Hip Hop e cultura política

Por: Elber Almeida, do ABC Paulista
Divulgação

Este texto pretende lançar algumas questões e elementos para o debate sobre esta cultura e seu papel na sociedade para o dia 12 de novembro, Dia Mundial do Hip Hop.

É fato que o Hip Hop é uma das culturas contemporâneas mais politizadas. Nascido nas favelas e guetos, é conhecida pela combinação entre arte e protesto social, em especial contra o racismo e a desigualdade social.

Há controvérsias quanto ao nível político inicial desta cultura. Pode-se dizer que em sua origem não havia um objetivo de transformação social, mas apenas de festejar. Muitos dão como data de seu nascimento uma festa ocorrida no Bronx, periferia de Nova Iorque, na qual havia os quatro elementos desta cultura reunidos. De fato, esta festa de 11 de agosto de 1973, promovida pelo Dj Kool Herc, tinha como fato central a união de Dj, Break, Graffiti e MC.

Mas o contexto em que nasceu e se desenvolveu diz muito sobre as pautas políticas que incorporou depois. O próprio pai do Hip Hop, Kool Herc, imigrante jamaicano e negro, trouxe a cultura do MC que herdou da musicalidade da ilha. Aqueles que abraçaram seus elementos viviam nesse mesmo contexto, em meio a uma intensa violência urbana e racismo policial. Logo, a Zulu Nation de Afrika Bambaataa, trouxe para a cultura a necessidade do conhecimento histórico das raízes da opressão, além de um novo lema: “Paz, Amor, União e Diversão”.

Em entrevista, KRS One, uma das maiores referências do mundo Hip Hop diz: “Hip Hop é política, política da rua na rua […] um estilo de vida, um estilo de pensar, Rap é uma expressão do Hip Hop, Graffiti é uma expressão do Hip Hop, breakdance é uma expressão do Hip Hop, mas nenhum deles é Hip Hop, Hip Hop é uma cultura.”

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KRS One diferencia Rap de Hip Hop

Na origem do BLOCK-SE, onde a ideia nasceu e tomou forma, estão dois tradutores. Foi durante longas noites viradas no trampo da tradução que as conversas sobre o Hip Hop, sua história, os caminhos que a cultura tomou e a possibilidade de intervir nesta cena que o nosso projeto tomou forma e virou realidade.Esse é o primeiro material que traduzimos e legendamos relacionado ao Hip Hop, se liga aí na entrevista com o mestre KRS One, um dos filósofos da cultura, feita pelo "Rap City" em 1993.Tradução: Luiz Carlos Portella e Túlio CunhaLegendas: Túlio Cunha

Posted by Block-se on Thursday, April 20, 2017

Podemos entender com essas referências que o Hip Hop é sim mais do que um conjunto de expressões artísticas, mas também resistência cultural, por isso, política.

Isso não é dizer que para praticar qualquer um dos elementos do Hip Hop seja necessário ler algum autor clássico ou contemporâneo que fala de questões sociais. Isso, sem dúvida, poderá ser uma poderosa fonte de inspiração. O que é mesmo evidente é que a própria existência da cultura Hip Hop contraria as expectativas do classe dominante, colocando em cheque a forma de produzir e distribuir arte dominantes. Podemos então falar que, além de cultura, é contracultura.

E de qual tipo de política falamos?

Em tuíte recente, o rapper Djonga, um dos que mais destacam-se no cenário atual, disse o seguinte:

A publicação parece não dizer, mas quem ouve Rap pode entender o sentido da coisa. No Brasil, o grupo que mas fez sucesso, Racionais MC’s, tem em suas letras famosas denúncias dos problemas sociais que atingem o país, desde o racismo narrado em “Nego Drama”, passando pelo dia a dia do morador da periferia em “A vida é um desafio”, “Da Ponte Pra cá”, do ex-presidiário em “O Homem na Estrada”, do presidiário em “Diário de um Detento”. e também do assaltante morto em tiroteio em “Artigo 157”. Todas essas figuras e trajetórias são contextualizadas e a violência é apresentada como fruto de uma sociedade extremamente desigual e racista.

É o completo oposto da narrativa da direita, ainda mais da extrema-direita que chegou ao governo do país recentemente alimentando o discurso de que não há racismo no país, com um candidato eleito que chegou a dizer “portugueses nem pisaram na África” ao citar a origem da escravidão, além de pregar a ampliação de endurecimento das penas de aprisionamento na 3ª maior população carcerária do mundo e fortalecer o espírito de guerra interna com discursos que citam “metralhar a Rocinha”, o uso de atiradores de elite e drones que disparam armas de fogo para “abater bandidos”, dentre outras posturas famosas.

