Os militares se tornaram atores principais na esfera da política. O ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro e seu vice, o ex-general Mourão, são os primeiros militares desde 1949 eleitos por meio do voto popular. Ambos são saudosistas do período da ditadura militar, das torturas, e fazem ameaças a democracia, como a de Mourão, que falou em fazer uma nova Constituição por meio de um conselho de notáveis, e defendeu a tese do governo eleito dar um auto golpe. Bolsonaro ameaçou prender futuros opositores, e pôr fim a organizações sociais como MST e MTST, e aos “vermelhos”, que segundo ele seriam “as cúpulas do PT e PSOL”.
Os militares nunca se sentiram tão à vontade desde a redemocratização para interferir na esfera de funções que não lhe cabem.
O comandante Villas Boas, em abril, um dia antes de o Supremo Tribunal Federal decidir sobre o julgamento do ex-presidente Lula, pressionou os juízes, dizendo estar atento a “missão institucional” do Exército. Meses depois o comandante convidou os candidatos à Presidência para participarem de sabatinas, algo que não ocorreu em eleições anteriores.
Pela primeira vez em 20 anos, um militar ocupa o cargo de ministro da Defesa. Desde o governo de FHC o cargo era ocupado por civis, para mostrar um respeito a divisão de tarefas das instituições. Mas, Michel Temer nomeou o general Joaquim Silva e Luna ministro da Defesa, algo então impensável. No governo Bolsonaro, a pasta pode estar ligada a da Justiça.
É valido apontar que um dos principais consultores de Temer é o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Sérgio Etchegoyen. Além disso, o atual governo golpista decretou a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, e essa área do Estado passou a ser gerenciada por militares, a mando da União.
A tarefa de fazer do Rio de Janeiro uma experiência da atuação de militares na segurança pública coube ao general Walter Braga Netto. O resultado da intervenção militar no Rio é desastroso, com um número de mortos aumentando semanalmente e infelizmente atingindo recordes históricos. Na semana que antecedeu o segundo turno, um grupo denunciou que foi vítima de tortura na Vila Militar, com soldados encapuzados e choques elétricos.
A presença de militares também é visível no Poder Judiciário. Pela primeira vez um presidente do Supremo Tribunal Federal é assessorado por um general. Dias Toffoli, o mesmo que afirmou que prefere chamar o Golpe Militar de 1964 de “movimento de 64”, é assessorado pelo general Fernando Azevedo e Silva, ex-número dois do Exército. O general também ajudou na elaboração do plano de governo de Jair Bolsonaro.
Militares em ministérios
Das muitas incertezas que cercam sobre o que será um futuro governo Bolsonaro, uma das coisas que podemos ter certeza é que a presença de militares em cargos chaves do governo vai aumentar.
Entre especulações de nomes dos futuros ministros, ao menos um general já tem o assento garantido. Augusto Heleno, que comandou as tropas da Organização das Nações Unidas no Haiti em 2004, e é o principal elo entre as Forças Armadas e Bolsonaro, que já o destinou para o ministério da Defesa. Foi no Haiti que o Exército brasileiro treinou para atuar nas comunidades do Rio de Janeiro, como na Maré e agora, na intervenção militar, contra negros e negras.
Para o Ministério da Infraestrutura (pasta que vai substituir a de Transportes) o nome preferido é o general Oswaldo Ferreira, que comandou o departamento de Engenharia e Construção do Exército. Ferreira, ainda tenente, trabalhou na década de 70 na construção da rodovia BR-163, de Cuiabá a Santarém, que liga o Centro-Oeste com a região Norte, passando pela floresta amazônica. Ao comentar sobre a construção, Ferreira chegou a dizer que derrubou “todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher ao saco”.
Para a Educação, a expectativa é que seja nomeado o general Aléssio Ribeiro Souto, ex-chefe do Centro Tecnológico do Exército, que já deu declarações defendendo a mudança na bibliografia das escolas, contra as cotas e a favor do ensino da “verdade” sobre a ditadura e do criacionismo. O Ministério deve englobar outras pastas, como a do Esportes.
Já para a pasta de Ciência, Tecnologia e Comunicação, está cotado o tenente-coronel da Aeronáutica e ex-astronauta Marcos Pontes. Ele até já gravou um vídeo, anunciando que “só falta bater o martelo” e antecipando suas ações. Detalhe: o novo ministro de Ciência e Tecnologia não tem um artigo científico publicado.
O deputado federal e candidato derrotado ao Governo do Distrito Federal, Alberto Fraga (DEM), é o nome preferido para o cargo na Secretaria de Governo. Fraga é coronel da reserva da PM. Ele foi condenado em primeira instância por ter cobrado propina em contratos públicos, no período em que foi secretário de Transporte do Distrito Federal.
O Ministério de Segurança Pública pode ser incorporado a Justiça, mas caso seja mantido em pastas separadas, também deve ser assumido por algum militar.
Contas com o passado
A presença de tantos militares em cargos chaves, assim como a interferência de membros das Forças Armadas em assuntos que não competem à mesma, deve ser visto com preocupação. A crise das instituições brasileiras faz com que antigos monstros saiam das tocas, e que os militares saiam dos quartéis.
O Brasil, ao contrário de nossos países vizinhos, como Argentina e Chile, nunca julgou os crimes cometidos pelos militares. Nós não resolvemos a conta com o nosso passado. Apesar do importante passo que foi a Comissão da Verdade criada durante o governo Dilma, os comandantes dos crimes realizados durante os anos de chumbo nunca foram aos tribunais. Mesmo após a redemocratização, e serem retirados do Poder, os militares e as Forças Armadas nunca chegaram a reconhecer os crimes da ditadura, ou até mesmo “pedir desculpas” ao povo brasileiro. Nos quartéis ainda é possível ver aqueles que exaltam o período dos milicos, e a “Revolução de 64”, assim como a “luta contra o comunismo” feita há 50 anos pelos militares, e que se repete hoje na luta contra a “ameaça vermelha” do petismo e da esquerda, que quer transformar o Brasil em uma Venezuela.
O desfile de batalhão do Exército em Niterói (RJ) para comemorar a vitória de Bolsonaro mostra o risco que a democracia corre. Manifestações como esta, as interferências das Forças Armadas na política nacional, e o crescimento do papel dos militares em funções que não lhe competem são inaceitáveis dentro de nossa frágil democracia. Vai ser preciso estar atento e forte a qualquer movimentação que busque ser uma ameaça ao que resta da democracia e das liberdades democráticas.
Em algum momento da história nós teremos a chance de acertar as contas com o nosso passado, e dessa vez não poderemos vacilar.
FOTO: Militares embarcam em avião. Arquivo, Julho de 2016. Fernando Camargo / Ag. Brasil.
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