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OPRESSÕES

Série Quilombo dos Palmares: originalidade e significado do Quilombo dos Palmares – Parte II

Por: André Freire, colunista do Esquerda Online

“A peculiaridade de Palmares, entre muitos quilombos do ‘Brasil’, está em ter vivido por quase todo um século, não obstante as dezenas de expedições que os brancos enviaram para reduzi-lo”. (CARNEIRO, 1966). Além dele ter ocupado uma grande faixa territorial, “o Procurador da Fazenda, em 1695, calculava que as terras tivessem cerca de 4 500 léguas quadradas ou 27 000 kms quadrados”.

É muito difícil estabelecer com exatidão uma data para a fundação do Quilombo dos Palmares. Um relato da época afirma que ainda no último quartel do século XVI, um grupo de cerca de 40 escravos fugiram de um Engenho da região de Porto Calvo, na Capitania de Pernambuco e atualmente parte do Estado de Alagoas, em direção à mesma região que foi ocupada, posteriormente, pelos Quilombolas de Palmares. Porém, é mais seguro trabalhar com a informação, com ampla comprovação histórica, sobre uma primeira expedição contra negros aquilombados na Região da Serra da Barriga, já no ano de 1602, quando Diogo Botelho era o Governador-Geral – “… uma campanha contra os negros alevantados dos Palmares” (FREITAS, 1978). Outra referência importante é uma citação sobre o Quilombo dos Palmares em um Livro oficial, datado de 1613 – “livro que dá razão ao Estado”. (CARNEIRO, 1966).

Existem vários documentos de autoridades coloniais, nas primeiras décadas do século XVII, que já indicam a existência de Palmares. Por exemplo, em 1608, de maneira a adivinhar o futuro, o Governador Geral, D. Diogo de Menezes, afirmava sobre os negros: “andam alevantados e ninguém pode com eles e podem crescer de maneira que custe muito trabalho o desbaratá-los”. Esta autoridade colonial tentou, sem sucesso, convencer a Coroa portuguesa a voltar à adoção da mão-de-obra escravizada do Gentio, abandonando o tráfico negreiro.

Até 1630, ano da ocupação de Pernambuco pelos holandeses, não foram muitas as expedições que visavam desmantelar o Quilombo dos Palmares, mas já se sabia de sua existência e já era possível sentir suas ações na região. Ao final da terceira década do século XVII, pelos relatos disponíveis, já se podia contabilizar cerca de três mil habitantes em Palmares.

A Companhia das Índias Ocidentais, empresa comercial holandesa que administrou Pernambuco por mais de 20 anos, manteve intacta a estrutura do sistema escravista na região de Pernambuco e, inclusive, organizou duas expedições para desmantelar Palmares. Estas duas expedições deixaram relatos bem mais completos sobre o Quilombo, sobre sua economia, sociedade e organização política.

“Certo indivíduo, de nome Bartolomeu Lintz, foi destacado pelos holandeses para viver entre os negros, conhecer-lhes o modo de vida e a disposição das suas defesas, para mais tarde chefiar uma expedição contra Palmares” (CARNEIRO, 1966).

Os relatos dos funcionários coloniais batavos narravam que o Quilombo estava já dividido em dois grandes Mocambos – Palmares Grande e Palmares Pequeno – e que junto já se podia se contar, por volta de 1643, aproximadamente 6 mil habitantes.

Palmares já não era formado só por ex-escravizados fugidos, já tinha se constituído como uma sociedade alternativa, para onde se dirigia outros setores que se encontravam à margem – “um asilo aberto a todos os perseguidos e deserdados da sociedade colonial”
(FREITAS, 1978), como: indígenas rebelados, mestiços e brancos pobres, sem contar as primeiras gerações de nascidos na própria região ocupada.

