“A partir de agora, considero tudo blues. O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues. O funk é blues, o soul é blues. Eu sou Exu do Blues. Tudo que quando era preto era do demônio e depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues. É isso, entenda, Jesus é blues. Falei mermo.” Essas palavras do rapper baiano, Baco Exu do Blues, são parte da primeira música de seu novo álbum BLUESMAN, lançado dia 23 desse mês.
Baco começa estendendo o conceito do que seria o blues, um dos ritmos fundantes da música norte-americana, na qual praticamente todos os demais ritmos têm alguma relação. Ao mesmo tempo, o artista faz uma crítica à apropriação cultural como uma forma de apagar a memória e a história dos negros. Tudo é blues. Tudo é nosso por princípio e por direito.
Baiano, Baco Exu do Blues é um dos principais nomes da nova geração do rap nacional. Baco se tornou conhecido na cena ao lançar com o pernambucano Diomedes Chinaski a música Sulicidio em 2016, a mais importante do rap brasileiro dos últimos anos. Após ela, que critica a centralização dada ao eixo Rio-São Paulo, o rap brasileiro não foi mais o mesmo. Nome fora desse eixo passaram a ter uma importante aparição na cena.
Ano passado, Baco lanço Esú seu primeiro álbum, que foi considerado um dos melhores de 2017.
Desde então, a expectativa para um novo álbum foi se tornando cada vez maior.
Eis que chegamos em Bluesman. Para lançar seu novo trabalho, Baco utilizou fortemente as redes sociais, divulgando e destrinchando o novo disco em sua página no Instagram, em um trabalho de marketing notável.
Bluesman é um álbum que fala basicamente sobre sentimentos: o amor, a perda, a dor, a conquista, a dúvida, o medo, a raiva, a angustia. A cada música umas séries de sentimentos se condensam, se misturam e são apresentados. Baco expõe suas dúvidas, medos, angústias e conquistas. É um álbum em certo sentido pessoal, mas, ao mesmo tempo, as músicas de Baco tratam de problemas e questões que estão presentes na vida de negros e negras. É um álbum sobre o que sentimos.
A pressão social e individual pela conquista do resultado, pois afinal o negro deve ser sempre forte e firme, não podendo desistir. A angústia após alcançar o resultado, a forma de lidar com o suposto fracasso. As relações interpessoais e a forma que os outros nos enxergam, também se fazem presente nas músicas do álbum.
O álbum também é recheado das chamadas Love songs. Porém, apesar disso e do sentimentalismo, não se pode dizer que as músicas de Baco falam diretamente sobre o amor. Diferentemente de Te amo Desgraça, Banho de Sol, e outras Love songs que consagraram o cantor, as de Bluesman parecem tratar muito mais sobre as fragilidades, os medos de um relacionamento, os erros e angústias, e a solidão do que sobre o amor de fato.
Bluesman é álbum sobre sentimentos, mas acima de tudo sobre um deles, a liberdade. Sobre ser livre e se sentir desta forma. Sobre quebrar padrões. Misturar sentimentos, como Baco faz em frase após frase, e misturar ritmos, ao colocar ora o som de tambores misturado aos beats e a guitarra do blues.
Para ser livre de fato, é preciso assim se sentir e assim se entender. Baco busca através de suas letras e faixa após faixa tocar nessa questão. A liberdade do negro, de seus ritmos, de sua cultura, de seus corpos. Livres de um determinado padrão. Livres de uma determinada cobrança. Livres para assim enfrentar o racismo brasileiro.
A capa de Bluesman representa isto. Um negro tocando guitarra no pátio do Carandiru. A cena que é inusitada e inesperada confronta aquilo que seria aceitável, ou o papel e o lugar do negro. Representa um suspiro de liberdade no meio ao caos.
Ao lado do álbum foi produzido também um curta-metragem, que transforma o trabalho musical em uma sensível obra cinematográfica.
O curta é um crítica ao racismo e novamente um canto de liberdade. Uma das frases da filmografia é de interessante reflexão: “O Brasil tem uma população de negros maior que a de brancos. Temos menos valor por sermos maioria? A ironia da maioria virar minoria”.
O ator principal do curta começa a cena correndo, aparentemente sem direção, olhando para trás, com um sorriso no rosto que hora se transforma em um semblante sério, surpreendendo as pessoas que ele encontra no caminho. Um jovem negro correndo na periferia de uma cidade brasileira. Do que e para onde este jovem corre? E em especial de quem ele corre? Ao ver um negro correndo assustado nas ruas, logo pensamos que ele está correndo da polícia. O jovem negro do curta corria em caminho para se sentir livre, rumo a um banho de chuva, em direção a um pátio aberto, ou para encontrar seus sonhos e desejos. E essa é uma das ideia que o disco quer passar, como vermos os negros, quais locais normalmente colocamos os negros, e quais locais nós realmente podemos alcançar.
Blvesman é um dos melhores e mais importantes álbuns do rap e da música brasileira deste ano (apesar de na minha playlist não entrar no top três). E Baco se mostra como um dos grandes artistas de nossa geração. A música negra, o rap e nossos MC`s cada vez mais ocupam espaços no cenário nacional, sem perder a essência e os valores de representação das pautas cruciais que atingem o povo negro e a periferia. É preto no topo.
“Eles querem um preto com arma pra cima, num clipe na favela gritando cocaína. Querem que nossa pele seja a pele do crime, que Pantera Negra só seja um filme. Eu sou a porra do Mississipi em chama”– Baco Exu do Blues.
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