“Não apenas os comunistas não devem se opor a essas ações comuns, mas, ao contrário, devem tomar a iniciativa, justamente porque quanto maiores são as massas atraídas ao movimento, mais alta se torna a consciência de sua força, mais segura se torna de si mesma, e mais se tornam capazes de marchar adiante, por mais modestas que tenham sido as consignas iniciais da luta.”
(LEON TROTSKY, Considerações Gerais sobre a Frente Única, 1922)
O marxismo revolucionário conheceu a chamada “tática da Frente Única” ainda nos debates dos primeiros congressos da III Internacional (Internacional Comunista). Sua provável origem é a política da chamada “Carta Aberta”, iniciativa proposta por Paul Levy, dirigente do Partido Comunista alemão, para que sua organização chamasse publicamente o Partido Social-Democrata alemão para a luta comum.
No IV Congresso da III Internacional, realizado no ano de 1922, foi aprovada as “Teses para a unidade da frente proletária”, elevando a Frente Única como uma orientação política geral da organização. Ainda que essa definição tenha sido objeto de muita polêmica entre os revolucionários deste tempo.
Neste Congresso, com os bolcheviques russos à frente, foi reconhecido abertamente que a onda revolucionária aberta sob o impulso da vitória da Revolução Russa de 1917 tinha sido no mínimo desviada. Àquela altura, a força da reação capitalista derrotara vários processos revolucionários e os seus aliados reformistas no movimento operário ainda eram a maioria entre a classe trabalhadora.
Diante deste cenário internacional, a III Internacional propõe que seus partidos, muitos deles já grandes organizações políticas, defendessem a unidade na ação prática entre comunistas e social-democratas (partidos ligados a II Internacional), para que lutassem juntos contra o capitalismo e em defesa dos trabalhadores.
Essa unidade para ação prática incluiria também, evidentemente, os sindicatos. A proposta consistia em unificar o conjunto do movimento dos trabalhadores para lutar contra o capitalismo e seus ataques, mantendo a total independência entre os partidos que integrassem a Frente Única, reconhecendo as grandes diferenças políticas e programáticas entre as duas principais correntes do movimento operário na época, a comunista e a social-democrata.
O objetivo era protagonizar novamente grandes mobilizações dos trabalhadores, evitando maiores retrocessos do movimento operário. Mas, esta tática teria também um grande valor pedagógico, pois colocaria as diferenças políticas e programáticas entre comunistas e social-democratas de forma aberta, pública e na frente dos trabalhadores – quando estes estavam em ação, melhor momento para discutir os distintos projetos políticos de cada organização que atuavam em nome da classe trabalhadora.
Muitos marxistas, na época, foram críticos a tática da “Frente Única”, afirmando que ela era uma capitulação e reforçava ilusões na social-democracia, que já tinha feito parte de traições de importantes revoluções, como na Alemanha, por exemplo. Entretanto, a sua adoção se demonstrou correta não só para ampliar a capacidade de mobilização do movimento operário, como também para fortalecer os partidos comunistas em vários países, que cresceram muito a sua autoridade política defendendo a unidade da classe trabalhadora contra a burguesia.
Infelizmente, uma década depois, quando a tática da “Frente Única” era ainda mais decisiva para o fortalecimento do movimento operário e para derrota da reação, a III Internacional, neste momento já degenerada pela burocratização da ex-URSS sob o comando de Josef Stálin, foi contra a sua aplicação contra o fascismo, que crescia no início dos anos 1930 do século passado.
Essa política terrivelmente equivocada foi ainda mais dramática na Alemanha, quando o Partido Comunista alemão se negou a aplicar a Frente Única com o Partido Social-Democrata, diante do avanço do nazismo. O marxista revolucionário russo Leon Trotsky se insurgiu contra essa orientação absurda, que acabou contribuindo para a vitória de Hitler. Muito deste importante debate se encontra bem desenvolvido em seu livro “Revolução e Contra-Revolução na Alemanha”.
Recuperar esse pequeno histórico se revela importante para o humilde objetivo deste artigo: sustentar que os principais pressupostos da tática da Frente Única seguem atuais e válidos, se revelando como uma orientação fundamental para o movimento dos trabalhadores, da juventude e dos setores oprimidos no Brasil de hoje. Se já era central antes, especialmente diante do golpe parlamentar de 2016 e do governo ilegítimo de Temer, se torna ainda mais importante frente ao governo Bolsonaro, um representante de uma extrema-direita neofascista.
Evidentemente, como toda referência histórica, precisamos entendê-la dentro do contexto atual e com as devidas atualizações necessárias. Acredito que a aplicação da tática da Frente Única segue fundamental, devemos nos colocar de forma humilde e ativa a serviço de sua construção, especialmente por três elementos que destaco em seguida:
1 – A unidade na ação é o primeiro passo
Toda a discussão deve começar pela necessidade da mais ampla unidade de ação entre todos os movimentos, organizações e entidades da classe trabalhadora, da juventude e dos oprimidos contra o governo Bolsonaro, seus aliados e todos os riscos reacionários que ele representa, não só sobre os direitos sociais, mas também às liberdades democráticas.
Ameaçar a nossa unidade na ação prática do nosso movimento de resistência por diferenças políticas, por mais importantes que sejam, é um grave erro político. Um caminho que deve ser evitado por todos os lutadores contra Bolsonaro.
Esta Frente Única deve unificar as centrais sindicais, os sindicatos, os movimentos sociais e populares, o movimento estudantil, a Frente Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo, os movimentos de lutas contra as opressões (Mulheres, Negros / Negras e LGBT´s) e os partidos de esquerda identificados com os trabalhadores. A Frente Única não deve excluir nenhum setor que defende os interesses do povo trabalhador.
