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O povo bêbado e a esperança equilibrista

EBC / Caminhos da Reportagem

Henfil e Betinho

Travesti Socialista

Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

“Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres.”
Voltaire

Após Roger Waters declarar-se contra Bolsonaro, muitos disseram: artistas não podem ter posição política. Ações truculentas da polícia em universidades repetiram: estudantes não podem se posicionar. O projeto Escola Sem Partido quer fazer o mesmo com professores. É conveniente resgatar a história dos artistas que se opuseram à ditadura, em especial da música “O bêbado e a equilibrista”, cantada por Elis Regina, muito significativa e que poucos compreendem.

Entendendo a música aos poucos

A letra é de Aldir Blanc e música é de João Bosco. Como regra das músicas escritas contra a Ditadura Militar, esta é bastante obscura e cheia de metáforas. Começamos então pela quarta estrofe, que é mais fácil de compreender:

Meu Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete
Chora a nossa pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil

Henfil, apelido do cartunista e jornalista Henrique Filho, foi exilado pela Ditadura, assim como seu irmão, Betinho, sociólogo e ativista de direitos humanos. Clarice era esposa do jornalista Vladimir Herzog, cujo homicídio foi muito mal forjado como suicídio por enforcamento numa cela do DOI-CODI, onde eram realizadas torturas no período ditatorial. Maria era esposa do metalúrgico Manoel Fiel Filho, também torturado até a morte, por supostamente fazer parte do Partido Comunista Brasileiro.

Marias e Clarisses está no plural, evidenciando que foram muitos os torturados, exilados e assassinados pela Ditadura.

A identidade da equilibrista fica evidente neste trecho da estrofe seguinte:

A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

É a esperança, que estava literalmente na corda bamba, de que a ditadura terminasse.

Mas e o bêbado? Quem é? É alguém que está, ao mesmo tempo, bêbado e de luto e que faz “irreverências mil” à “Noite do Brasil”. A noite do Brasil, naturalmente, simboliza o período sombrio pelo qual o país passava, ou seja, a Ditadura. Alguns textos que encontrei pela Internet consideram que o bêbado seja “a classe artística”, mas acredito que a melhor interpretação é que o bêbado seja o povo brasileiro, que, ludibriado, não sabia o que estava acontecendo de fato.

Agora, do começo:

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos

O primeiro verso é irônico e remete a um viaduto que desabou em 1971, matando e ferindo várias pessoas, sem que nenhuma delas fosse indenizada, o Viaduto Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, ainda em construção. A maior parte do povo seguia bêbada com o “milagre econômico” pelo qual o Brasil passava. Ao mesmo tempo, outra parte do povo estava de luto. Daí a contradição do bêbado trajando luto.

A Lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

A Lua, sem brilho próprio, representa o governo, que não tinha popularidade e precisou da ajuda de vários políticos e outros aliados, que se venderam para apoiar a Ditadura.

E nuvens
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.

Mata-borrão era usado para absorver o excesso de tinta das canetas-tinteiro, evitando que esse excesso borrasse o papel. O papel das nuvens, portanto, era absorver as “manchas” das torturas, escondendo o que realmente acontecia nos porões do DOI-CODI. E o povo, mesmo bêbado, fazia várias demonstrações de irreverência.

Depois da quarta estrofe (Meu Brasil que sonha…), vêm os seguintes versos:

Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança (…)

A dor pungente sofrida não é inútil. Ainda existe esperança, mesmo que ela esteja na corda bamba.

A equipe de campanha do Bolsonaro, que acredita que a “solução” do Brasil é proibir todo ponto de vista, toda opinião à qual eles se opõe. Como se discutir opiniões divergentes fosse ruim. Como se proibir que nós, da esquerda, defendamos nossa opinião sobre a política resolvesse os diversos problemas pelo qual o Brasil passa.

A solução do Brasil não passa por proibir discussões nem por reprimir os “vermelhos”, ou seja, todo mundo que se opõe àquele que se apresenta como “salvação” do país. Pelo contrário.

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar.