrospectiva 2018: as maiores fake news do ano

Por: Bruno Rodrigues e Jéssica Guedes

“Minta, minta que da mentira alguma coisa fica.”
– Frase atribuída a J. Goebbels (Ministro de Propaganda do governo de Hitler)

As famosas fake news invadiram com força a vida política do país em 2018. Não que a utilização delas seja alguma novidade como arma de disputa e dominação política. Longe disso. Ao longo da história, a direita e a burguesia muitas vezes se valeram desse artifício para desmoralizar, deslegitimar e destruir organizações e lideranças da classe trabalhadora. Mas é que em especial nesse ano elas pautaram a vida política brasileira como poucas vezes em nossa história.

As redes sociais como o Facebook, Twitter e Youtube, mas principalmente os grupos de aplicativos de mensagens via celular, como o whatsapp, foram inundados pelas famigeradas fake news. Os bandos organizados da direita brasileira (MBL, Família Bolsonaro, etc), foram, ao fim e ao cabo, os grandes fomentadores e beneficiários dos efeitos da circulação das tais fake news. A tal ponto que no dia 18 de outubro uma reportagem da Folha de São Paulo(1) denunciou que empresas apoiadoras da campanha presidencial de Bolsonaro, dentre elas a Havan de Luciano Hang(2), teriam investido algo em torno de R$ 12 milhões em uma espécie de “indústria da mentira”, de modo que as agências contratadas para esse serviço ficariam responsáveis por realizar disparos em massa dessas notícias falaciosas via whatsapp a fim de atacar a esquerda e fomentar confusão. O #Caixa2DoBolsonaro, como ficou conhecido o episódio em questão, foi o maior escândalo desta campanha eleitoral. Vamos aqui a algumas delas:

1. Marielle Franco seria ligada à facção criminosa e casada com narcotraficante líder dessa facção;

Uma das mais sinistras fake news foi lançada contra a memória da ex-vereadora carioca Marielle Franco. A fim de minimizar a gravidade de sua execução e com isso esvaziar qualquer exigência de apuração imediata do crime que a vitimou, a indústria da fake news produziu notícias absurdas como as de que Marielle teria vínculos com uma facção criminosa carioca e, inclusive, teria sido casada com um dos líderes dessa facção. Sem muitos escrúpulos, disseminaram o boato de que sua eleição havia sido bancada por essa facção. Na época, essa mentira chegou a ser endossada inclusive por autoridades do judiciário, como a desembargadora do Rio, Marília Castro Neves que, dias depois, acabou tendo que se retratar em sua conta no facebook(3).

Para defender a memória de sua militante e parlamentar, o PSOL teve que montar um operativo jurídico para apurar e tirar do ar tais notícias, chegando a disponibilizar um e-mail para receber denúncias de fake news contra Marielle. Em uma semana o PSOL recebeu mais de 15.000 e-mails.

2. Boulos e o MTST invadem residências particulares e cobram aluguel dos moradores;

Essa fake news, mesmo tendo sido desmentida por Guilherme Boulos em muitas oportunidades(4), até hoje vem sendo difundida.

O que houve foi que a indústria da fake news, se valendo das notícias em torno do desabamento ocorrido em maio deste ano de um prédio ocupado em SP, aproveitou o ensejo para atacar Boulos e o MTST. A imprensa divulgou que os ocupantes daquele prédio pagariam aluguel a um determinado movimento. Com isso, a indústria da boataria logo tratou de relacionar aquela ocupação ao MTST, sendo que aquela ocupação não era liderada pelo MTST, como muitas vezes Boulos e a militância do movimento afirmou. A verdade é que nas ocupações lideradas pelo MTST, não é cobrado nenhum real de quem participa. Em duas décadas de atuação, o MTST nunca se valeu de tal expediente. Para todos os efeitos a mentira já estava lançada e o estrago feito. Assim, a indústria da fake news conseguiu emplacar que o modus operandi do MTST consiste em invadir residências particulares, expulsar seus proprietários, se apossar do imóvel e alugá-lo para trabalhadores sem teto ligados ao movimento. Uma mentira sem tamanho já que, na verdade, o MTST atua ocupando terrenos abandonados e sem função social (e não casas particulares) para exercer pressão sobre o poder público e, assim, conseguir celeridade na execução de programas de habitação popular. Nada mais justo em um país com 6 milhões de pessoas sem casa e onde reina solta a especulação imobiliária(5).

