Pular para o conteúdo
BRASIL

Infâncias e democracia: O que pensam e falam os pequenos sobre as eleições

Por: Ana Maria A. Mello, de São Paulo, SP
Lara Lima

Muitas famílias, unidades de educação infantil e ensino fundamental I acreditam ser importante tratar dos assuntos comentados pelos adultos. Ora se trata das Olimpíadas, ora da Copa do Mundo e agora das eleições 2018. Muitas vezes, por não sabermos como proceder, nos silenciamos.

Alguns adultos preferem proteger as crianças dessa chuva de informações e disputas. É verdade, as crianças não devem ser expostas diariamente a esses tempos difíceis, mas… Como estão inseridas em nossa cultura e portanto no dia-a-dia, por mais que as protejamos, os pequenos escutam conversas (muitas vezes acaloradas), assistem a TV, soletram e leem manchetes.

Uma criança de 4 anos, por exemplo, perguntou à sua tia porque tem que apertar o botão verde na hora de votar, uma outra queria saber o que é ditadura, uma colega respondeu a ela: “é quando gritamos e xingamos a professora, ou quando não ajudamos Nicolas e rimos dele quando ele cai… Mas isso é ser malvado!”

E os adultos, o que provocam e planejam para essas horas?

Palavras como democracia, ditadura, solidariedade, altruísmo, egoísmo, preconceitos, pré-julgamento, racismo, xenofobia… Quantas palavras essas crianças muitas vezes ouvem pela primeira vez e querem conhecer seu significado, não é mesmo?

Nas rodas de conversas também aparecem comentários.

Para não entrar no debate acirrado da disputa eleitoral, muitas escolas optam por não comentar sobre assunto já tão comentado. Dizem esses educadores que “esse é assunto para adultos, aqui na escolas não conversamos sobre política.” Um garoto disse para uma educadora “mas eu fui votar e minha mãe deixou eu apertar o botão…”

E os adultos o que comentam, como medeiam essas contradições?

Assim as crianças vão se apropriando também das contradições – “não posso falar de politica na escola, mas fui votar, e minha família está brigando por causa das eleições”. “Já a minha, não, vou a passeatas, participo de pedaladas pela democracia, de oficinas de arte e leio livros”. Conteúdos tão distintos aparecem nessas conversas entre crianças e adultos, e precisamos conhecer a dose certa, não é saudável afirmar que “esse assunto não é para criança”, evitando assim as diferenças e acreditando que essa conduta é respeitosa, como também não devemos inseri-los no dia-a-dia angustiante das oposições atuais.

Nas creches, pré-escolas e escolas onde desenvolvo meu trabalho, propomos a escuta das crianças e das hipóteses que constroem quando o tema é, por exemplo, as eleições. Após 1982, sempre tivemos eleições no Brasil e assim os pequenos devem conviver com o debate e com as escolhas de cada criança, seus familiares e seus educadores. Muitas vezes convidamos famílias e especialistas para conversarem conosco sobre o tema, sobre as propostas de cada candidato e a sobre as concepções da criança, da família e das infâncias que existem em cada proposta. Em outras oportunidades, tivemos assembleias, as crianças votaram e escolheram brincadeiras, livros e visitas a museus e parques.

Essa pratica, evidentemente está longe, muito longe, de provocar unanimidade e assim defender apenas uma opção, um candidato. Em algumas escolas privadas, de classe média, assistimos, recentemente, a vídeos de proprietários expondo a bandeira brasileira, e provocando adultos e crianças a votarem em Bolsonaro. Não é disso que se trata, escolas devem respeitar e provocar o debate das diferenças, responder às perguntas das crianças, ler historias e cuidar da atmosfera democrática necessária para bom aprendizagem.

O leitor deve agora estar se perguntando como sentiram as crianças, seus educadores e familiares que optaram pelo Haddad? Quanta exclusão foi provocada nesse ato, quanta imposição às liberdades democráticas!

Para tanto, os educadores precisam ser formados para disporem de argumentos e acolherem todas as diferenças. Literatura sempre nos ajuda. Acompanho os lançamentos de livros infantis que tratam de política. Nada mais natural – mais do que nunca, percebeu-se que esse é também assunto de criança. Os adultos podem mediar em segurança através da boa literatura, acompanhada pela disposição de lê-los e por boa mediação.

Há livros realmente bons que falam de política, gosto muito do selo Coleção Boitatá (Editora Boitempo), voltado ao publico infantil, que trata de direitos e de justiça social, mas um livro que me toca quando o releio é “A Redação”, do chileno Antonio Skármeta, que conta a história de Pedro, um garoto de 9 anos apaixonado por futebol. O cenário é a ditadura – e apesar de não entender bem o que se passa, Pedro percebe que algo de estranho ocorre. Vê o pai de um de seus colegas sendo levado por soldados, enquanto no comércio alguns observavam curiosos e outros fechavam suas portas, temerosos. Seus pais, todas as noites, ouvem angustiados uma rádio cheia de chiado, ansiosos por notícias de amigos e companheiros – mas suas perguntas não são respondidas com clareza e o clima, é sempre tenso. Um dia, sua sala de aula é visitada por um militar com medalhas no peito. Ele traz uma missão para a turma, quer que todos escrevam uma redação. O tema: “O que minha família faz todas as noites”. O objetivo? Identificar família que se reúnem para resistir à ditadura sangrenta chilena (1973 -1990)

É aí que entra a tensão, a surpresa: a maturidade e o humor do garoto mostram a sensibilidade e a percepção das crianças a respeito do que acontece em torno de si, e é impossível não continuar lutando por liberdade.

Por tudo isso, presto muito atenção às expressões infantis, o que desenham, pensam e falam os pequenos sobre posturas autoritárias, sobre ter armas, sobre brincar de guerra, sobre maltratar e desprezar amigos negros ou de outra classe social. O que pensam sobre liberdade de expressão e do futuro do Brasil!

Para debater essas eleições com crianças e seus educadores, ocorreram iniciativas em museus, pedaladas pela democracia. Assim, no dia 25 de outubro, tivemos o Desenhaço pela Democracia, na praça da Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo. São programas feitos com arte e amor para expressarem a liberdade, pois é o que queremos votando no Haddad, 13!

*Ana Maria A. Mello é psicóloga, educadora, ativista feminista e participa do Movimento por Luta por Creches e do Bixiga Sem Medo.

Foto: “Protesto” infantil, em comício do candidato Fernando Haddad, no RIo de Janeiro. Foto Lara Lima

Marcado como:
educação / eleições