A votação de ontem confirmou o avanço das forças políticas reacionárias em nosso país. As eleições foram resultado da ofensiva ideológica, econômica e social da burguesia sobre o povo brasileiro, que se abriu em 2015 e consolidou-se em 2016 com o golpe parlamentar. Infelizmente, a extrema direita, que já tinha conquistado politicamente as classes médias e a pequena burguesia, ganhou a consciência da maioria do proletariado, principalmente nas regiões Sul e Sudeste.
No fundo desse deslocamento, estão a crise econômica e a crescente crise social, para as quais a extrema direita apresentou uma saída conservadora: militarização dos conflitos sociais, privatizações, perseguição às organizações de esquerda e aos movimentos sociais. No marco desse projeto, Bolsonaro também mobilizou o fundamentalismo religioso protestante e o preconceito contra os setores oprimidos da sociedade (o “bode expiatório” da vez). Tudo isso catalisado por uma estratégia de comunicação calcada no disparo de “fake news” através do WhatsApp e na não exposição do candidato, para qual a infeliz facada colaborou, e muito.
O mais provável, portanto, é termos um futuro governo de agenda econômica ultraliberal, muito repressor e autoritário, com um peso grande de militares no Poder Executivo. Resta saber o tamanho de sua base aliada no Congresso Nacional e a composição dos ministérios, elementos que dependem das negociações dos próximos dois meses. MDB, DEM e PSDB vão embarcar totalmente no governo ou algumas alas vão ficar na oposição, junto ao PT, PCdoB, PSOL, PSB, PDT, PV e Rede? O governo vai obter maioria qualificada de 3/5 na Câmara (308 deputados)? A que custo?
Com certeza, as mobilizações dos trabalhadores, da juventude e dos oprimidos vão ocorrer dentro de uma situação qualitativamente mais difícil no próximo período. Os nossos desafios serão novos e maiores.
Em primeiro lugar, é preciso desenvolver uma ampla unidade progressista em defesa das liberdades democráticas. Em segundo, será necessário conformar frentes entre sindicatos, entidades estudantis, movimentos populares e identitários para não só lutar contra os novos ataques aos direitos civis, sociais e trabalhistas, mas também para defender o direito à auto-organização, que será ameaçado pelo governo e pelo bandos de extrema direita que estão soltos pelo país e encorajados pela vitória eleitoral e pelo discurso de ódio do novo presidente. Em terceiro, é imprescindível resgatar um trabalho de base nos locais de trabalho, estudo e moradia enquanto instrumento de luta política e ideológica cotidiana, com o objetivo de acelerar a experiência da maioria do povo com o projeto da extrema direita.
Para vencer esses desafios, não começaremos do zero, pois a campanha eleitoral do segundo turno mobilizou dezenas de milhares de pessoas, que foram às ruas batalhar pela manutenção da democracia e dos direitos que ainda temos. A candidatura de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila foi a ferramenta da unidade democrática e seu crescimento nas duas últimas semanas demonstra que existe uma grande resistência. A chapa encabeçada pelo PT cresceu 50% do primeiro para o segundo turno e tirou uma diferença de 8 milhões de votos.
As frentes e grupos que se formaram para articular a campanha devem continuar existindo, agora com a função de organizar a resistência contra as medidas do novo governo. A primeira delas, a Reforma da Previdência, pode ocorrer até o final do ano, antes mesmo de Bolsonaro assumir a presidência, como já propôs Michel Temer.
Por fim, é fundamental que a esquerda aprenda com a derrota e reinvente-se. Isso passa necessariamente pela superação do programa de conciliação de classes do PT, que abriu caminho para o fortalecimento da extrema direita no Brasil. No futuro, um novo governo de esquerda não pode deixar de realizar reformas estruturais que minem o poder econômico e político das burguesias nacional e internacional, como a reforma tributária progressiva, as reformas agrárias e urbanas, a democratização dos meios de comunicação, a reestatização das empresas privatizadas etc.
Esse futuro se constrói desde já, no presente, apostando em um novo projeto de esquerda anticapitalista, com independência de classe, renovação das lideranças, apoiado na disputa parlamentar, porém ligado estrategicamente à ação direta dos movimentos sociais. A frente eleitoral, política e social que o PSOL 50 protagonizou, por meio da candidatura de Guilherme Boulos e Sonia Bone Guajajara à Presidência, é a expressão mais desenvolvida desse novo projeto de esquerda. O prestígio que ela conquistou ao longo deste ano coloca a possibilidade de, ocupando um lugar de destaque na resistência unitária ao governo Bolsonaro, disputarmos a hegemonia dentro do campo da esquerda, que permanece sendo, infelizmente, do PT.
LEIA MAIS
Foto: Reprodução TV
Comentários