3. Kit gay e mamadeira erótica;

Tendo ganhado circulação com notável intensidade no período eleitoral para atacar a candidatura do ex-ministro Fernando Haddad, essa fake news já circula a um bom tempo. Segundo a indústria de boatos responsável por mais essa mentira, a mamadeira com bico de pênis seria parte de um projeto maior de “homossexualização” de crianças e incentivo a sexualização precoce, talvez uma das mais bizarras das fake news. O próprio ‘kit gay’, como foi maldosamente batizado pela extrema direita um projeto de combate à homofobia nas escolas, no fim das contas acabou sendo revogado pela então presidenta Dilma, logo nunca chegou a ser executado. Há que se frisar que nem de longe passa pela cabeça dos setores progressistas e interessados na promoção da diversidade sexual, algo como a distribuição de “mamadeiras de piroca” em escolas infantis como medida de combate a homofobia. Aliás, cabe questionar que se tal kit estaria sendo distribuído em escolas, por que Bolsonaro e seus comparsas das bancadas conservadoras não usaram a condição de parlamentares e não entraram formalmente com um pedido de revogação desse projeto junto à câmara? Oras, porque se não revoga aquilo que não existe. Mesmo assim, a campanha de Bolsonaro, como bom politiqueiro que é, preferiu não economizar na utilização dessa farsa para atacar a candidatura de Fernando Haddad e favorecer a si próprio

4. Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro, na verdade seria filiado ao PT;

Engana-se quem acha que as tais fake news acabaram-se ao fim das eleições. Os setores políticos em torno de Bolsonaro dão evidentes indícios de que seguirão utilizando esse sórdido artifício, ao longo de todo o seu governo sem o menor pudor. A mais recente fake news, utilizada como manobra distrativa, conta que Fabrício Queiroz, amigo íntimo da família Bolsonaro e assessor parlamentar no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, seria filiado ao PT. Isso porque o nome de Fabrício Queiroz consta em um relatório da COAF(5) como sendo parte de um esquemão organizado pela família para embolsar fatias dos salários dos assessores do deputado. Tudo para escamotear o escândalo aos olhos dos desavisados. Acontece, que simplesmente não há registros da filiação de Fabrício Queiroz ao PT, junto ao TSE.

Como na frase atribuída ao ministro da propaganda no governo nazista, Joseph Goebbels, a circulação de notícias falsas, por mais que sejam desmentidas, sempre acabam deixando resquícios. Será uma tarefa suplementar para a esquerda e para as forças democráticas, no calor da luta contra o fascismo personificado no governo Bolsonaro, desmentir todas elas, mas não só. Por trás de cada fake news há reuniões obscuras acontecendo e dinheiro sujo correndo. Assim, a luta por apurar e denunciar os setores por trás da indústria da boataria se faz urgente. As notícias falsas servem à direita e à elite brasileira para difundir ódio, sobretudo ódio de classe. O que talvez eles não saibam é que a esquerda luta com verdade, por verdade e por justiça social.

NOTAS:

1. Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp

2. Luciano Hang ganhou as redes sociais em vários episódios em que coagiu seus funcionários a votar em Bolsonaro:

3. Desembargadora que acusou Marielle Franco diz ter se precipitado

4. “MTST nunca cobrou aluguel, isso é fake news”:

5. Por que ocupamos:

6. MPF envia para MP do Rio relatório do Coaf que cita ex-assessor de Flávio Bolsonaro

*Bruno Rodrigues é graduando em Letras pela UFC e Jéssica Guedes mestranda em História pela UFRN