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Para as mães negras, nossa consciência de raça e classe

Por: Elita Moraes, de Maceió, AL
Reprodução / Arquivo pessoal

Eu queria aqui falar das mães negras, mas, especialmente, falar de Janaína Soares e, junto com ela, falar sobre as mães negras que perderam seus filhos para o genocídio institucionalizado do Estado brasileiro que mata jovens negros nas periferias do país, as vítimas de “bala perdida”.

A bala perdida virou uma categoria abstrata, sem nexo, destituída de conteúdo para o Estado. Para a grande mídia que a noticia cotidianamente, ela não representa muita coisa, é apenas a bala perdida, vindo de algum lugar também perdido. Quem se importa com o destino da bala? Quem se importa com quem ela vai atingir no caminho? O genocídio é rotineiro. O Estado brasileiro não se importa com corpos negros.

A Janaína perdeu o seu filho em 2015. Cristian Soares, um garoto de apenas 13 anos, jogava futebol quando foi atingido durante uma troca de tiros em uma operação policial em Manguinhos, a morte da criança deixou a comunidade enfurecida. Mas a Janaína continuou sendo atingida pela bala que nunca foi perdida, por essa guerra infernal do Estado contra as periferias, por essa política de morte da guerra às drogas do Estado brasileiro que viola direitos humanos, que fere a dignidade, que não permite que ninguém tenha paz. É a militarização da vida, a institucionalização da violência racista que, quando não mata, encarcera e transforma os presídios em navios negreiros, outro sistema fracassado para o qual o Estado também fecha os olhos.

A militarização cotidiana da vida nas favelas e a saudade do filho consumiram Janaína Soares. A mãe negra que perdeu seu filho para o genocídio, também tombou. Depois de três anos, consumida pela depressão, sem nada conclusivo sobre as investigações do assassinato de seu filho, a Janaína tombou de tristeza. Aterrorizada pela violência que tomava conta das favelas que vitimou mais jovens negros em conflitos recentes, presenciando a sua dor nos olhos de outras mães, Janaína não resistiu. As mães de Manguinhos choraram mais uma vez.

O que dizer para as Janaínas das periferias? Quais respostas terão essas mães? Para que serve, afinal, a política de guerra às drogas do Estado brasileiro senão para causar dor e morte para corpos negros? A bala que não é perdida é rápida, certeira, mortal e, para as vidas das Janaínas, das mães pretas, elas continuam lá, de alguma forma, assombrando, estampando a dor nos olhos umas das outras. E não vai ter fim. Não enquanto a política de guerra às drogas for resposta para o Estado.

No dia de hoje quero dedicar a elas essa consciência que é formada em cada negro e negra do Brasil, a consciência do significado da nossa negritude. Tomamos consciência da nossa negritude cotidianamente. Tomar essa consciência significa carregar no peito uma vontade enorme de mudar o mundo, de transforma-lo radicalmente, de enterrar a ideologia racista que fere nossa existência, que deixa marcas profundas. É pelas Janaínas que continuamos aqui. É também pelas Marielles. A política institucional de genocídio do Estado brasileiro vai sempre esbarrar na força dessas mulheres porque, diferente deles, somos milhares, diversas, plurais, somos sementes.

Não é verdade que transformamos a dor em resistência, porque nem sempre isso é possível. É cruel pensar que devemos ser fortes o tempo inteiro. Mas a raiva da opressão racista que joga negros e negras para a base da pirâmide social, que mata jovens negros nas periferias e que vitimam suas mães, essa sim nos move o tempo inteiro, nos joga para um consciência de raça e de classe, nos dá a certeza da necessidade de uma transformação profunda da sociedade.

 

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