“Portugueses e holandeses se assustaram com a cólera da massa escrava. Este medo teve em certos lugares o efeito de amortecer e até suplantar a animadversão da guerra, inspirando os primeiros gestos de cooperação entre os dois bandos em luta. Por exemplo, senhores de engenho que haviam permanecido na zona ocupada pelos holandeses, pediram e obtiveram armas para reprimir os escravos” (FREITAS, 1978).

Com a intensificação da guerra entre as tropas de colonos fiéis ao Império Português e as tropas de ocupação holandesas, houve, por um lado, uma grande ampliação da fuga de escravizados e, por outro, uma interrupção das expedições contra Palmares.

Embora fosse possível identificar a presença de escravizados, negros livres, indígenas e mestiços lutando tanto nas tropas do colonialismo português como também nas tropas expansionistas batavas, é seguro afirmar que a maioria da massa de negros escravizados daquela região tenha aproveitado o conflito para se libertar do cativeiro. Grande parte se somando aos diversos Mocambos que compuseram o Quilombo dos Palmares.

Lembrando que as principais Capitanias do Nordeste – Bahia e Pernambuco – onde mais se desenvolveu o Plantation da cana-de-açúcar, durante os primeiros anos do século XVII, já contava com cerca da metade de suas populações formadas por negros escravizados, trazidos da África pelo tráfico negreiro.

Relatos da época chegavam a afirmar que depois da “Restauração do Brasil”, Pernambuco praticamente não possuía mais escravos cativos, e que o Quilombo dos Palmares pode ter atingido um pico populacional, em 1671, com algo em torno a 20 mil habitantes.

Após a expulsão dos holandeses – chamados pelos colonizadores portugueses de “inimigos de fora” – cresceu a importância política e econômica da solução do problema da existência de Palmares. A luta contra os “inimigos de portas a dentro” – como as autoridades coloniais se referiram a Palmares – passou a ser uma preocupação central dos portugueses, inclusive sendo comparada em importância a luta travada contra a ocupação holandesa.

Para a reconstrução da economia colonial local, especialmente para a retomada e intensificação da produção do açúcar, que durante o século XVII e parte do XVIII foi o principal negócio de Portugal na América, era decisivo eliminar o inconveniente da presença e das ações dos negros rebelados de Palmares.

Palmares incomodava em vários sentidos: seja pela referência da possibilidade de liberdade para os milhares de africanos escravizados que voltaram a ser traficados para Pernambuco, seja pelas ações armadas que os Quilombolas realizavam constantemente.

Estas ações tinham principalmente o objetivo de libertar outros escravizados, capturar mulheres – inclusive brancas, expropriar produtos produzidos nos engenhos, justiçar senhores de engenho e seus feitores – inclusive com mortes, entre outras ações ofensivas para a consolidação da sociedade de Palmares.

Outra realidade, observada desde o período da ocupação holandesa, é que as populações mais próximas das regiões ocupadas por Palmares estabeleceram, de fato, trocas comerciais com o Quilombo.

A produção econômica de Palmares, especialmente agrícola, não só era suficiente para manter a subsistência do Quilombo, ela gerava também um excedente produtivo, que era apropriado coletivamente e controlado pelo Estado palmarino. Este excedente era armazenado para momentos de guerra e de festejos, mas começou a ser utilizado também pelos Quilombolas para realizarem trocas comerciais com os moradores que circundavam as regiões ocupadas pelo Quilombo.

Havia uma grande escassez de alimentos nas regiões das províncias que estavam sob o controle da administração colonial, mesmo nos centros mais desenvolvidos. Afinal, a esmagadora maioria das terras, principalmente as suas áreas mais cultiváveis, era destinada a monocultura da cana-de-açúcar.

Da parte dos Quilombolas havia também interesse no estabelecimento desta relação, seja porque era a possibilidade de obterem alguns produtos que não produziam diretamente, especialmente armas de fogo, seja porque a sua consolidação acabava interferindo positivamente na defesa do Quilombo. Pois, estes colonos passavam informações privilegiadas sobre a preparação de novas expedições militares contra Palmares.

