O que o massacre de Campinas tem a nos dizer sobre o armamento e o discurso da violência
Publicado em: 13 de dezembro de 2018
Na terça-feira, 11, tivemos o barbarismo aleatório em uma igreja em Campinas/SP que veio a dar fim a vida de cinco pessoas, e de um pária, com armas. Essa aleatoriedade, cabe apenas quanto aos objetivos do assassino e não a realidade em que vivemos. Estamos em um “Estado Violência, Estado Hipocrisia”[1], e, como a natureza ensina, nada é por acaso.
Esse discurso de ode a violência que hoje é majoritário no Brasil (estudo do Fórum Brasileiro de Violência mostra que 50% da população concorda com a expressão “bandido bom, é bandido morto [2]) tem raízes na década de 1960 em São Paulo [3] sob a finalidade de combate a assaltos e pequenos furtos – como uma repaginada no modo “mão-na-massa” do higienismo social do início do século XX.
Esta cultura se expressa em um contraditório clamor popular por “autodefesa” através do armamento civil.
Talvez alguns não saibam, e com certeza uma boa parte desses pregadores da “autodefesa”, também não: ter uma posse de arma de fogo é algo possível. Diferentemente do que ocorre com a legislação de outros países, como Reino Unido e Japão, no Brasil está prevista a possibilidade de armamento, desde que se cumpram alguns requisitos, como:
- Declaração de necessidade,
- Comprovação de idoneidade,
- Apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais,
- Não responder a inquérito policial ou processo criminal,
- Apresentação de documento probatório de ocupação lícita e de residência certa,
- Comprovação de capacidade técnica e psicológica.
Cumprido esses requisitos, o resto é simples: burocracia e taxas, e você estará apto a ser um ser o cavaleiro/guardião de sua casa ou estabelecimento comercial.
O problema parece ser apenas um: a aquisição de arma de fogo está longe de ocorrer a partir de um desejo de consumo. O critério da “declaração de necessidade” é um obstáculo e é o principal item a ser apagado por aqueles que conspiram contra o Estatuto do Desarmamento. É para desconfiar muito de quem quer que as pessoas possuam armas sem ter necessidade.
O principal argumento é uma grande falácia, pois armas são péssimos instrumentos de defesa. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança, em 2013, a chance de um policial morrer era de 72,1 a cada cem mil pessoas, quase três vezes maior do que um popular, 24,3 vezes em cem mil pessoas. A melhor forma de se identificar um policial é ele estar armado. Preciso me alongar?
Diz-se que o problema no Brasil não são as armas produzidas no Brasil, mas sim o tráfico internacional de armas, bem, vamos aos números:
- 60% das armas aprendidas pela polícia são de fabricação nacional [4],
- Segundo o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), apenas entre os anos de 2009 e 2011 foram extraviadas ou perdidas 22.944 armas.
A lembrar mais um dado: aproximadamente 80% dos assassinatos no Brasil são por armamento de fogo.
Não podemos esquecer que a insegurança é real, que as pessoas vivem sob o julgo da violência e buscam muitas vezes apenas uma forma legítima de sair disso, e isso não faz delas protofascistas. Temos de entender o fenômeno e saber que há múltiplas razões, e levando sempre em conta o péssimo serviço prestado pelo Estado, e me dói falar isso, pois sou policial.
Mas há aqueles que querem se aproveitar desses sentimentos, e cabe a nós desconstruirmos essas inverdades de forma a trazer a real discussão à tona. O assassino de Campinas, seja lá como ele vier a ser conhecido, é possivelmente uma pessoa com graves problemas, mas só conseguiu “dar azo” as suas pretensões por não termos um controle de armas. Ele estava com duas armas, com o número raspado. Nossa luta é para que pessoas como este rapaz tenham cada vez maiores dificuldades pôr a mão numa arma, impedir que aquele motorista estressado tenha uma, que uma pessoa traída guarde uma em sua cômoda, que o bandido não precise de muito esforço pra alugar uma para praticar assalto. Nosso esforço, enquanto sociedade, com certeza não deveria se dirigir a difundir aquilo que nos aflige, mas sim afastar do nosso meio, buscar soluções, e como diz Buda, nem pensamento tão simples que não deveria nos fugir nunca a mente, “não se combate ódio com ódio, mas sim com amor”.
*Pedro Paulo Chaves Mattos é policial civil do Rio Grande do Norte há 6 anos. Recifense, formado em História, dirigente sindical, diretor da Feipol/NE, atuou como “membro convidado” do FOSEG. É coordenador do movimento Policiais Antifascismo/RN.
1 – Música: Estado Violência. Compositor Charles Gavin – Banda Titãs
2 – MELLO, Daniel. Pesquisa indica que 50% dos brasileiros acham que “bandido bom é bandido morto”. Agência Brasil.
3 – MANSO, Bruno Paes. Dos esquadrões ao PCC, 52 anos de violência mataram 130 mil pessoas. Jornal Estadão.
4 – BANDEIRA, Luiza. Polícia britânica ‘atirou apenas três vezes’ em um ano. BBC Brasil.
FOTO: Flores são colocadas na frente da da Catedral Metropolitana de Campinas em homenagem a vítimas. Rovena Rosa/Agência Brasil
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