Na música “Rato Cinza, Canalha” de 1998 do histórico grupo de Rap, Consciência Humana, há um trecho que diz:

“Somos do lado escuro obscuro;
E não abusamos da nossa liberdade de expressão;
Não somos foras da lei;
Só não aceitamos o sistema, somos extrema-esquerda”

Em uma pesada crítica à atuação policial, os rappers buscam reivindicar sua liberdade artística, ao bom e velho estilo do grupo estadunidense NWA, porém com conteúdo mais político, chegando a declararem-se numa posição, a extrema-esquerda.

Já neste ano, o rapper Djonga, do tuíte que citamos, diz em seu trecho da música “Favela Vive Parte 3” o seguinte:

Esquerda de lá, direita de cá
E o povo segue firme tomando no centro
Onde a tristeza do abuso é pra maioria
E o prazer de gozar sobra pra 1%

Embora relativize a importância de sinalizar as diferenças entre e direita e esquerda neste trecho, ao contrário do que pode dar a entender seu rechaço ao posicionamento de direita no Rap, Djonga mostra que o problema da desigualdade social segue como central em suas letras.

Em 2017, João Dória ainda na prefeitura de São Paulo declarou guerra ao graffitti quando resolveu apagar importantes obras de arte dos muros da cidade, como o famoso mural da Avenida de 23 de Maio. O político de extrema-direita, inventou um paralelo entre este ramo da arte visual e o “vandalismo” para justificar a ação. Provocou o protesto de muitos grafiteiros.

Em artigo feito em 2014 para o “A Notícia”, Nelson Triunfo, um dos pioneiros do Breakdance no Brasil, é citado. Sobre as rodas de breakdance é dito “a roda era desfeita de forma truculenta, socos e pontapés eram distribuídos e, não raro, dançarinos eram levados para longos chás de cadeira nos distritos policiais, sob a acusação de vadiagem ou desacato. Eram considerados ‘rebeldes’, ‘subversivos’.”.

Não é exclusiva à cultura Hip Hop a repressão sofrida. Temos vários outros exemplos, como a repressão destinada às rodas de capoeira no Brasil, que sofreram proibição durante anos, à percussão em geral nos Estados Unidos, aos chamados “bailes black” que emergiram aqui enquanto havia ditadura militar, dentre vários outros exemplos que podemos citar. O que é comum neste caso é que a repressão sempre se destina às manifestações da cultura de origem negra.

Este tipo de repressão pode ter diversas causas e podemos realizar várias reflexões sobre todos seus aspectos. Mas, em resumo, quem detém o poder econômico pretende preservar sempre sua hegemonia cultural, para que o oprimido não consiga identificar-se e, por consequência, identificar seu opressor. Em descrições históricas sobre insurreições organizadas por populações negras no continente americano, arrancadas de seu local de nascimento na África e trazidas à força, é comum a descrição do papel das diversas manifestações culturais nestas. Podemos citar como exemplo o papel que as datas sagradas do Islã cumpriram para organização da insurreição dos Malês na Bahia no início do século XIX. Pouco antes se desenvolveu a Revolução de São Domingos que levou à criação da primeira ex-colônia a abolir a escravidão no mundo moderno: o Haiti, em que o Vodu foi um catalisador:

“[…] O vodu era o meio da conspiração. Apesar de todas as proibições, os escravos viajavam quilômetros para cantar, dançar, praticar os seus ritos e conversar; e então, desde a Revolução, escutar as novidades políticas e traçar os seus planos.” [1]

Portanto, podemos simplificar dizendo que a natureza do Hip Hop é também política por dois motivos: primeiro, pela realidade em que desenvolve-se está necessariamente de um lado, o dos oprimidos. Segundo, porque grande parte dos artistas deste meio estudam e desenvolvem política nas suas manifestações, influenciando um grande público. Numa realidade em que o direito de dançar e festejar foi e é negado a muitos, exercê-lo foi em muitos momentos resistir e a memória histórica do povo que fez isso e que quer fazer muito mais está inscrita nas letras de rap e nas paredes com graffiti.


NOTAS
[1] JAMES, C.L.R. Os Jacobinos Negros. Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. 1ªEd. São Paulo. Boitempo, 2010.

 

FOTO: Exposição celebra aniversário do hip hop. Pickup do Dj Kool Herc. Reprodução

 

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