A guerra colonial contra Palmares não foi realizada somente com o envio de expedições de combate e desmantelamento dos Mocambos que formavam o Quilombo dos Palmares. Esta luta oscilou entre uma postura de combate frontal com a busca por estabelecer negociações que visavam à rendição do Quilombo, mesmo que fosse conquistada a partir de concessões aceitas pela Coroa portuguesa.

Contou muito para a decisão de tentar buscar um acordo de paz com Palmares, os altos gastos financeiros dispensados pela administração colonial, e também pelos senhores de engenho, para financiar as expedições de combates ao Quilombo.

A depender das fontes historiográficas o número de expedições militares, realizadas contra Palmares, vão variando significativamente. Mas, nunca serão menores que 17, mas poderão ter chegado até mais de 30, num intervalo de pouco mais de 90 anos.

O governador Caetano de Melo e Castro tentou contabilizar estes gastos gerais, chegando a um valor muito significativo para à época: segundo dados da Fazenda Real, essas cifras chegaram a 400 mil cruzados diretamente das finanças da administração colonial e 1 milhão de cruzados de fontes privadas, especialmente de senhores de engenho das várias regiões da província envolvidas no combate a Palmares.

Foi neste período, em 1678, depois de uma expedição que conseguiu impor uma séria derrota militar aos Quilombolas, que o governador de Pernambuco, com a anuência da Coroa, pactuou a paz com Ganga-Zumba, líder principal do Quilombo dos Palmares, cedendo uma região para que ele e seus aliados vivessem em liberdade.

“A paz foi então assentada. O governador concedeu ao rei (sic) Ganga-Zumba o título de Mestre de Campo e determinou que os negros que lhe obedecessem ficassem situados no Cucaú…” (CARNEIRO, 1978).

O acordo desagradou vários setores da elite colonial e foi rechaçada também por muitos membros de Palmares.

Os negros denunciavam que o acordo nunca foi cumprido de fato. Por exemplo: que era comum que bandos de feitores e capitães do mato ficassem circundando a região de Cacaú para recapturar, segundo eles, escravos fugidos – em nítido descumprimento do acordo selado pelo governador.

Neste processo, começa a se destacar, ainda mais, a figura de Zumbi, chefe militar do Quilombo, que liderou os Quilombolas que se opuseram ao pacto de paz defendido por Ganga-Zumba.

“Ao mesmo tempo que consolidava sua posição em Palmares, tratava Zumbi de minar a de Ganga-Zumba em Cucaú” (FREITAS, 1978).

Menos de dois anos depois de firmado, o acordo fracassou. Ganga-Zumba foi morto, provavelmente por obra de uma parte de seus próprios seguidores, que passaram para o lado de Zumbi. Se aproveitando da luta entre os próprios negros, as autoridades coloniais dizimaram Cucaú.

Independente de seus resultados práticos, o acordo entre Ganga-Zumba e as autoridades colônias de Pernambuco revela-se de grande valor histórico. Para entendermos realmente o significado do Quilombo dos Palmares e a importância que Portugal dava a solução deste problema.

Afinal, o Palmares estava quase há um século “encravado” no interior de uma das principais províncias da América portuguesa, especialmente se formos levar em consideração a importância da produção do açúcar para a economia metropolitana da época.

Mesmo depois de fracassada a iniciativa do acordo com Ganga-Zumba, existiu outro documento histórico muito importante – uma Carta do próprio Rei de Portugal, D. Pedro II – o “Pacífico”, diretamente a Zumbi, datada de 26 de fevereiro de 1685, nos seguintes termos:

“Eu El-Rei faço saber a vós Capitão Zumbi dos Palmares que eu hei por bem perdoar-vos de todos os excessos que haveis praticado assim contra a minha Real Fazenda como contra os povos de Pernambuco, e que assim o faço por entender que vossa rebeldia teve razão nas maldades praticadas por alguns maus senhores em desobediência às minhas reais ordens. Convido-vos a assistir em qualquer estância que vos convier, com vossa mulher e vossos filhos, e todos vossos capitães, livres de qualquer cativeiro e sujeição, como meus leais e fiéis súditos, sob a minha real proteção, do que fica ciente meu governador que vai para o governo dessa capitania”. (FREITAS, 1978).

