Neste domingo (25) a Rússia abriu fogo e capturou três navios militares pertencentes à Ucrânia que estavam no Estreito de Kerch, próximos à península da Crimeia, território disputado pelos dois países desde 2014.
Em resposta, o presidente ucraniano Petro Poroshenko aprovou lei marcial e colocou suas tropas em alerta máximo de guerra. Estados Unidos (EUA) e União Europeia (UE), por sua vez, repudiaram as ações da Rússia no Conselho de Segurança da ONU.
Este episódio marítimo é um dos piores incidentes que ocorreram na região desde o início do contencioso pela Crimeia e pode ter consequências graves para ucranianos e russos com reflexos na geopolítica internacional, em particular a Europa.
Origem do conflito
A origem do atual conflito entre russos e ucranianos data de novembro de 2013, quando o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, recusou o Acordo de Associação com a UE em favor de uma parceria econômica com a Rússia¹.
A rejeição de Yanukovich ao acordo com os europeus, entretanto, deu início a uma onda de protestos na porção oeste do país, em particular na capital Kiev, adquirindo proporção de massas que se radicalizou quando o governo decidiu reprimir de forma violenta os rebeldes da praça Maidan.
As manifestações continuaram durante o inverno e, em fevereiro de 2014, o número de mortos já passava uma centena, incluindo manifestantes e policiais. O ápice deste enfrentamento se deu no dia 22 de fevereiro de 2014, quando o setor nacionalista e de extrema-direita que controlava a segurança dos atos na praça Maidan conseguiu ocupar diversos prédio públicos e obrigou Yanukovich a fugir do país.
Devido à presença nas manifestações de fortes setores nacionalistas anti-russos e notáveis políticos ocidentais, como o falecido senador norte-americano John McCain, a Rússia caracterizou a queda de Yanukovich como um golpe de estado orquestrado pelo imperialismo norte-americano através da mobilização de setores fascistas locais. Narrativa muito diferente dos rebeldes que entenderam o processo como uma “revolução da dignidade” que livrou o país do jugo estrangeiro.
Em resposta, a Rússia anexou em poucas semanas a península da Crimeia que, embora tenha feito parte da Rússia desde o século XVIII, passou a estar sob controle ucraniano após a queda da União Soviética, em 1991. A Crimeia é um território estratégico para o controle do Mar Negro, por onde a Rússia escoa seu comércio marítimo até o Mar Mediterrâneo.
Além disso, grupos separatistas pró-russos do leste da Ucrânia tomaram as regiões de Donestk e Lugansk, iniciando uma guerra civil que já conta com 10 mil mortos e dois fracassados armistícios (Minsk I e II).
Os EUA e a UE, em resposta a anexação russa da Crimeia, iniciaram neste momento um processo interminável de aplicação de sanções econômicas contra a Rússia que perdura até hoje, levando a relação entre os países a seu pior estado desde o fim da chamada Guerra Fria.
Investida contra os navios ucranianos
Os eventos que se sucederam neste domingo (25) ocorreram após meses de tensão marítima no entorno da Crimeia. Durante este ano, a Ucrânia afirmou que em várias oportunidades a Rússia impediu seus navios de atravessarem o estreito de Kerch, passando do Mar de Azov para o Mar Negro. Ou seja, interrompendo o comércio marítimo ucraniano.
Desde 2003 há um acordo entre os dois países que permite a livre circulação da marinha ucraniana pelo Estreito de Kerch. Porém, devido ao impedimento russo neste ano, o comércio ucraniano que parte do Mar de Azov caiu 30%. Com isso a Ucrânia decidiu construir bases militares e incrementar seu poderio marítimo em Azov. A Rússia, por sua vez, nega as acusações².
Neste domingo, a Marinha russa proibiu a passagem de três embarcações militares ucranianas que, segundo ela, estavam adentrando em águas russas. Os ucranianos, contudo, ignoraram o aviso e foram alvejadas e capturadas pela Rússia, resultando em 3 marinheiros feridos (sem risco de morte).
Por conta disso, nesta segunda feira (26), Petro Poroshenko convenceu o parlamento ucraniano a aprovar lei marcial com vigência de 60 dias: ou seja, estado de guerra. Embora tenha afirmado que não se tratou de uma declaração de guerra contra a Rússia, ressalta que foi uma medida preventiva para colocar o país em “estado de alerta” contra uma possível invasão.
Caso se inicie um conflito armado entre os países, os ucranianos estariam em larga desvantagem, dado o potencial bélico russo. Além disso, a Ucrânia não faz parte da OTAN e é muito provável que os países ocidentais não fossem em seu auxílio.
Muitos ainda especulam sobre a conveniência da aplicação da lei marcial na Ucrânia. No início do próximo ano irão ocorrer as eleições presidenciais no país, para a qual o atual presidente Poroshenko se encontra bastante enfraquecido, atrás de Yulia Timoshenko e ameaçado pelo partido neo-nazista Milícia Nacional, que considera a posição do presidente “capituladora” e “recuada” em relação aos russos.
Especula-se que Poroshenko irá postergar a lei marcial para além do prazo de 60 dias a fim de postergar também as eleições do próximo ano, esperando de alguma forma recuperar sua popularidade perdida.
Repercussão internacional
Durante reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU, chamada pelos EUA nesta segunda-feira, Nikki Haley, embaixadora norte-americana na ONU, afirmou que defende a posição ucraniana e que a Rússia agiu em desacordo com o direito internacional. Afirmou ainda que sua posição é a mesma do Reino Unido, França, Inglaterra, Holanda, Polônia e Suécia.
Já o ministro de relações exteriores da Rússia afirmou que apenas capturou os navios ucranianos quando eles adentraram seu território marítimo. E mais, acusou os EUA e a UE de terem coordenado esta ação junto com a marinha da Ucrânia para atrapalhar o encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump que ocorrerá esta semana em reunião do G20, na Argentina.
O secretário geral da OTAN, Jens Stoltenberg, organizou uma reunião da Comissão OTAN-Ucrânia também nesta segunda-feira, cujo conteúdo não foi divulgado. Já Donald Tusk, presidente do Conselho da UE, exigiu que a Rússia libere os navios ucranianos e interrompa as provocações, dando eco à posição de Stoltenberg.
A Alemanha, contudo, marcou para essa semana em Berlim uma reunião do Grupo Normando – Alemanha, França, Ucrânia e Rússia – responsável pelos acordos de cessar-fogo Minsk I e II. Os alemães são conhecidos por terem uma posição de mediação entre a Rússia e os países ocidentais. A ausência de declarações contundentes contra os russos indica que fará esforços para uma solução diplomática entre as partes.
De toda forma, o atual incidente russo-ucraniano, seja qual for seu desdobramento, já contribuiu para aumentar a tensão geopolítica internacional e aprofundar ainda mais a crise da atual ordem mundial, especialmente no tocante à deterioração da relação entre os países ocidentais e a Rússia .
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¹ O acordo oferecido pela Rússia à Ucrânia era muito mais vantajoso do que aquele oferecido pela UE. Enquanto os europeus cobravam dos ucranianos um pacote criminoso de medidas de austeridade fiscal, a Rússia ofereceu um plano de resgate de 15 bilhões de dólares para pagar a dívida ucraniana e a redução de 30% no preço do gás vendido ao país, entre outras coisas. Fonte: https://veja.abril.com.br/mundo/ucrania-recebe-3-bilhoes-de-dolares-de-acordo-com-a-russia/
² https://www.dw.com/pt-br/entenda-a-atual-crise-entre-ucr%C3%A2nia-e-r%C3%BAssia/a-46472513
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