Deve haver uma coordenação unificada de todos estes movimentos, nacionalmente e em cada Estado. Sem disputa de protagonismos, perseguindo de forma consciente a unidade entre todos estes movimentos e organizações. Nossas ações e calendários devem ser de fato unificados e construídos coletivamente. O que menos precisamos agora são datas desconexas de mobilizações, que dispersem as nossas forças organizadas.
Esta unidade deve se construída a partir da direção das entidades, movimentos e organizações, mas precisa ser solidificada pela base, por espaços que reúnam os milhares de ativistas que estiveram em ação na campanha eleitoral, especialmente no segundo turno. Portanto, é ainda mais importante a realização de plenárias de base da Frente Única nas principais cidades, por regiões, categorias, universidades, entre tantos outros espaços.
2 – Frente Única e unidade democrática
A Frente Única deve ser composta por entidades, movimentos e organizações ligados à classe trabalhadora, a juventude e os setores oprimidos. Estes movimentos sindicais, estudantis e sociais, em conjunto com as organizações da esquerda identificadas com os trabalhadores, devem dar a direção política do nosso movimento de resistência.
Entretanto, vamos enfrentar um governo dirigido por um projeto político de extrema-direita neofascista, que quer governar de forma extremamente autoritária; apoiado principalmente nas forças armadas, no poder judiciário e numa maioria reacionária no Congresso Nacional; inclusive, perseguindo lideranças da esquerda e movimentos sociais combativos.
Portanto, precisamos ampliar ainda mais a nossa unidade de ação. Erram completamente os setores políticos da esquerda que se opõem que a Frente Única estimule uma unidade de ação democrática mais ampla.
A Frente Única das organizações do movimento e da esquerda deve chamar atividades, mobilizações e comitês que incluem amplamente todos os setores democráticos, que não necessariamente tenham acordo global com o nosso programa, mas se oponham ao projeto reacionário representado por Bolsonaro e seus aliados.
A política que se revela mais ajustada neste período é a combinação entre a construção da Frente Única dos movimentos da classe trabalhadora e a construção de uma unidade de ação mais ampla, envolvendo todos os setores democráticos.
3 – Independência entre os partidos e os distintos projetos políticos
A ampla unidade de ação e de organização da Frente Única não pode ser confundida com a exigência equivocada que se escondam os projetos distintos e as diferenças políticas e programáticas entre as organizações e partidos de esquerda.
Na nossa Frente Única deve estar o PT, partido de oposição a Bolsonaro com mais peso eleitoral e também nos movimentos da classe trabalhadora. Mas, a presença do PT não pode significar que ele tenha o monopólio do nosso movimento de resistência.
A direção do PT segue defendendo um projeto de conciliação de classes, o praticou na campanha eleitoral que acaba de se encerrar, especialmente com as alianças políticas com setores ligados à velha direita, que inclusive apoiaram o golpe parlamentar do impeachment.
Cometeu graves erros políticos e programáticos nos seus 13 anos de governo federal, seja com Lula ou com Dilma. Erros que ajudaram, em última instância, que as forças golpistas e até de extrema-direita ganhassem terreno. Por exemplo, não podemos esquecer que a direção do PT aceitou Temer como vice de Dilma.
Seria um erro gigantesco propor, por exemplo, que o PT fosse excluído da Frente Única, pelas grandes diferenças que temos com a direção deste partido. Entretanto, temos que garantir também espaços democráticos para que se discutam abertamente os rumos do nosso movimento de resistência.
Sempre levando em consideração o necessário senso de proporções nas discussões políticas que devemos realizar e sem ameaçar a nossa unidade de ação prática, não podemos esconder as nossas diferenças. Portanto, seguiremos defendendo a necessidade urgente de um novo projeto de esquerda, socialista e de independência de classe no Brasil.
Neste sentido, seguimos divergindo da estratégia de conciliação classes da direção do PT e nos opomos frontalmente a uma estratégia meramente eleitoral, de apostar tudo na perspectiva de uma vitória somente numa nova eleição em 2022.
Por isso, apostamos na construção do PSOL e das candidaturas presidenciais de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara – expressão da aliança política e eleitoral entre MTST, PSOL, PCB, APIB, Mídia Ninja, entre outras organizações e movimentos. Consideramos esta aposta como a mais correta e seguimos comprometidos com a sua construção e fortalecimento.
Afirmamos que tanto o PSOL – como a aliança política e social que construímos em torno da chapa Boulos e Sonia – deve ser parte da Frente Única, com personalidades e propostas próprias, e de forma ativa construindo as ações unificadas dos movimentos de resistência.
Se a vitória de Bolsonaro impõe a necessidade de uma ampla unidade de ação e a construção da Frente Única, ela não interrompe ou encerra entre nós a importância das discussões dos projetos políticos distintos na esquerda brasileira.
Devemos estar na linha de frente das lutas de resistência contra Bolsonaro, mas sem abrir mão de realizar as discussões fundamentais sobre os rumos da esquerda em nosso país.
FOTO: Detalhe de cartaz do Partido Comunista Alemão KPD, em 1921
Referências Bibliográficas:
. BROUÉ, Pierre, A História da Internacional Comunista, São Paulo, Editora Sundermann, 2007.
. TROTSKY, Leon, Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.
. III Internacional – Comunista: Manifestos e Resoluções do 3º. Congresso, São Paulo, Brasil Debates Editora, 1989.
. Resoluções e Documentos do Quarto Congresso da III Internacional, (http://combateclassista.blogspot.com/2012/06/quarto-congresso-da-iii-internacional.html?m=1)
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