O novo governador era Soto Maior, que fora nomeado pelo Rei, poucos dias antes da data da assinatura da Carta. Tudo leva crer que o próprio governador a trouxe para Pernambuco na sua viagem para assumir o cargo. O que não se pode comprovar é se a Carta chegou ao seu destino.

O que podemos sim se ter absoluta certeza é que, na prática, mais uma vez, Zumbi não aceitaria uma rendição às autoridades coloniais portuguesas. Se ainda pudesse haver alguma dúvida, o desfecho de Cucaú demonstrava que era impossível um acordo seguro de rendição com as autoridades coloniais e os senhores de engenho.

Zumbi estava realmente convicto que o único caminho possível era seguir armado e lutando. No ano de 1687, através da delação de uma escravizada, se revelou uma conspiração de negros ligados a Zumbi, para se levantar a massa escravizada de Pernambuco:

“O plano consistia… em os escravos massacrarem a população branca e darem o sinal para a vinda dos palmarinos. Os cabeças foram presos e executados” (FREITAS, 1978).

Toda esta situação se tornou cada vez mais inaceitável para as autoridades coloniais. Logo após estas tentativas frustradas de obter a rendição de forma “pacífica”, se intensificou o combate a Palmares, com o envio de dezenas de expedições diferentes.

Antes de sistematizar conclusões sobre o significado de Palmares, é importante olhar com mais detalhes como foi formada essa sociedade, principalmente as características mais importantes de sua economia, organização sócio-política e táticas militares.

A economia de Palmares

A economia do Quilombo dos Palmares se caracterizou por uma produção diversa. Ela começou basicamente com a extração de produtos oferecidos pela rica flora das matas da região, como também pela adoção da caça e da pesca. Mas, encontrou seu maior desenvolvimento na agricultura multicultural, além de uma prática mais restrita da pecuária – de porcos e galinhas.

A mata escolhida como esconderijo inicial para os escravos fugidos dos engenhos da região de Pernambuco, em especial na Serra da Barriga, era muito densa e praticamente inexplorada pela colonização.

Nessas regiões de mata havia uma abundância de alimentos, já disponíveis, especialmente frutas e raízes. E, havia também muitas possibilidades para o desenvolvimento da caça e da pesca.

Essa condição natural foi um elemento facilitador, não só para o esconderijo dos Quilombolas, como também para sua sobrevivência no território escolhido para organizar seus primeiros Mocambos.

Evidentemente, que a adaptação às vicissitudes naturais de uma selva tropical inexplorada não transformavam a tarefa de se estabelecerem nessa região uma coisa nada fácil. Mas, este habitat não era tão diferente de regiões africanas que muitos destes escravos fugidos eram provenientes.

A grande vantagem natural para a implantação dos negros em Palmares não foram os frutos e os animais disponíveis na natureza. Posteriormente, o que se revelou como grande fator favorável para a sua estabilização na região foi à qualidade do solo.

Praticamente toda a região ocupada pelo Quilombo dos Palmares era rica num solo muito favorável ao plantio de vários produtos tropicais. A presença do solo de barro vermelho foi fundamental para o avanço da agricultura no Quilombo, fator decisivo para a subsistência dos Quilombolas. Nesta região, eles puderam desenvolver uma agricultura multicultural, produzindo milho, banana, mandioca, entre outros produtos.

