Mexeu com Guilherme Boulos, mexeu com todos nós

Editorial 7 de novembro

O pronunciamento feito por Jair Bolsonaro no domingo anterior ao segundo turno das eleições assustou uma parcela da sociedade. O agora presidente eleito disse, entre outras ameaças de caráter fascista, que baniria a oposição. Ao exemplificar quem seria a oposição a ser exterminada, citou Guilherme Boulos, coordenador do MTST que foi candidato do PSOL à Presidência da República.

Não foi a primeira nem a última vez que Bolsonaro ameaçou Boulos. Na primeira entrevista que deu ao Jornal Nacional, após as eleições, atacou novamente o líder do MTST e a “cúpula do PT e do PSOL”. Durante a campanha, correligionários do capitão reformado chegaram a ameaçar, com armas nas mãos, uma ativista que trabalhava no comitê eleitoral do candidato do PSOL. Com a mesma intenção, circula na internet um abaixo-assinado pedindo a prisão do coordenador dos sem-teto.

A vitória eleitoral de Bolsonaro e a votação que obteve seu partido, o PSL, tanto na Câmara como no Senado, serviu de respaldo para inúmeras pautas e iniciativas autoritárias e repressivas. Não podemos prever de antemão a forma e as características exatas que esse governo vai assumir. Já temos, todavia, duas certezas sobre o próximo período: de um lado, teremos ultra-liberalismo entreguista no campo econômico e, de outro, a acentuação da repressão e perseguição aos movimentos sociais e à esquerda.

Antigos projetos de uma ultradireita saudosa dos tempos da ditadura retomam fôlego. Um exemplo é o Projeto de Lei 5358/16 de Eduardo Bolsonaro que visa alterar tanto a Lei Antirracismo (7.716/89), como a Lei Antiterrorismo (13.260/16). O deputado federal pretende incluir como crime “fomentar o embate de classes sociais, divulgar o símbolo do foice e martelo ou fazer apologia ao comunismo”.

Na semana após a eleição do capitão da reserva, aliado próximo de Bolsonaro, Magno Malta (PR), voltou a pautar mudanças nas Lei Antiterrorismo. O senador pretendia incluir pontos outrora vetados que abrangeriam a tipificação de terrorismo. As alterações propostas acabariam incluindo os próprios movimentos sociais no conteúdo da lei, o que significaria um retrocesso sem precedentes. Contrariando os interesses de Magno Malta, a lei de censura não foi, ainda, aprovada no CCJ do Senado e deverá ser submetida à audiência pública, com data ainda não definida.

Anunciado como futuro ministro da Justiça, em uma retribuição pela prisão do ex-presidente Lula, o juiz Sérgio Moro deu uma entrevista coletiva, no qual reafirmou a perseguição aos movimentos sociais. Apesar de ressaltar que seria exagero a tipificação de “terrorismo”, Moro deixou claro que os movimentos podem ser responsabilizados criminalmente. Ou seja, o novo governo e o Congresso tratarão greves, bloqueios de rua e ocupações como crime.

É importante reafirmar que estas são as principais formas de luta da classe trabalhadora e da juventude. Ao contrário do que fazem os bancos, que tomam as casas dos trabalhadores que não podem pagar a prestação, os movimentos sociais ocupam praticamente terrenos e prédios abandonados ou usados para especulação, sem uso social.

Há uma ardilosa lógica nas ações dos bolsonaristas em Brasília. A aplicação da agenda ultra-liberal do superministro Paulo Guedes, devido a sua óbvia impopularidade, é muito onerosa politicamente. O expediente da repressão política e ideológica cumpre um objetivo tático e outro estratégico.

O objetivo tático relaciona-se com a agenda de austeridade. Por mais popular que seja um governo, a retirada de direitos sempre é uma operação delicada e arriscada. Se ocorrerem fortes lutas e mobilizações país afora contra as reformas de Bolsonaro, o governo certamente se enfraquecerá. Neste sentido, a tentativa de criminalizar Guilherme Boulos, PSOL, MTST e MST, assim como os ataques contra universidades e professores, tenta minar a construção da resistência popular, no que há de mais forte e genuíno, ao tenebroso projeto antipovo do novo governo.

O objetivo estratégico relaciona-se com o futuro político a médio e longo prazo. Nessas eleições que passaram, na figura de Guilherme Boulos, forjou-se uma frente com PSOL, MTST, PCB, APIB, e distintos movimentos sociais e políticos. Essa aliança fez com que o PSOL elegesse dez deputados federais e inúmeros estaduais. Mas essa não foi a maior vitória desta deste campo. Boulos, líder de um dos principais movimentos sociais brasileiros, tornou-se uma figura política nacional. A aliança eleitoral de 2018 conquistou para a esquerda radical um espaço político que, embora não tenha se expressado em votos, há muito não conhecia. Não é por acaso que o presidente eleito considere o líder dessa frente um inimigo público a ser banido.

Hoje, como nunca, está colocada a defesa intransigente das liberdades democráticas e dos direitos sociais – conquistas históricas do povo trabalhador e oprimido do nosso país. O primeiro alvo de Bolsonaro é Guilherme Boulos. Como citamos, são inúmeras, e gravíssimas, as ameaças proferidas pelo futuro presidente contra o coordenador do MTST. A defesa de Boulos deve ser um compromisso de todo o campo democrático (no Brasil e em todo o mundo) e uma pauta permanente nas nossas bandeiras e ações. Que Bolsonaro fique avisado: mexeu com Guilherme Boulos, mexeu com todos nós.

Foto: Mídia Ninja