A agricultura era realizada em pequenas roças, trabalhadas por pequenos contingentes de Quilombolas. Mas, isto não significa que houvesse uma apropriação privada da terra. A posse coletiva da terra era uma herança africana. E, os sucessivos confrontos com as tropas dos colonizadores, tornava comum que os Mocambos mudassem de local, deixando para trás as terras ora cultivadas. Tornando, assim, sem sentido uma posse privada das terras.

Portanto, a posse da terra era coletiva em Palmares. Como também era coletivo o controle sobre o excedente da produção. Cada família tirava o suficiente para a sua subsistência e o excedente era controlado pelo Estado, em cada Mocambo. O trabalho era majoritariamente livre.

Este controle do excedente produtivo, centralizado pelo Estado palmarino, foi fundamental para garantir os mantimentos necessários para os momentos de guerra e festejos e, mais à frente, para iniciar um processo de troca comercial com colonos mais próximos da região de Palmares.

“Sim, os negros tinham seus amigos entre os moradores vizinhos”. (CARNEIRO, 1966).

Em volta do quilombo, os moradores tinham uma vida miserável, portanto estas trocas foram frequentes. Tão presentes que elas chegaram a revoltar o comandante “paulista” Domingos Jorge Velho, que chegou a chamar estes moradores de “colonos dos negros”. (CARNEIRO, 1966).

Era parte da economia interna de Palmares a produção de cerâmicas e de materiais produzidos por ferreiros. Ou seja, algumas das armas de Palmares, já eram produzidas no próprio Quilombo.

Esta forma de se organizar a produção era oposta ao modelo do praticado pela administração colonial portuguesa. Nas regiões controladas pela Metrópole lusitana, era imposto o Plantation da cana-de-açúcar. Uma produção centralizada em grandes propriedades, com a produção monocultural do açúcar voltada para o mercado europeu e realizada exclusivamente pelo trabalho escravo.

As regras rígidas do controle da produção impostas pelas autoridades coloniais, deixavam poucas brechas de tempo e espaço para o crescimento de uma produção mais diversificada, ou mesmo de subsistência. Esta situação gerava uma escassez de alimentos em boa parte das regiões da província. Ou seja, ao lado da riqueza produzida pela economia açucareira, convivia a pobreza da maioria da população da Colônia.

Em contraste com esta situação, embora não seja totalmente seguro afirmar que houvesse abundância nas regiões ocupadas por Palmares, é possível constatar que havia o suficiente para garantir a subsistência de uma população que experimentou um franco crescimento e ainda a existência de um excedente produtivo.

Organização sócio-política do Quilombo

Existe uma importante discussão histórica sobre como caracterizar a sociedade constituída em Palmares.

Todas elas dão conta de que existiu uma sociedade relativamente complexa, seja pelo número de habitantes que chegou a atingir, a vasta região que ocupou territorialmente, num tempo relativamente longo e com um desenvolvimento econômico satisfatório.

Na verdade, o que se convencionou chamar de Quilombo dos Palmares, era a junção de pelo menos 11 Mocambos diferentes. Estes Mocambos se espalhavam na vasta região ocupada por toda aquela população Quilombola, segundo dados oficiais, aproximadamente 27 mil quilômetros quadrados.

“Conhecemos o nome e a localização de onze povoações palmarinas. Macaco, sobre a serra da Barriga, num ponto sudoeste da atual cidade alagoana de União dos Palmares, era a maior e mais importante. Possuía 1500 casas e uma população de cerca de oito mil habitantes. Estrategicamente era quase inexpugnável e por isso veio a se converter na capital … Seguia-se Amaro, 54 quilômetros a noroeste de Serinhaém, com uma extensão de seis quilômetros , mil casas e uma população avaliada em cinco mil habitantes. Nas cabeceiras dos rio Satuba e imediações da serra da Juçara, numa distância de 36 quilômetros de Macaco, erguia-se Subupira. Media de 6 quilômetros de extensão e se situava na distância de três montes. Entre os ribeiros Paraibinha e Jundiá, perto do lugar onde mais tarde existiu o aldeamento do Limoeiro, ficava a povoação de Osenga, 20 quilômetros a oeste de Macaco. Zumbi situava-se a 96 quilômetros a noroeste de Porto Calvo. Acotirene estava 30 quilômetros ao norte de Zumbi e 180 quilômetros a noroeste de Porto Calvo. Havia duas povoações contíguas chamadas Tabocas, e Acotirene a leste de Zumbi. Danbrabanga se erguia a 84 quilômetros de Tabocas, no lugar onde depois existiu o povoado de Sabalangá, no caminho da serra Dois Irmãos, atual município de Viçosa. A noroeste de Alagoas, 150 quilômetros , na serra do Cafuxi, ficava Andalaquituche. Nas redondezas da atual cidade de Garanhuns estava as povoações de Alto Magano e Curiva”. (FREITAS, 1978).

Os Mocambos tinham relativa autonomia política e administrativa. Unificavam-se apenas em temas de interesse geral da comunidade, como a administração do excedente produtivo e a defesa das suas comunidades.

Cada Mocambo possuía um chefe político-militar. Estes chefes de Mocambos conformavam um Conselho, que era chefiado por uma espécie de um “Rei”, que se apoiava neste Conselho geral. Ganga-Zumba foi escolhido como chefe, ou Rei, do Quilombo dos Palmares. Ele vivia em Macaco, Mocambo que era a Capital do Quilombo. Zumbi era chefe militar do Quilombo e também chefe local de um dos Mocambos, que levava seu nome.

O trabalho era majoritariamente livre em Palmares. Todos os escravizados que chegavam por conta própria ao Quilombo eram considerados automaticamente livres e incorporados à sociedade e ao trabalho. Mas, existem fontes que afirmam ter existido trabalho escravo em Palmares.

Ao que consta, os negros que chegavam ao Quilombo, capturados nas ações realizadas pelos Quilombolas nos engenhos de cana-de-açúcar ou em outras regiões da província, ficavam um período como escravizados, sendo libertados quando trouxessem outros indivíduos para a comunidade.

Portanto, não existe equivalência entre essa prática episódica de escravidão, que pode ter sido realizada em Palmares, com o sistema escravista, aplicado em larga escala pelas Metrópoles europeias na colonização da América.

Outra informação importante é que não havia só negros em Palmares. Embora os negros sejam, evidentemente, a base da conformação de sua sociedade. Comprovou-se a existência no Quilombo de indígenas rebeldes, mestiços e inclusive brancos pobres. Entre os brancos e mestiços, destacasse a presença de mulheres, que muitas vezes foram atraídas ou capturadas para o Quilombo.

Palmares sempre sofreu com um profundo desequilíbrio na sua conformação, com um número muito maior da presença de homens em relação à presença de mulheres. Este desequilíbrio foi gerado pelo próprio sistema escravista, que sempre priorizou a compra de escravos masculinos, vindos da África. Este desequilíbrio determinou também que em Palmares se estabelecesse a poliandria.

A partir destas informações mais gerais, contidas nos relatos da época, começam as discussões sobre como se deveria caracterizar a sociedade surgida da união dos Mocambos das serras da Pernambuco colonial.

Deixando de lado a historiografia oficial da época colonial da América portuguesa, que sempre buscou associar Palmares e os demais Quilombos apenas a bandos de criminosos, existem três formas distintas de apresentar a organização desta sociedade. A maioria delas coincide que houve uma espécie de Estado paralelo, mesmo que estado rudimentar.

Uma delas afirma que o que se organizou em Palmares foi um Reino (OLIVEIRA, 2001) muito similar aos que eram encontrados em várias regiões africanas no mesmo período do início do tráfico negreiro. Um Reino de um povo que fora trazido à força de seu continente original para a América portuguesa.

Outra visão apresenta Palmares como uma República negra (MOURA, 2001), valorizando o fato que o chefe do Quilombo era escolhido entre os Quilombolas e não através de uma herança sagrada, ou por ser parte de uma Dinastia ou de uma etnia específica, comuns nos Reinos africanos da época.

Esta qualificação de República poderia valer no sentido amplo de definir Palmares como um Estado, não na definição específica de uma forma de governo. Afinal, em Palmares existia uma forma de governo onde seus líderes eram escolhidos a partir de provas de valor e bravura, e não por alguma forma de eleição que lembrasse um sistema republicano).

Há uma terceira visão, que apresenta o Quilombo dos Palmares como um autogoverno dos escravos fugidos (CARNEIRO, 1966) ou um Estado Negro (FREITAS, 1978) – mesmo que este último autor, de forma livre, às vezes utilizasse também o nome República.

A definição de Estado negro, mesmo sem negar as evidentes influências africanas sobre estas populações e a sociedade que eles criaram, valoriza a originalidade da formação social existente em Palmares, a partir da realidade específica que os negros africanos escravizados encontraram por aqui.

Um destes fatores a ser superado, por exemplo, foi à necessidade de unificar em uma mesma sociedade, africanos que vinham de regiões diferentes da África, com culturas distintas e, algumas vezes, com rivalidades tribais.

Sem descartar nenhuma das análises destes autores, afinal cada uma se apoia em algum elemento presente nos relatos sobre Palmares, me parece mais apropriado adotar a definição mais genérica de Estado negro.

Esta caracterização tem a vantagem de se afastar de forma mais taxativa de uma visão marcada por estereótipos – seja sobre a existência de um sistema Republicano em Palmares seja numa visão de mera reprodução dos Reinos africanos em solo americano.

Os confrontos militares

Como um Quilombo conseguiu sobreviver praticamente um século de investidas sucessivas de tropas patrocinadas pelo colonialismo português e também pela ocupação holandesa? A resposta a esta questão é complexa e exige uma explicação com múltiplos fatores.

Para começar, é importante se levar em consideração que, de certa forma, a natureza protegeu Palmares. A densidade da mata das serras da Capitania de Pernambuco ajudou muito na tarefa dos Quilombolas a se esconderem da caça dos feitores e, posteriormente, das expedições militares.

Uma carta anônima da época fazia esta interessante comparação entre a guerra contra os holandeses e a guerra contra os Palmares:

“É que na guerra dos holandeses era a vitória do valor, nesta do sofrimento; lá se pelejava contra homens, cá contra a fome do sertão, o inacessível dos montes, o impenetrável dos bosques e contra os brutos que o habitavam”. (FREITAS, 1978).

A dureza do terreno, as intempéries da mata, as dificuldades de transporte de alimentos, entre outros elementos provocados pelas características naturais, transformavam cada viagem aos territórios ocupados por Palmares uma verdadeira epopeia. Uma das consequências foi que a montagem e manutenção das expedições militares se tornavam muito caras para os cofres das autoridades coloniais e dos senhores de engenho.

Para além das dificuldades naturais, encontradas pelas expedições militares coloniais, o pouco conhecimento do terreno da batalha, sempre dava a vantagem do fator surpresa aos Quilombolas, que muitas vezes souberam muito bem aproveitá-lo para desferir duros golpes nas tropas inimigas. E, em outras, ocasiões, permitiam aos palmarinos simplesmente abandonarem o terreno dos conflitos, para se embrenharem pela mata, para posteriormente, instalarem seus Mocambos em outros locais.

A vantagem dos palmarinos imposta pela natureza, no entanto, não explica sozinha a longevidade de Palmares e as dificuldades encontradas pelos colonizadores para dar fim à organização rebelde dos negros.

Junto a ela, esteve sempre presente a coragem e as habilidades para a guerra desenvolvidas pelo povo de Palmares. Afinal, sua força vinha, sobretudo, da luta por manter a liberdade conquistada à duras penas, com a sua fuga e posterior estabelecimento dos Mocambos nas matas da província.

Havia treinamento militar em Palmares. “os negros treinavam-se para a Guerra em Subupira, uma grande cidade muito fortificada na distância de três montes… a 5 ou 6 léguas do mocambo de Macaco” (CARNEIRO, 1966).

Estas habilidades foram tanto defensivas, desenvolvendo cada vez mais as técnicas de fortificações dos Mocambos, especialmente do mais importante deles, a sua Capital, Macaco. E, também, ofensivas, com as suas operações de assalto aos engenhos e outras regiões da província mais próxima do litoral, fundamentais para ampliar a população e conseguir armas e mantimentos para o Quilombo.

Com certeza, contou também para o prolongamento deste conflito, às dificuldades militares, políticas e econômicas enfrentadas pela Coroa portuguesa em boa parte do século XVII. Principalmente com o desfecho complicado da União Ibérica e os confrontos militares gerados por ele contra a Monarquia de Castela; ou também com a guerra civil no Nordeste de sua Colônia americana para expulsar os holandeses de Pernambuco.

De toda forma, as autoridades coloniais portuguesas, a Companhia das Índias Ocidentais e os senhores de engenho locais organizaram muitas expedições militares para a região de Palmares. No intervalo de 92 anos, eles podem ter chegado até 35 expedições (CARNEIRO, 1966). Mas, é seguro afirmar, de forma documental, que foram pelo menos 17 expedições, com seus respectivos comandantes:

“Bartolomeu Bezerra, entre 1602 e 1608. Holandesas: (1) Rodolfo Baro, 1644. (1) João Blaer, 1645. Luso-brasileiras: (1) Zenóbio Accioly de Vasconcelos, 1667. (2) Antônio Jácome Bezerra, 1672. (3) Cristóvão Lins, 1673. (4) Manuel Lopes, 1675. (5) Fernão Carrillo, 1676. (6) Fernão Carrillo, 1677. (7) Gonçalves Moreira, 1679. (8) André Dias, 1680. (9) Manuel Lopes, 1682. (10) Fernão Carrillo, 1683. (11) João de Freitas da Cunha, 1684. (12) Fernão Carrillo, 1686. (13) Domingo Jorge Velho, 1692. (14) Domingos Jorge Velho, 1694… O Número de expedições continua incerto, até que se conheçam os documentos referentes à primeira fase da campanha contra Palmares”. (CARNEIRO, 1966).

A partir da tentativa fracassada de dar fim a Palmares através de um acordo com Ganga-Zumba, as expedições se intensificam. Aumentaram em número e no maior envolvimento de soldados (sejam oficiais ou das milícias organizadas pelos senhores de engenho) e na violência com que atacavam o Quilombo dos Palmares.

Neste período, a luta contra Palmares já assumia um nítido objetivo de luta pela posse das terras palmarinas. Os comandantes militares, por de trás dos discursos de bravura no combate ao Quilombo, traziam sempre as suas reais intensões, os pedidos de direito de sesmarias nas terras ora ocupadas pelo Quilombo dos Palmares.

Para aprofundar a sua ofensiva militar sobre Palmares, as autoridades coloniais conseguiram trazer a Pernambuco uma tropa de “paulistas”, chefiadas por Domingos Jorge Velho.

Os “paulistas”, já tinham se destacado no combate e repressão de rebeliões de indígenas e também contra Quilombos em outras regiões da Colônia. Tanto que, estas tropas já se encontravam na região Nordeste, combatendo rebeliões do Gentio. Eles representaram, na nossa história, uma espécie de tropa de choque do colonialismo português.

A entrada dos “paulistas” na linha de frente do combate, vai consolidar a ideia de uma verdadeira “cruzada” das autoridades coloniais contra Palmares.

 

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Série Quilombo dos Palmares: resistência negra à sociedade colonial escravista – parte I